A suplementação com ácidos graxos ômega-3, presentes no óleo de peixe,
tem sido indicada para indivíduos com problemas cardiovasculares e com diabetes tipo
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Suplementação com óleo de peixe alterou perfil das células de defesa, que passaram do estado pró-inflamatório para o anti-inflamatório, reduzindo quadro semelhante ao diabetes tipo 2
Estudo brasileiro publicado na revista Nutrients sugere
que o óleo de peixe pode atenuar a resistência à insulina, reduzindo assim a
intolerância à glicose, por meio da modulação da resposta inflamatória.
As conclusões da
pesquisa, financiada pela
FAPESP, se baseiam em experimentos com ratos que, a despeito de não serem
obesos, apresentam um quadro semelhante ao diabetes tipo 2.
Como explicam os autores, a
suplementação com ácidos graxos ômega-3, presentes no óleo de peixe, tem sido
indicada para indivíduos com problemas cardiovasculares e com diabetes tipo 2 –
doença caracterizada pelo aumento da concentração de glicose no sangue em
decorrência da ação reduzida do hormônio insulina –, mas pouco ainda se sabia
sobre o efeito desses nutrientes no caso de resistência à insulina sem
obesidade.
Neste estudo, os pesquisadores
observaram que a administração de óleo de peixe na dose de 2 gramas por quilo
de peso (contendo 540 mg/g de ácido eicosapentaenoico, ou EPA, e 100 mg/g de
ácido docosa-hexaenoico, ou DHA), três vezes por semana, durante oito semanas,
atenuou a resistência à insulina dos roedores não obesos, que também
apresentaram melhora na glicemia, em marcadores inflamatórios e no perfil
lipídico, incluindo colesterol total, o tipo LDL (conhecido como colesterol
ruim) e triglicerídeos.
Ainda que fruto de testes
pré-clínicos, os resultados trazem esperanças para 10% a 20% das pessoas com
diabetes tipo 2 em todo o mundo que, a despeito de terem a doença, não estão
acima do peso.
“O experimento foi feito com
ratos Goto-Kakizaki, um modelo animal para diabetes tipo 2 sem obesidade.
Observamos que a atenuação da resistência à ação da insulina nesses animais se
dá por meio da modulação da resposta inflamatória, mudando o perfil de células
de defesa [linfócitos] do estado pró-inflamatório para anti-inflamatório, da
mesma forma como ocorre em indivíduos obesos e com resistência à insulina que
fazem suplementação com ácidos graxos ômega-3”, conta Rui Curi, diretor do Centro de Ensino do
Instituto Butantan, professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em
Ciências da Saúde da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul) e coordenador
do estudo.
O pesquisador explica que
qualquer alteração nos linfócitos – células que orquestram a resposta de defesa
– tende a ter impacto em outras células do sistema imune, criando um efeito
cascata. “Em estudos anteriores observamos que ratos com quadro de resistência
à insulina sem obesidade apresentam alteração não só em linfócitos, como também
em macrófagos [leucócitos que vão se depositar no tecido adiposo]. Essas
células passam a produzir mais citocinas pró-inflamatórias, algo muito
semelhante e central nos casos de pessoas com diabetes e obesidade.”
“Por isso, o objetivo principal
da pesquisa era identificar se a suplementação com óleo de peixe [rico em
ômega-3] conseguiria reverter alterações específicas nos linfócitos, que tinham
sido observadas em estudos anteriores. Com os resultados, conseguimos
aprofundar o entendimento sobre a relação entre inflamação e resistência à
insulina em animais não obesos, confirmando que se trata de uma questão central
do diabetes, mesmo quando não há obesidade”, explica Renata Gorjão, vice-coordenadora do
Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Unicsul e
coautora do estudo.
Inflamação
sistêmica
A investigação que resultou no
artigo em pauta foi conduzida durante o doutorado de Tiago Bertola Lobato e
integra um projeto maior, apoiado pela
FAPESP, que tem ampliado o entendimento sobre a resistência à insulina em
animais não obesos.
Segundo Curi, a obesidade é
considerada um fator de risco central para o diabetes, embora não seja o único.
No caso dos indivíduos com diabetes e não obesos, a principal hipótese é que a
causa seja genética. Em artigo publicado recentemente na
revista Cells, os pesquisadores investigaram a possibilidade de que
a resistência à insulina em não obesos também esteja relacionada com a lentidão
no trânsito intestinal.
“Sabe-se que a inflamação
constante e de baixo grau comum em pessoas com obesidade pode ter impacto nas
vias de sinalização da insulina. O tecido adiposo, aumentado na obesidade,
libera citocinas pró-inflamatórias que atuam na via de sinalização promovendo
resistência à insulina. Já no modelo sem obesidade não há essa característica
impactante do tecido adiposo, embora haja inflamação sistêmica também”, diz. A
questão da inflamação sistêmica em animais não obesos e com resistência à
insulina (ratos Goto-Kakizaki) foi demonstrada pelo grupo em estudo anterior publicado no International
Journal of Molecular Sciences.
Em outro braço da pesquisa, o
mesmo grupo de autores relatou uma interrupção precoce dos mecanismos
anti-inflamatórios em roedores com quadro de resistência à insulina sem
obesidade. Ratos com 21 dias de vida, recém-desmamados, já apresentavam em
linfonodos (órgãos do sistema imunológico) redução de marcadores de linfócitos
T-reguladores (células com características anti-inflamatórias). Outras
alterações inflamatórias precoces também foram observadas nos ratos
Goto-Kakizaki. Os dados foram divulgados no
periódico FEBS Letters, da Federação das Sociedades Bioquímicas
Europeias.
“A suplementação com óleo de
peixe reverteu esse quadro, apresentando um efeito anti-inflamatório notável ao
reduzir os perfis inflamatórios Th1 e Th17 [dois subtipos de linfócitos T que
desempenham funções cruciais na inflamação], seguido de aumento na porcentagem
de células T-reguladoras, que tem a capacidade de suprimir a ação dos linfócitos
pró-inflamatórios. Dessa forma, a atuação dos ácidos graxos ômega-3 nos
linfócitos, modulando-os do estado pró-inflamatório para o anti-inflamatório,
pode ter sido o desencadeador da atenuação do quadro de resistência à insulina
nos animais”, avalia Lobato.
Apesar das boas notícias, os
pesquisadores alertam que ainda são necessárias mais pesquisas para confirmar
os achados. “Esses estudos foram realizados em modelos experimentais
consagrados, que mimetizam o quadro de resistência à insulina em indivíduos não
obesos. Ainda é preciso realizar testes em humanos, avaliando a dose ideal e o
tipo de ácido graxo ômega-3 mais indicado”, destaca Curi.
O artigo Omega-3 Fatty
Acids Weaken Lymphocyte Inflammatory Features and Improve Glycemic Control in
Nonobese Diabetic Goto-Kakizaki Rats pode ser lido em: www.mdpi.com/2072-6643/16/23/4106.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/consumo-de-omega-3-atenua-resistencia-a-insulina-em-animais-nao-obesos-aponta-estudo/53866
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