O banimento do herbicida Paraquat determinado
pela ANVISA em 2020 foi tomada baseada no chamado “Princípio de Precaução” que“
permite aos poderes públicos a adoção de medidas restritivas de direitos
fundamentais das pessoas e empresas com fundamento na eventualidade de criação
de riscos futuros e incertos para o ambiente e a saúde humana caso a atividade
seja autorizada ou um certo produto seja introduzido no mercado”.
A fundamentação foi baseada em estudos
epidemiológicos e experimentais em animais não tendo nenhum estudo clínico que
apresentasse trabalhadoras(os) com níveis residuais em seus organismos
detectados por marcadores biológicos e com sinais e sintomas de Doença de
Parkinson.
A relação estabelecida deve-se ao fato de que a
molécula do Paraquat tem uma estrutura similar a um contaminante da heroína
(droga de abuso) a MPTP cuja ação se dá na substância negra no cérebro lesando
neurônios dopaminérgicos que determinam alterações motoras do tipo
parkinsonismo e também podem evoluir para a Doença de Parkinson.
Os estudos experimentais foram os seguintes:
1. Estudo em Camundongos (2000): Um estudo
realizado por pesquisadores da Universidade de Rochester demonstrou que
camundongos expostos ao paraquat desenvolveram sintomas semelhantes à Doença de
Parkinson, incluindo a perda de neurônios dopaminérgicos na substância negra do
cérebro, uma característica chave da doença. Este estudo foi um dos primeiros a
sugerir que o paraquat poderia ser um agente neurotóxico que mimetiza a Doença
de Parkinson em modelos animais.
2. Estudo em Camundongos (2003): Pesquisadores da
Universidade de Duke realizaram um estudo onde camundongos foram expostos a uma
combinação de paraquat e maneb (outro pesticida). Eles observaram que essa
combinação causou uma perda significativa de neurônios dopaminérgicos e
diminuição dos níveis de dopamina no cérebro, imitando ainda mais as condições
observadas na Doença de Parkinson. Este estudo sugeriu que a interação entre
diferentes pesticidas pode amplificar o risco de neurodegeneração.
3. Estudo em Ratos (2005): Um estudo conduzido na
Universidade de Miami mostrou que ratos expostos ao paraquat desenvolveram
estresse oxidativo e dano mitocondrial em neurônios dopaminérgicos, ambos
processos intimamente ligados à patogênese da Doença de Parkinson. Este estudo
forneceu mais evidências de que o paraquat pode causar neurodegeneração através
de mecanismos relacionados ao estresse oxidativo.
4. Estudo em Camundongos Transgênicos (2010):
Pesquisadores usaram camundongos transgênicos que expressam a proteína
alfa-sinucleína humana, uma proteína que se acumula em agregados anormais em
cérebros de pacientes com Parkinson. A exposição ao paraquat nesses camundongos
levou ao aumento da agregação de alfa-sinucleína e à degeneração dos neurônios
dopaminérgicos. Isso sugeriu que o paraquat poderia promover a patogênese do
Parkinson através da exacerbação dos agregados de alfa-sinucleína.
Esses estudos fornecem fortes evidências de que a
exposição ao Paraquat pode ser um fator de risco para o desenvolvimento da
Doença de Parkinson em humanos, embora a extrapolação direta dos resultados de
estudos em animais para humanos deva ser feita com cautela.
Em relação aos estudos epidemiológicos os
principais foram:
Tanner, C. M., et al. (2011). "Rotenone,
paraquat, and Parkinson's disease."
Journal: Environmental Health Perspectives
Resumo: Este estudo epidemiológico realizado nos
Estados Unidos examinou a relação entre a exposição a pesticidas, incluindo
paraquat, e o desenvolvimento da Doença de Parkinson. Os pesquisadores
encontraram uma associação significativa entre a exposição ao paraquat e um
risco aumentado de Parkinson, sugerindo que esses compostos podem contribuir
para a neurodegeneração.
Referência: Tanner, C. M., Kamel, F., Ross, G.
W., Hoppin, J. A., Goldman, S. M., Korell, M., ... & Langston, J. W.
(2011). Rotenone, paraquat, and Parkinson's disease. Environmental Health
Perspectives, 119(6), 866-872.
Costello, S., et al. (2009). "Parkinson's
Disease and Residential Exposure to Maneb and Paraquat From Agricultural
Applications in the Central Valley of California."
Journal: American Journal of Epidemiology
Resumo: Este estudo analisou a exposição
residencial ao paraquat em áreas agrícolas da Califórnia e sua relação com o
risco de desenvolver Parkinson. Os resultados indicaram um aumento no risco de
Parkinson em pessoas que viviam perto de áreas onde paraquat era aplicado.
Referência: Costello, S., Cockburn, M.,
Bronstein, J., Zhang, X., & Ritz, B. (2009). Parkinson's disease and
residential exposure to maneb and paraquat from agricultural applications in
the central valley of California. American Journal of Epidemiology, 169(8),
919-926.
1. Liou, H. H., et al. (1997).
"Environmental risk factors and Parkinson's disease: A case-control study
in Taiwan."
Journal: Neurology
Resumo: Este estudo de caso-controle em Taiwan
investigou fatores de risco ambientais para Parkinson, incluindo a exposição ao
paraquat. Os resultados apoiaram a hipótese de que a exposição ao paraquat
estava associada a um risco aumentado de desenvolver a doença.
Referência: Liou, H. H., Tsai, M. C., Chen, C.
J., Jeng, J. S., Chang, Y. C., Chen, S. Y., & Chen, R. C. (1997).
Environmental risk factors and Parkinson's disease: A case-control study in
Taiwan. Neurology, 48(6), 1583-1588.
2. Pezzoli, G., & Cereda, E. (2013).
"Exposure to pesticides or solvents and risk of Parkinson disease."
Journal: Neurology
Resumo: Este artigo revisou estudos sobre a
associação entre a exposição a pesticidas, incluindo paraquat, e o risco de
Parkinson. A revisão confirmou a evidência de que o paraquat é um dos
pesticidas mais consistentemente associados ao aumento do risco de Parkinson.
Referência: Pezzoli, G., & Cereda, E. (2013).
Exposure to pesticides or solvents and risk of Parkinson disease.
Neurology, 80(22), 2035-2041.
Conclusão
Esses estudos, entre outros,todos em
animais(experimentais) e epidemiológicos, forneceram as evidências necessárias
para embasar a decisão de banimento do paraquat( Princípio da Precaução), ao
mostrar a possível associação entre a exposição ao herbicida e o
desenvolvimento de doenças graves como o Parkinson. A análise dos dados
epidemiológicos, junto com as conclusões desses estudos clínicos (não há nas
referências nenhum estudo clínico), foi essencial para a avaliação do risco associado
ao uso do paraquat, de acordo com a ANVISA em 2020.
Estudos experimentais e epidemiológicos são
importantes fontes de dados de saúde, porém a avaliação de estudos clínicos
utilizando marcadores biológicos de exposição são a base que pode determinar se
os resultados encontrados nos estudos experimentais e as hipóteses levantadas
nos estudos epidemiológicos estão corretas para estabelecer uma decisão
adequada das agências reguladoras como a ANVISA.
Apesar do Paraquat estar sendo utilizado a décadas no país, não há nenhum estudo clínico científico que comprove os estudos experimentais e epidemiológicos sobre a relação causal de exposição ocupacional ao Paraquat e Doença de Parkinson.
Angelo Zanaga Trapé - Professor-doutor aposentado da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS)
Conselho Científico Agro Sustentável - CCAS
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