Recentemente,
o secretário de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Adriano Massuda,
revelou durante uma entrevista a intenção do órgão ampliar a compra
centralizada de medicamentos para tratamento de câncer, de modo a utilizar o
poder de compra do Estado, inspirando-se na estratégia adotada no Programa de
HIV-Aids. O propósito é garantir tratamentos mais acessíveis e abrangentes aos
pacientes, associando essa medida a políticas de desenvolvimento produtivo.
Mencionado
como modelo, o Programa de HIV-Aids é reconhecido nacional e internacionalmente
por sua eficácia. O programa de compra centralizada de medicamentos permitiu a
negociação de preços mais baixos de medicamentos, além de assegurar a
distribuição de tratamentos eficazes a uma população vulnerável. A estratégia
também envolveu incentivos à produção local, o que fortaleceu a indústria
farmacêutica nacional e promoveu a sustentabilidade do abastecimento de
medicamentos.
Dado
o sucesso, é válida a iniciativa de replicá-lo como estratégia em outras
doenças. No contexto atual, o tratamento do câncer representa um desafio
significativo para o sistema de saúde pública no Brasil. Os custos elevados dos
medicamentos oncológicos, aliados à crescente demanda por tratamentos, têm
imposto uma carga substancial sobre os recursos públicos. Assim, tal proposta busca
não apenas a redução de custos, como também a garantia de um fornecimento
contínuo e de qualidade, beneficiando diretamente os pacientes que dependem do
Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de uma importante política pública que
integre o poder de compra do Estado com estratégias de desenvolvimento
produtivo.
A
centralização das compras perme ao Ministério da Saúde negociar com maior
eficácia junto aos fabricantes, obtendo melhores condições de preço, além de
assegurar a disponibilidade de medicamentos essenciais. Como vantagem, também
vale citar o incentivo à produção nacional, reduzindo a dependência de
importações. Isso certamente fortalece a capacidade produtiva interna.
A
experiência positiva do Programa de HIV-Aids serve como um indicativo de que a
centralização das compras, associada a políticas de incentivo à produção local,
pode resultar em benefícios significativos tanto para os pacientes quanto para
o sistema de saúde como um todo.
Contudo,
a implementação dessa estratégia requer uma análise cuidadosa dos aspectos
jurídicos e operacionais envolvidos, a fim de assegurar que os objetivos
pretendidos sejam alcançados de maneira eficaz e dentro dos parâmetros legais
vigentes.
Entre
os principais pontos a serem considerados estão a viabilidade legal da
centralização das compras, os impactos sobre a concorrência no mercado de
medicamentos, a garantia de qualidade e segurança dos produtos adquiridos e a
compatibilidade da medida com as normas e diretrizes estabelecidas pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Além disso, é necessário avaliar
como a centralização das compras pode afetar os contratos existentes e as
relações com os fornecedores de medicamentos.
Dentro
desse contexto, é importante ressaltar que a centralização de compras pelo
Estado encontra respaldo no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que
estabelece os princípios da administração pública, incluindo a eficiência, a
legalidade, a moralidade, a publicidade e a impessoalidade. Para isso, deve ser
implementada de maneira transparente e com mecanismos adequados de controle e
fiscalização, a fim de prevenir possíveis irregularidades e garantir a lisura
do processo.
A
Lei nº 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos da
Administração Pública, é a base legal que regula a aquisição de bens e serviços
pelo poder público. A centralização das compras de medicamentos oncológicos
deve, então, observar os procedimentos licitatórios previstos na referida lei,
garantindo a competição justa entre os fornecedores e a obtenção da melhor
proposta para a Administração Pública.
Adicionalmente,
a Lei nº 12.349/2010, que alterou a Lei de Licitações, introduziu o conceito de
margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais, que
pode ser utilizado para incentivar a produção local de medicamentos. Essa
política pode ser aplicada no contexto da centralização das compras de
medicamentos oncológicos, promovendo o desenvolvimento da indústria
farmacêutica nacional e reduzindo a dependência de importações.
Como
outro item balizador, a Resolução RDC nº 16/2014 da ANVISA estabelece os
requisitos para a fabricação, comercialização, importação e exportação de
medicamentos no Brasil, garantindo a qualidade, segurança e eficácia dos
produtos. A centralização das compras deve assegurar que todos os medicamentos
adquiridos cumpram rigorosamente essas exigências, o que previne riscos à saúde
dos pacientes.
Mais
um aspecto relevante é a necessidade de assegurar que a centralização das
compras não comprometa a diversidade de opções terapêuticas disponíveis para os
pacientes. É fundamental que a medida permita a aquisição de medicamentos
inovadores e eficazes, que possam atender às necessidades específicas de cada
paciente e contribuir para a melhoria dos resultados clínicos no tratamento do
câncer.
O
sucesso da centralização das compras depende ainda de uma articulação eficaz
entre os diversos atores envolvidos, incluindo o Ministério da Saúde, a ANVISA,
os gestores estaduais e municipais de saúde, os fornecedores de medicamentos e
as associações de pacientes. A colaboração entre esses atores é essencial para
garantir que a medida seja implementada de forma coordenada e que os benefícios
esperados sejam efetivamente alcançados.
A
proposta de centralização de compras também precisa ser acompanhada de
políticas complementares que incentivem a pesquisa e o desenvolvimento de novos
medicamentos oncológicos no Brasil, bem como a produção local de medicamentos
genéricos e biossimilares. Essas políticas podem contribuir para reduzir a dependência
do país em relação às importações e promover a sustentabilidade do SUS a longo
prazo.
Ademais,
é importante considerar as implicações econômicas e sociais da centralização
das compras de medicamentos oncológicos. A medida deve ser avaliada em termos
de seu potencial para gerar economia de recursos, melhorar o acesso aos
tratamentos, reduzir as desigualdades no atendimento oncológico e fortalecer a
capacidade do SUS de responder às necessidades de saúde da população.
Desse
modo, a viabilidade legal da centralização das compras de medicamentos
oncológicos deve ser analisada à luz da Lei Complementar nº 141/2012, que
regulamenta a Emenda Constitucional nº 29/2000 e estabelece critérios de rateio
dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização,
avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo. A
centralização deve observar os limites e as condições estabelecidas por essa
legislação, o que garante a correta aplicação dos recursos públicos.
Para
além das questões legais e administrativas, é essencial considerar os impactos
sobre a concorrência no mercado de medicamentos. A centralização das compras
pode alterar a dinâmica competitiva do setor, influenciando os preços e a
disponibilidade de medicamentos. A Lei nº 12.529/2011, que estrutura o Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência, deve ser observada para evitar práticas
anticompetitivas e garantir que a medida não resulte em monopólios ou
oligopólios que possam prejudicar os pacientes e o SUS.
A
centralização das compras de medicamentos oncológicos também deve ser
compatível com as diretrizes estabelecidas pelo Plano Nacional de Assistência
Farmacêutica, que visa assegurar o acesso da população aos medicamentos
essenciais e promover o uso racional desses produtos. A medida deve ser
integrada às políticas de assistência farmacêutica, garantindo a continuidade e
a qualidade do atendimento aos pacientes.
Aqui,
também merece destaque a essencial vigilância acerca da Lei de Responsabilidade
Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000). Ela estabelece normas de finanças
públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, que devem ser
observadas para garantir a viabilidade econômica da centralização das compras.
A
implementação da centralização das compras de medicamentos oncológicos deve ser
igualmente acompanhada de um robusto sistema de governança, que inclua
mecanismos de transparência e responsabilidade. A Lei de Acesso à Informação
(Lei nº 12.527/2011) garante o direito de acesso às informações públicas, e sua
aplicação é essencial para que todos os atos relacionados à centralização das
compras sejam de conhecimento público. Ele permite o controle social e a
fiscalização por parte dos órgãos competentes.
A
centralização das compras também deve observar o princípio da economicidade,
previsto no artigo 70 da Constituição Federal, que impõe a eficiente gestão dos
recursos públicos. A eficiência é um dos princípios da administração pública e
deve ser buscada em todas as etapas do processo de aquisição de medicamentos. A
adoção de uma estratégia de centralização deve resultar em economias de escala
que permitam a obtenção de medicamentos a preços mais baixos, sem comprometer a
qualidade dos produtos adquiridos.
Dados
os detalhes e bastidores que envolvem essa iniciativa pensada pelo Ministério
da Saúde, de fato ela apresenta um potencial significativo para melhorar o
acesso aos tratamentos, otimizar o uso dos recursos públicos e promover a
sustentabilidade do SUS. No entanto, a implementação dessa medida requer uma análise
cuidadosa das questões jurídicas, administrativas, econômicas e sociais
envolvidas, bem como uma articulação eficaz entre os diversos atores do setor
de saúde.
A
experiência do Programa de HIV-Aids oferece importantes lições, mas é
fundamental adaptar essas lições às especificidades do tratamento do câncer e
do mercado de medicamentos oncológicos. Esse mercado é caracterizado por um
rápido avanço tecnológico e pela constante introdução de novos tratamentos.
Portanto, a centralização das compras deve ser flexível o suficiente para
incorporar medicamentos inovadores que possam oferecer melhores resultados
clínicos aos pacientes.
Todo
o processo deve ser conduzido de maneira transparente, eficiente e sustentável,
garantindo que os pacientes oncológicos tenham acesso aos medicamentos
necessários para o tratamento do câncer e que os recursos públicos sejam
utilizados de forma responsável e eficaz.
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