Após 48 horas de exposição aos
pesticidas imidacloprido, piraclostrobina e glifosato, insetos da espécie Melipona
scutellaris apresentaram alterações morfológicas e comportamentais que
podem levar ao enfraquecimento das colmeias, comprometendo a polinização e a
produção de alimentosO grupo de abelhas alimentado com solução contaminada caminhou
menos, se movimentou mais lentamente e apresentou alterações
morfológicas no corpo gorduroso
(foto: Graziele Luna)
Estudo conduzido por
pesquisadores das universidades Estadual Paulista (Unesp), Federal de São
Carlos (UFSCar) e Federal de Viçosa (UFV) revelou como três pesticidas
comumente utilizados na agricultura – imidacloprido, piraclostrobina e
glifosato – afetam a espécie de abelha nativa sem ferrão Melipona
scutellaris: sozinhos ou em combinação, os compostos modificam a atividade
locomotora dos animais e reduzem suas defesas. Os resultados do trabalho
foram publicados recentemente
na revista científica Environmental Pollution.
O uso indiscriminado de
agrotóxicos e suas consequências para a sobrevivência das abelhas são um tema
cada vez mais debatido e estudado em todo o mundo. No entanto, a maioria dos
trabalhos científicos relacionados envolve espécies europeias e
norte-americanas. Aqui no Brasil, o foco tem sido espécies nativas sem ferrão,
como a Melipona scutellaris, que desempenham papel vital na
polinização de diversas plantas silvestres e culturas com relevância econômica.
Neste trabalho, conduzido no
âmbito do Programa BIOTA-FAPESP e apoiado por
meio de dois projetos (17/21097-3 e 21/09996-8), um
grupo de pesquisadores avaliou os efeitos subletais – ou seja, que não causam a
morte – dos pesticidas imidacloprido, piraclostrobina e glifosato no
comportamento, na morfologia e na fisiologia da espécie. Para isso, em
laboratório, expuseram oralmente os animais às substâncias de forma isolada e
em combinação por 48 horas e, em seguida, compararam os resultados aos de um
grupo-controle.
O perigo desses agrotóxicos
para as abelhas ficou claro: o grupo alimentado com solução contaminada
caminhou menos, se movimentou mais lentamente e apresentou alterações
morfológicas no corpo gorduroso, órgão relacionado ao sistema imunológico
desses insetos.
“Observamos que, tanto em
combinação quanto isolados, os agrotóxicos interferiram seriamente no
comportamento das abelhas, causaram danos no corpo gorduroso e comprometeram as
atividades tanto de proteínas importantes para o sistema imune quanto para a sobrevivência
celular”, conta Cliver Fernandes Farder-Gomes,
pesquisador do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFSCar e primeiro autor do
estudo.
Segundo Farder-Gomes, tais
resultados indicam que, mesmo que essas abelhas sobrevivam à exposição, elas
passarão a ter sistemas imunes deprimidos, que não funcionam adequadamente no
combate a bactérias, o que pode aumentar a propensão a infecções.
“A mortalidade das abelhas
sempre causa um choque, mas é importante lembrar que, muitas vezes, sobreviver
aos agrotóxicos pode ser ainda mais problemático porque enfraquece e diminui as
colmeias, impactando não só a produção de mel como a de frutas e legumes, por
conta do déficit de polinização”, destaca Roberta Cornélio Ferreira Nocelli,
professora do CCA-UFSCar, coordenadora do grupo de trabalho para o
desenvolvimento de métodos para testes de toxicidade em abelhas nativas
brasileiras junto à Comissão Internacional para as Relações Planta-Polinizador
(ICPPR, na sigla em inglês) e coautora do trabalho.
Políticas
públicas
Para complementar esses
resultados e estabelecer um panorama completo dos malefícios dos três
pesticidas, os pesquisadores pretendem agora analisar sua influência na
expressão de outras proteínas e também testar a ação das substâncias em
espécies distintas de abelhas nativas.
De acordo com Osmar Malaspina,
professor do Instituto de Biociências (IB) da Unesp de Rio Claro, a ideia é
que, por revelar impactos com consequências de longo prazo tanto na
biodiversidade quanto na segurança alimentar, o estudo realizado por
Farder-Gomes dê suporte aos órgãos públicos para o estabelecimento de políticas
mais restritivas, como tem acontecido nas últimas décadas com outras pesquisas
do Grupo de Pesquisa em Ecotoxicologia e Conservação de Abelhas (Leca) e o
Grupo de Pesquisa Abelhas e os Serviços Ambientais (ASAs), liderados por ele e
por Nocelli.
“Nossos mais de 80 artigos e
livros, entre outros trabalhos, têm sido utilizados ao longo dos anos,
principalmente pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis], para restringir o uso de agrotóxicos – foi o caso, por
exemplo, do inseticida fipronil, que tem sido o maior responsável pela
mortalidade de abelhas”, diz Malaspina.
Nocelli faz questão de destacar
que não se trata de comprometer a agricultura brasileira – pelo contrário, a
função dos estudos científicos é melhorá-la. “Nosso objetivo é sempre pensar em
uma produção agrícola mais sustentável, harmonizando agricultura e conservação,
pois só assim teremos segurança alimentar no futuro”, finaliza.
O artigo Exposure of the stingless bee Melipona scutellaris to imidacloprid, pyraclostrobin, and glyphosate, alone and in combination, impair its walking activity and fat body morphology and physiology pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0269749124004974?dgcid=rss_sd_all.
Julia Moióli
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/queda-na-locomocao-e-falhas-no-sistema-imune-estudo-mostra-como-agrotoxicos-afetam-abelhas-nativas/51678
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