Cerca de 20% dos jovens que participaram da pesquisa se queixaram de dor no pescoço Freepik |
Panorama da dor musculoesquelética foi revelado por pesquisa que envolveu 2.688 estudantes do Ceará e de São Paulo. Resultados apontam as costas e as pernas como as principais partes do corpo afetadas
Cerca de 27% das crianças e
adolescentes brasileiros sofrem com dores sem causa específica em ossos,
ligamentos e músculos – a chamada dor musculoesquelética –, de acordo com
estudo publicado recentemente no Brazilian Journal of Physical Therapy.
Além de contribuir para desmistificar o problema, que, segundo os autores, é
frequentemente subestimado por pais e profissionais da saúde, conhecer sua
extensão permite planejar melhor os gastos com dor crônica em adultos,
considerada a principal causa de
incapacidade em todo o mundo.
No Brasil, o Ministério da
Saúde estima que mais de 35% dos brasileiros com mais de 50 anos sofram de dor
crônica. No ano passado, inclusive, foi sancionada a lei 14.705/23, que determina as diretrizes para o atendimento desses pacientes pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). Embora grande parte dos fatores de risco para a
condição sejam pouco conhecidos, um dos mais bem estabelecidos é o histórico de
dor prévia – com relatos na literatura científica sobre seu aparecimento na
adolescência.
“Ainda assim, ao redor do
mundo, há poucos estudos sobre a prevalência de dor musculoesquelética entre
jovens, com dados incertos, variando de 4% a 40%, porque não utilizam conceitos
padronizados”, afirma Tiê Parma Yamato,
pesquisadora associada da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) e da
Universidade de Sydney (Austrália) que coordenou a investigação.
“No Brasil, esse número parece
variar de 20% a 45% de acordo com estudos prévios, porém, a grande maioria dos
trabalhos investigou condições musculoesqueléticas específicas, não
considerou o impacto da dor nas atividades de vida diária das crianças e
adolescentes e foi realizada em cidades de pequeno porte.”
Na pesquisa coordenada por
Yamato, que recebeu financiamento da FAPESP por meio de três projetos (17/17484-1, 19/10330-4 e 19/12049-0), 2.688 crianças e adolescentes com idade média de 12 anos, provenientes
de 28 escolas públicas e privadas dos Estados do Ceará (cidade de Fortaleza) e
de São Paulo (cidades de Itu, Salto, São Sebastião e São Paulo), responderam a
um questionário com perguntas sobre a ocorrência de dor no corpo capaz de
causar impacto em sua vida cotidiana, como faltar na escola e/ou impedir a
realização de atividades do dia a dia e/ou esportivas.
Entre esses jovens, 728 (27,1%)
relataram ter sentido dor musculoesquelética incapacitante nos 30 dias
anteriores. As costas foram a parte do corpo mais citada, por 51,8% dos
entrevistados, seguida pelas pernas (41,9%) e pelo pescoço (20,7%).
“Ao mesmo tempo que trazem um
alerta para essa condição de saúde nas crianças e adolescentes, que no momento
não conta com um protocolo de tratamento específico no sistema de saúde, esses
números já nos estimulam a olhar para o futuro: precisaremos cuidar da
população jovem também se quisermos diminuir a dor crônica nos adultos."
O trabalho trouxe ainda outros
dados importantes sobre as características das crianças que mais sentiam dor:
eram mais velhas (final da adolescência), mantinham pior relacionamento com a
família, apresentavam mais sintomas negativos psicossomáticos, tinham menos
qualidade de vida (também avaliada por questionários) e pareciam gastar mais
tempo assistindo televisão e jogando videogame. “Mas vale lembrar que não
observamos relação de causa nesse estudo”, diz Yamato.
O mito da
dor do crescimento
Além da participação das
crianças no estudo, seus pais também preencheram um formulário sobre a condição
de saúde dos filhos e sua percepção sobre esse tipo de dor.
“A literatura mostra que os
pais tendem a subestimar as queixas das crianças possivelmente por não
possuírem um entendimento claro do que é dor na infância e nós confirmamos que
isso ocorre em 17% dos casos”, relata Yamato.
Um dos fatores que podem explicar
essa atitude e também camuflar, de certa forma, a dor musculoesquelética é a
crença na popular “dor do crescimento”, que se refere a um possível
incômodo das crianças nos membros, especialmente inferiores. “Crescemos com
esse conceito, mas, hoje, na literatura científica, não há nenhum estudo que
consiga provar que o crescimento cause de fato dor.”
De acordo com a pesquisadora,
se o seu filho relatar dor, é importante ter a consciência de que ela pode
trazer impactos, mas que também há formas de abordá-la – a maior parte das
medidas é baseada em atividade física. “Não há motivo para preocupação
excessiva, mas é importante conhecer a condição, validar o sintoma e
possivelmente buscar ajuda para aqueles que têm suas vidas impactadas pela
condição. Lembrando sempre que se trata de um problema comum.”
Um estudo seguinte conduzido
pelo mesmo grupo, cujos resultados devem ser divulgados em breve, acompanhou
essas crianças por um ano e meio para entender a duração da dor e também seu
impacto financeiro no sistema de saúde.
O artigo Prevalence of
disabling musculoskeletal pain in children and adolescents in Brazil: A
cross-sectional study pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1413355524000042.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/quase-30-das-criancas-e-adolescentes-sentem-dores-em-musculos-ossos-ou-ligamentos-aponta-estudo/51220
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