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Para falar das mulheres indígenas, começo pelos homens europeus. Eles, mesmo que tivessem família, costumavam vir sozinhos ao Brasil. Ficavam aqui o tempo suficiente para conseguir riqueza, por exemplo, na forma de um carregamento de pau-brasil. Mas havia os que se adaptavam e se radicavam. Com superioridade de armas e uma boa ajuda das doenças que vinham nas naus, aos poucos venceram as batalhas contra os guerreiros nativos e estabeleceram a nova colônia portuguesa.
Neste contexto, homens nativos, vencidos, quase
sempre acabaram mortos ou escravizados, de modo que a nossa tradição patriarcal
e todo o ordenamento jurídico e político são, basicamente, europeus, trazidos
pelos homens.
E as mulheres daqueles tempos?
Ora, com tantas guerras e matanças, para aqueles europeus
que chegavam sozinhos não havia falta de viúvas e órfãs nativas. Fosse por
arranjos, de início violentos, ou com afeto, homens brancos se juntaram a
mulheres indígenas.
É aí que a história melhora.
As mulheres nativas exerceram poder sobre as coisas
da casa. Por isso, legaram traços culturais preciosos e de que tanto nos
orgulhamos. Na culinária, ingredientes como mandioca, feijão, banana, açaí,
castanhas, carnes de caça e de pesca, que basicamente definem a nossa culinária
de norte a sul. Não tem um brasileiro que não se orgulha da culinária da
própria cidade ou estado. Eu, quando estou longe de casa e quero agradar, vou
logo elogiando a comida. Sempre funciona. Também os banhos frequentes. A rede
na varanda. A própria relação com o terreiro, o quintal, uma hortinha de que a
mulher cuida, bem diferente dos pátios internos à moda moura de Portugal.
Durante muito tempo, a língua mais comum, usada
como língua franca no Brasil, não era o português, mas o tupi, ensinado pelas
mulheres aos filhos. São vários os casos dos bandeirantes, que eram homens
miscigenados e andavam descalços pelas trilhas, usando intérpretes para
conversar com autoridades portuguesas, mesmo após séculos de colonização. Hoje,
estima-se cerca de 10 mil palavras de origem tupi na nossa língua, o que dá uns
3% do total.
Mais que a quantidade, a importância dessas
palavras é monumental. Lugares às vezes arrasados, mas cujos nomes permanecem,
seja como bairro ou cidade que surgiu sobre as cinzas de uma aldeia, ou pontos
de orientação. Irajá, Icaraí, Catete, Baía de Guanabara, Itaoca, Niterói,
Ubatuba, Mambucaba, Taquari, Taguaraçutiba, Pico do Itacolomi, Itambé,
Pindamonhangaba, Atibaia, Araxá, Guarapari, Guarulhos, Campos dos Goytacazes,
entre muitos e muitos outros.
Isso tudo é herança das mulheres indígenas,
cruciais para alguns dos aspectos da nossa cultura de que mais nos orgulhamos,
tão arraigados que parecem naturais como tomar banho, até que encontramos
pessoas com um costume diferente.
Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, um
viva às mulheres brasileiras.
Um viva às mulheres indígenas, nem sempre
lembradas.
Víktor
Waewell - escritor, autor do livro “Guerra dos Mil Povos”,
uma história de amor e guerra durante a maior revolta indígena do Brasil.
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