Ao longo da história um dos grandes desafios da humanidade é o descarte dos resíduos gerados pelas pessoas em suas atividades diárias. O aumento das concentrações dos gases do efeito estufa (GEE) emitidos para a atmosfera devido ao uso dos recursos naturais pela atividade humana é a principal causa do aquecimento global e consequente mudanças climáticas. Dentre outras questões, os resíduos sólidos são contribuintes para este aumento de emissão de gases, e por isso devem ser considerados na busca por soluções para minimizar seu impacto. Com a evolução da tecnologia e a implementação do conceito de smart city sendo adotado pelas grandes metrópoles ao redor do mundo gradualmente, superar essa questão se torna uma realidade mais próxima do que no passado.
Muitas das grandes cidades de hoje comportam uma quantidade de habitantes maior do que foram projetadas. O aumento da densidade populacional intensifica a dificuldade para o descarte de resíduos. Falta infraestrutura de coleta, espaços para processamento dos resíduos, aterros sanitários e estações de reciclagem que deem conta do volume. Além disso, o próprio processo de coleta é realizado de maneira ineficiente por falta de planejamento e equipamentos inadequados – especialmente nas metrópoles e megalópoles de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Vale destacar que esse processo de gerenciamento custa dinheiro. Sem recursos adequados, temos um cenário caótico que traz sérios prejuízos para o meio ambiente.Focando nas soluções, as cidades precisam adotar abordagens abrangentes que envolvam educação e conscientização da população, o investimento em infraestrutura adequada, a implementação de tecnologias inteligentes de gerenciamento de resíduos e a colaboração entre governos, academia, setor privado e comunidade em geral.
Trazer tecnologia para o gerenciamento de resíduos é uma das principais ações que caracteriza uma smart city. E há inúmeras startups e empresas que já criaram tecnologias que facilitam essa missão. A Rubicon Global, por exemplo, é uma startup que desenvolveu uma plataforma digital para conectar empresas e prestadores de serviços de coleta de lixo e reciclagem. Sua plataforma utiliza dados e análises para otimizar as rotas de coleta, reduzindo custos e melhorando a eficiência do gerenciamento de resíduos.
Já a Bigbelly é uma fabricante de contentores de lixo inteligentes, equipados com sensores que monitoram o nível de enchimento do lixo. Essas informações são enviadas para os operadores de coleta, permitindo uma gestão mais eficiente, evitando viagens desnecessárias e reduzindo os custos operacionais. Já a AMP Robotics utiliza inteligência artificial e robótica para automatizar a separação de resíduos em instalações de reciclagem. Seus sistemas são capazes de identificar e classificar diferentes tipos de materiais, aumentando a eficiência e a precisão da reciclagem.
Essas tecnologias já estão sendo usadas no dia a dia de algumas cidades no mundo. Cingapura é um exemplo. Lá foi adotada uma abordagem abrangente da gestão de resíduos, que inclui a coleta e separação de resíduos, a incineração de resíduos não recicláveis e a reciclagem de materiais. A cidade também utiliza tecnologias como contentores de lixo inteligentes e sistemas de rastreamento de resíduos para monitorar o fluxo em tempo real.
Amsterdã é um exemplo de cidade que, além da tecnologia, possui uma forte cultura de reciclagem disseminada entre a população. A capital da Holanda tem um programa de reciclagem completo que separa e recicla uma ampla variedade de materiais. Outra cidade com alto índice de uso de tecnologia para o gerenciamento de resíduos é Tóquio, onde mais de 90% do lixo é reciclado ou compostado. Outras cidades que adotam tecnologia combinada com uma forte cultura de reciclagem são Barcelona e São Francisco. No Brasil, Curitiba, Florianópolis, Belo Horizonte e Santos são exemplos de cidades que já adotam contêineres inteligentes na gestão dos resíduos urbanos. Aqui ainda temos um cenário muito incipiente, mas que deve ser estimulado nas diferentes regiões.
Ademais, vale salientar, ainda, as várias tecnologias de tratamento térmico. Todavia, quatro são internacionalmente conhecidas e com referências significativas no mundo: a captura do metano em aterros, que produz um biogás que pode ser transportado ou queimado no local, gerando energia elétrica; a gaseificação de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU); a pirólise; e a incineração – “mass burning” de resíduos. Em outras palavras, o lixo pode ser reaproveitado para se converter em energia e os aterros podem passar a ser geradores de energia, isto é, nesse cenário, é possível falar em crédito de carbono – é a representação de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que deixou de ser emitida para a atmosfera, contribuindo para a diminuição do efeito estufa; uma das maneiras de gerar créditos de carbono é o reaproveitamento/reciclagem energética, que pode ser feito a partir de processos que utilizam matéria orgânica e resíduos sólidos urbanos. É o caso da gaseificação dos RSUs, onde o gás produzido durante o processo de transformação do resíduo é utilizado para geração de energia.
No que tange às diversas tecnologias comumente utilizadas na Europa para tratamento adequado de resíduos sólidos, há que citar a utilizada por biodigestores, que são totalmente automatizados e produzem biogás, injetado na rede de distribuição de gás local, dado seu elevado conteúdo de metano.
De forma a dar uma ideia do potencial de utilização deste processo, uma moderna planta de produção de biometano consegue instalar alta potência de geração de energia, que processa grande quantidade de resíduos orgânicos. Esse é um exemplo de aplicação urbana do processo, que também pode ser utilizado em zonas rurais, produzindo combustível não apenas para a produção de biogás, que pode ser transformado em biometano e/ou energia elétrica, mas também para veículos e máquinas.
Portanto, vale ressaltar que existem diversas soluções tecnológicas que podem e devem ser adequados/utilizados a cada realidade com o objetivo em comum: o desenvolvimento econômico sustentável. Essas tecnologias utilizadas em diversas cidades européias e cidades pelo mundo podem servir de inspirações e experiências, ou seja, “cases” que podem ser aplicadas no Brasil. Em comum, além do uso de inovações, elas possuem um forte compromisso com uma cultura de respeito ao meio ambiente e de redução do impacto ambiental da ação humana pela adoção de abordagens inovadoras na solução de problemas. Essa é uma mudança de mindset que precisa ocorrer em diferentes frentes e que beneficia todos – os habitantes das grandes cidades, os espaços urbanos e a natureza. É nisso que acreditamos e queremos que seja o futuro das cidades brasileiras.
Thomas Law - Professor, é pós doutorando da USP, doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, membro do ICCA, UIA, IASP e a APECC, é advogado e Presidente do IBRACHINA- Instituto Sócio Cultural Brasil e China e do hub de inovação IBRAWORK – open innovation em SP. Presidente da Coordenação Nacional Brasil e China da OAB Federal e Vice-Presidente do CEDES – Centro de Estudos de Direito Econômico e Social. Autor do livro, “Lei Geral de Proteção de Dados – uma Análise Comparada ao Novo Modelo Chinês”, publicado pela Editora D´Plácido.
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