Como se não bastassem a poluição, a pesca incidental e a caça, as tartarugas marinhas sofrem com um tipo de câncer que limita sua sobrevivência. Nas últimas décadas, algumas das ameaças causadas pelo homem têm sido amenizadas com ações de conservação. Agora, um novo horizonte se abre para compreender, e quem sabe encontrar tratamentos para a doença.
Isso porque um consórcio internacional de cientistas realizou o
sequenciamento mais completo até hoje do genoma de duas das sete espécies que
vivem no mar, a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea)
e a tartaruga-verde (Chelonia mydas), aumentando a
compreensão do sistema imune e da evolução desses animais.
Os resultados das primeiras análises foram publicados na
revista PNAS por um grupo que conta com pesquisadoras
brasileiras apoiadas pela FAPESP.
“As tartarugas são vulneráveis a esse tumor, chamado de
fibropapilomatose, causado pela infecção de um vírus do herpes específico
desses animais. Embora a maioria dos estudos aponte casos em
tartarugas-verdes, ele foi encontrado em outras espécies”, explica Elisa Ramos, doutoranda no Instituto de Biologia
da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e uma das autoras do estudo.
"A [tartaruga] verde, no entanto, parece ter mais genes associados
ao sistema imune em alguns cromossomos específicos, que podem dar pistas de
como ela luta contra o vírus”, completa Ramos, que realizou parte das análises
durante estágio no Leibniz Institute for Zoo and Wildlife Research, na
Alemanha, com bolsa da FAPESP.
Como um
estudo mais detalhado sobre essa região do genoma está sendo desenvolvido, em
breve os pesquisadores esperam ter a confirmação do que exatamente está
acontecendo com esses genes na tartaruga-verde.
O trabalho
integra as pesquisas do Vertebrate Genomes Project, que tem como objetivo
sequenciar os genomas de todos os animais vertebrados da Terra. Atualmente, as
outras cinco espécies de tartaruga marinha estão tendo o código genético
mapeado. Com os novos dados, será possível avançar ainda mais na compreensão da
defesa contra doenças e de outras características evolutivas desses répteis.
“Nossas
análises identificaram diferenças no número de genes relacionados à imunidade
entre as duas espécies e também nos permitiram identificar a localização do
chamado Complexo Principal de Histocompatibilidade [MHC, na sigla em inglês],
que contém genes imperativos para a resposta a patógenos”, afirma Blair
Bentley, que realiza estágio de pós-doutorado na Universidade de Massachusetts,
nos Estados Unidos, e é o primeiro autor do trabalho.
Segundo o
pesquisador, os genomas trazem informações que podem ser usadas para investigar
essa e outras doenças, além de fornecer direções para futuros tratamentos e
ações de conservação.
Os
arrependidos
“As tartarugas têm uma lenta taxa de evolução e estão vulneráveis à
extinção. Por isso, é importante entender quais genes permitiram que elas
tivessem sucesso no ambiente marinho. Isso se reflete tanto em mutações como em
número de cópias de genes”, conta Mariana Freitas Nery, professora do
IB-Unicamp e coautora do estudo.
Nery coordena um projeto apoiado pela FAPESP
que investiga o genoma de espécies cujos ancestrais, depois de abandonarem o
ambiente aquático e se adaptarem ao terrestre, voltaram a viver na água. “Nós
brincamos que eles são os arrependidos”, diz (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/alteracao-em-quatro-genes-pode-explicar-o-gigantismo-das-baleias/ e agencia.fapesp.br/36135/).
As
tartarugas divergiram de ancestrais terrestres que voltaram para o mar cerca de
100 milhões de anos atrás. A separação entre a tartaruga-de-couro e a verde,
por sua vez, ocorreu há cerca de 60 milhões de anos. Mesmo assim, a lenta
evolução do grupo fez com que a maior parte do genoma das duas ainda seja
compartilhado.
Entre as
diferenças encontradas estão os genes relacionados aos sensores olfatórios.
Ainda que vivam no mar, as tartarugas respiram ar e têm um ancestral terrestre.
Por isso, possuem tanto sensores que detectam moléculas no ar quanto outros que
percebem as que estão dissolvidas na água, algo essencial para migração e
reprodução, além de identificação de presas, indivíduos da mesma espécie e
predadores.
“Como a
tartaruga-verde está mais próxima da costa, ela tem maior contato com poluição
e outras condições adversas que a de couro, que vive a maior parte da vida em
águas profundas. Além disso, enquanto a primeira tem uma dieta variada, a
segunda realiza grandes migrações para se alimentar de águas-vivas”, esclarece
Ramos.
Os pesquisadores
temem que a lenta evolução das tartarugas as torne inaptas a mudanças rápidas
no ambiente, como as causadas pela mudança climática.
“Na
tartaruga-de-couro, por exemplo, mostramos uma baixa diversidade nas regiões
funcionais do genoma, o que sugere que as populações podem não ter a capacidade
de se adaptar ao rápido aumento da temperatura provocado pela ação humana”,
conclui Bentley.
O artigo Divergent sensory and immune gene evolution in sea turtles with contrasting demographic and life histories pode ser lido em: www.pnas.org/doi/abs/10.1073/pnas.2201076120.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/sequenciamento-genetico-de-tartarugas-marinhas-pode-ajudar-a-compreender-doenca-que-ameaca-especies/41279/
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