Os tubarões-tigre (Galeocerdo cuvier) que usam mais as áreas de mergulho normalmente são maiores, com níveis mais altos de ácidos graxos ômega-3 e de hormônios em comparação com tubarões-tigres de outras áreas (foto: Neil Hammerschlag)
Tiger Beach, ou praia dos tigres, nas Bahamas, é
conhecida pela beleza paradisíaca e por habitantes que poderiam espantar
qualquer um de suas águas, mas acabam sendo as maiores atrações do turismo de
mergulho praticado ali: os tubarões-tigre (Galeocerdo cuvier).
As águas
cristalinas e rasas, com 5 metros de profundidade em média, favorecem a
visualização dos animais. Mas o fornecimento de alimentos pelas operadoras de
turismo locais, como carcaças de peixe, é o que garante a presença dos
predadores, que podem ultrapassar 3 metros de comprimento.
Um grupo
de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, que inclui pesquisadores apoiados
pela FAPESP, descobriu que as fêmeas de tubarão-tigre que visitam essas áreas
com frequência são maiores e têm níveis hormonais mais altos do que de outros
indivíduos da mesma espécie que passam menos tempo nesses locais.
O estudo foi publicado na
revista Animal Behaviour e ajuda a compreender os
possíveis impactos dessa prática para os tubarões, além de ser o primeiro a
descrever a influência da condição fisiológica no comportamento e na tomada de
decisão em tubarões.
“Essas áreas são dominadas por fêmeas de grande porte. Algumas,
inclusive, grávidas. De modo geral, os níveis de hormônios eram mais altos
naquelas que estavam em locais onde ocorre o fornecimento de alimento do que
nas ‘tigresas’ que não interagem tanto com mergulhadores. Além disso, as
primeiras possuem uma condição nutricional melhor, com mais ômega-3 no sangue”,
conta Bianca Rangel,
que realizou o trabalho como parte de seu doutorado no Instituto de Biociências
da Universidade de São Paulo (IB-USP) com bolsa da FAPESP.
Em outro trabalho, a equipe já havia demonstrado que tubarões-lixa (Ginglymostoma cirratum) que vivem em áreas urbanas
apresentam níveis mais elevados de gorduras saturadas e hormônios (leia mais em: agencia.fapesp.br/38557/).
“Não podemos dizer se o turismo está ou não prejudicando esse grupo,
pois não tínhamos como fazer as coletas de material para os testes antes e
depois da interação com os turistas, o que seria ideal. No entanto, agora temos
um corpo de evidências que vai ajudar em avaliações futuras”, complementa Renata Guimarães Moreira,
professora do IB-USP apoiada pela Fundação e
orientadora do estudo.
Tubarões
monitorados
Diferenciar os tubarões que passam mais tempo pelas áreas de turismo
daqueles que frequentam outros perímetros foi possível graças a um trabalho de monitoramento realizado desde 2011
na Flórida e nas Bahamas sob coordenação de Neil Hammerschlag, professor da Universidade
de Miami que também assina o trabalho.
Os
pesquisadores norte-americanos capturaram 33 animais ao norte do arquipélago
das Bahamas entre 2013 e 2014, fizeram a identificação do sexo (todas fêmeas),
além de medir o comprimento e verificar se estavam grávidas, usando um aparelho
de ultrassonografia. Além disso, coletaram amostras de sangue, que ficaram
congeladas até serem analisadas.
Antes de
liberar os animais, foram implantados sob a pele dos tubarões pequenos
transmissores acústicos. Graças a isso, cinco receptores afixados no leito do
mar captavam a presença dos animais a cada vez que se aproximavam. Apenas 22
tubarões foram detectados e analisados no estudo.
Com os
dados de uso do espaço, coletados durante 90 dias, foi possível estabelecer os
animais que passavam mais tempo em áreas onde não ocorre o mergulho e aqueles
que ficavam onde é ofertado alimento para que possam interagir com os turistas.
“As fêmeas
de grande porte dominam as áreas onde há o mergulho, enquanto as juvenis, de
porte menor, ficam de fora. Isso mostra uma dominância por parte dessas
predadoras, que provavelmente encontraram vantagens em estar nesses territórios
e conseguem se impor perante as menores”, explica Rangel.
Um reflexo
do uso do território na fisiologia das “tigresas” – como são carinhosamente
chamadas as fêmeas de tubarões-tigre pelos pesquisadores – está na alimentação.
Seu conteúdo pode ser medido pela concentração de ácidos graxos, as gorduras de
diferentes tipos, e nos isótopos estáveis, que indicam em que degrau da cadeia
alimentar estão os alimentos consumidos pela quantidade de nitrogênio
acumulada.
Alimentadas
com carcaças de garoupas e outros peixes gordurosos, as “tigresas” das áreas de
mergulho tiveram valores mais altos de ácidos graxos do tipo ômega-3 e de
isótopos de nitrogênio do que aquelas que passaram menos tempo nesse
território.
A
diferença entre as frequentadoras das áreas de mergulho e as outras fêmeas foi
visível ainda na concentração de hormônios, no caso, valores médios de
testosterona (três vezes maior), estradiol (quatro vezes superior) e
corticosteroides (16,4 vezes mais).
“Não
sabemos se esses hormônios estão mais elevados porque elas estão reunidas com
muitos outros tubarões e acabam aumentando os hormônios para ter um
comportamento social de dominância, talvez mais agressivo. Outra hipótese é
que, por conta do estágio de vida, estejam prontas para se reproduzir e isso
pode elevar o nível desses hormônios. Com as juvenis, que ainda não se
reproduzem, esses hormônios seriam naturalmente mais baixos”, aponta Moreira.
Ainda que
o estudo não seja conclusivo sobre as razões das alterações fisiológicas, ele
ressalta a importância de se considerar a fase de vida, os hormônios e a
condição nutricional dos tubarões para avaliar os impactos do mergulho na
alimentação.
O artigo Physiological state predicts space use of
sharks at a tourism provisioning site pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0003347222001865.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/tubaroes-tigre-que-interagem-com-turistas-sao-maiores-e-tem-niveis-mais-altos-de-hormonios-mostra-estudo/39940/

Nenhum comentário:
Postar um comentário