À esquerda, em azul, núcleo da célula de fígado de camundongo saudável; à direita, órgão de animal infectado por vírus da hepatite murina com setas apontando expressão da proteína TMEM176D, em vermelho (imagem: Maite D. Veja et. al.)
Estudo publicado na
revista Science Advances sugere que um tipo de tratamento
conhecido como inibidor de checkpoint imunológico
– já usado contra certos tipos de câncer – pode ser benéfico em alguns casos
graves de COVID-19. Os criadores desse tipo de terapia, que tem a capacidade de
reativar o sistema imune, ganharam o Prêmio Nobel de Medicina em 2018.
As conclusões do artigo se baseiam em
experimentos feitos com células de pacientes que precisaram ser internados em
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) após contrair o SARS-CoV-2, além de
camundongos infectados por outro betacoronavírus, o MHV-A59 (vírus da hepatite
murina A59).
“Um dos checkpoints imunológicos conhecidos e com o qual
trabalhamos no estudo é o PD-1. Ele indica para os linfócitos T [um tipo de
leucócito] que devem parar de responder à infecção depois de um tempo, para que
não haja uma resposta exacerbada. Num contexto de câncer, sepse ou COVID-19
grave, porém, o PD-1 faz com que os linfócitos T parem de funcionar antes mesmo
de resolvida a doença. Por isso, é preciso bloqueá-lo”, explica Pedro Moraes-Vieira,
professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas
(IB-Unicamp) apoiado pela FAPESP e um dos
coordenadores do estudo.
O trabalho tem como
um dos autores Gustavo Gastão Davanzo, doutorando
no IB-Unicamp e bolsista da FAPESP.
“Ainda que estes sejam tratamentos de
custo muito elevado, o fato de não haver mais tantos pacientes graves como no
começo da pandemia nos faz acreditar que esta seria uma das opções viáveis,
caso novos estudos mostrem que a terapia é segura em pacientes com COVID-19”,
afirma Moraes-Vieira.
Coronavírus de
camundongo
A hipótese do estudo surgiu quando
pesquisadores uruguaios – coautores do artigo – observaram que camundongos que
não expressavam a proteína TMEM176D tinham respostas mais agudas à infecção
pelo MHV-A59. Essa proteína tem como função regular o chamado inflamassoma,
complexo proteico existente dentro das células de defesa que controla a
inflamação em um organismo com o objetivo de destruir ameaças como
tumores, vírus e bactérias.
Sem a proteína
TMEM176D, o inflamassoma fica ainda mais ativado, com maior liberação de
citocinas inflamatórias, como a interleucina-1 beta (IL-1β), cujo papel é
conhecido na COVID-19 grave (leia mais em: agencia.fapesp.br/34680/).
“Essa liberação excessiva de IL-1β
leva a uma disfunção dos linfócitos T, o que chamamos de exaustão dessas
células de defesa. Elas ficam tão ativadas que não conseguem mais responder
adequadamente. É algo bem comum em doenças virais crônicas, como a COVID-19
grave, algo que já tínhamos observado em um trabalho ainda no começo da
pandemia”, conta Moraes-Vieira.
O trabalho a que o
pesquisador se refere foi publicado em 2020 na Cell
Metabolism e ainda hoje está entre os artigos mais citados da
revista nos últimos três anos, tendo motivado o contato da equipe uruguaia para
propor a parceria (leia mais em: agencia.fapesp.br/33237/).
Nos testes com camundongos, o
tratamento com inibidor de PD-1 conseguiu restaurar a função dos linfócitos T.
Além disso, os pesquisadores tiveram acesso a sangue de doadores saudáveis e de
pacientes com COVID-19 internados em duas instituições de Montevidéu, no
Uruguai.
Experimentos com
células saudáveis, posteriormente infectadas com o SARS-CoV-2, foram realizados
no Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (LEVE) sob coordenação de José Luiz Proença Módena,
professor do IB-Unicamp apoiado pela FAPESP e coautor
do artigo.
Nos testes com amostras de pacientes,
apenas as células que vieram de internados em UTI tiveram benefício com a
administração do atezolizumab, droga inibidora do PD-1 usada no estudo. Isso
ocorre justamente porque são esses pacientes que têm ativação exacerbada do
inflamassoma, o que leva a esse perfil de exaustão e disfunção da imunidade
adaptativa.
Os pesquisadores alertam que os
resultados ainda precisam ser vistos com cautela. Estudos com pacientes de
câncer que já faziam uso da terapia antes de contraírem a COVID-19 não
mostraram benefício ou mesmo resultaram em uma associação negativa.
Em um deles, a administração da
terapia antes da infecção viral não levou à melhora do quadro de COVID-19. Em
outro trabalho, que acompanhou 423 pacientes, houve mais casos de
hospitalização e severidade da doença entre aqueles que haviam recebido o
inibidor. Por outro lado, um estudo clínico com inibidores de PD-1 em pacientes
com sepse mostrou que a terapia é segura. Novos estudos, portanto, serão
necessários para conhecer melhor os efeitos do tratamento no contexto da
COVID-19.
O artigo PD-1/PD-L1 blockade abrogates a dysfunctional innate-adaptive
immune axis in critical β-coronavirus disease pode ser lido
em: www.science.org/doi/10.1126/sciadv.abn6545.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/terapia-contra-cancer-mostra-potencial-para-tratar-casos-graves-de-covid-19-em-testes-pre-clinicos/39661/
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