Chegou aquele período que acontece somente de quatro em quatro anos no qual os adultos se transformam novamente em crianças, a época da Copa do Mundo. Logo mais as ruas começam a se preencher com as cores da nossa bandeira, bandeiras penduradas em postes e nas nossas casas, descobrimos talentos e mais talentos artísticos com a reprodução em forma de desenhos dos símbolos do torneio, da seleção canarinho, a referência aos craques do passado e aqueles que esperamos serem os heróis do hexacampeonato, tão desejado há 20 anos.
Fogos de artifício e cornetas passam a fazer parte de
nosso cotidiano sonoro. Os canais de televisão, com sua ampla cobertura quase
que 24 horas ininterruptas, falando sobre cada placar dos jogos, dos erros e
acertos de arbitragem, dos gols mais bonitos e daquele frango que os coitados
dos goleiros sofrem. Os bares ainda mais alegres e divertidos, que até então
eram preenchidos com a bebida e a música, passam a ter um incremento com os
telões de transmissão das partidas e as conversas nas mesas tornam-se
exclusivas à cerca do que está ocorrendo no torneio e, acima de tudo, com a
nossa seleção.
Somando-se a tudo isso, o torneio já começou para
muitos de nós com o tão esperado álbum de figurinhas da Copa do Mundo. A febre
toma conta de todos os cantos do país. Passa a ser um ritual de preparação, de
vibração positiva para a nossa seleção, afinal, quem é que não cola os cromos
dos jogadores da seleção argentina de cabeça para baixo, “secando os hermanos”
para que não joguem bem e, de preferência, voltem cedo para casa no final da
primeira fase. A entrada e a hora do recreio das crianças ficam com aquele
alvoroço, de meninos e meninas loucos para encontrar qualquer amigo que queira
trocar e assim completar o mais rápido possível sua primeira seleção e, em
seguida, o álbum.
Mas “Houston, we have a problem!”: as figurinhas
estão com um preço bem salgado para o momento do povo brasileiro. Pagar R$ 4,00
por envelope contendo 5 cromos de papel autoadesivo, ultrapassando os mais de
R$ 500,00 necessários para completarmos o álbum, convenhamos, não é algo muito
positivo em virtude da inflação e taxas de desemprego altas. Um pai de família
de periferia certamente não investirá dinheiro nesta diversão para si e seus
filhos, porque precisará fazer a escolha no fim do mês entre a compra de
alimentos, pagar as contas de água, luz, entre tantas outras. Nisso, vimos
inúmeras histórias que viralizaram, como a do menino João Gabriel Nery dos
Santos, de 8 anos, de Goiânia (GO), que
desenhou o próprio álbum da Copa do Mundo por não poder comprar um e,
por meio de muita solidariedade, ganhou de presente o livro e as figurinhas.
Infelizmente, este é o lado ruim de uma brincadeira
tão sadia e divertida. Me somo ao coro dos pais que tem reclamado do preço das
figurinhas e álbum, como os muitos que tenho encontrado pelos cantos por onde
ando. Mas não quero ficar aqui nesta reflexão me fixando neste problema.
Entendo as leis de mercado e da relação oferta versus demanda, capacidade do
fabricante em produzir e entregar o produto e sua “liberdade” para fixar um
valor pelo qual acredita ser o justo para cobrir todas as despesas e ainda
assim obter lucro.
Mas vamos pensar aqui conjuntamente em outras
dimensões desta brincadeira, pois também tenho ouvido muitos pais reclamarem
por si só sobre esta febre. Pois bem, o que quero propor aqui é um olhar
enquanto educador e pai de dois filhos pré-adolescentes.
Colecionar o álbum de figurinhas da Copa do Mundo
pode ser uma grande oportunidade de transmitirmos valores e tenho visto que
estamos perdendo esta chance. As crianças, por viverem em um mundo acelerado
cada vez mais, onde as coisas precisam acontecer no tempo e velocidade delas,
ultrapassam alguns limites como o do consumo inconsequente, pois querem mais e
mais que compremos figurinhas para que consigam o mais rápido possível
completar o álbum, pois isso lhes confere um status de poder dentro da sala de
aula, na rodinha de amigos, por ter sido o primeiro a conseguir tal feito.
Para os adolescentes cada vez mais digitais, com os
quais a lei do mínimo esforço impera, se puderem comprar direto na editora o
álbum já completo é melhor ainda, porque dá muito trabalho ir a uma banca de
jornal. Puxa que pena, pois não sabem que o melhor da brincadeira é você rasgar
com todo o cuidado cada pacotinho, ter aquele momento curto de ansiedade por
esperar tirar algum dos grandes craques do torneio, como Neymar, Messi e
Cristiano Ronaldo, ou simplesmente a figurinha dourada, neste ano mais, porque
a editora lançou cromos especiais que chegam a ser vendidos na internet por até
R$ 9.000,00, bem, é melhor pularmos essa parte.
Estes jovens não sabem o quão divertido é ir para a
roda de amigos e estranhos na escola, numa praça pública, em um espaço ao lado
da banca de jornal ou em áreas nos shoppings centers dedicadas exclusivamente
para os encontros de trocas das figurinhas, onde os adultos se tornam crianças,
onde praticamente não existe diferença entre faixa etária ou condição social,
ao menos teoricamente, e é aqui que também chamo a atenção para um sinal em
relação a oportunidade que estamos deixando passar para educarmos melhor nossos
filhos, pois o balcão de negociação é pesado. Será que estamos ensinando-os de
verdade sobre a arte de negociar? Ou estamos ensinando-os o olho por olho,
dente por dente? Ou estamos criando cada vez mais pessoas malandras que querem
se dar bem em cima do outro? Existem negociações nessas rodas de 20 figurinhas
de jogadores “normais” por um Neymar ou uma brilhante. Será que isso é justo? É
correto?
Quantas histórias sobre a nossa infância estamos
compartilhando com os nossos filhos neste momento? Quem não se lembra de
colecionar na década de 80 as figurinhas que eram compradas e embalavam os
tabletes de gomas de mascar? Quem não pôde compartilhar alguma história de
sofrimento ou de traquinagem que fez quando criança para viabilizar a compra de
suas figurinhas? Eu quando criança adorava conhecer o mundo por meio desta
brincadeira, pois passava horas e horas olhando as bandeiras dos países,
informações sobre a cidade onde nasceu o jogador, o clube no qual jogava, como
isso me ajudou a gostar das aulas de geografia na escola, será que isso também
aconteceu contigo?
Enfim, espero ter ajudado a rever coisas alegres de
sua infância aqui nesses últimos parágrafos e que bom seria se o seu filho ou
filha pudesse compartilhar histórias assim aos filhos deles no futuro. Que tal?
Luís Fernando Guggenberger -
executivo de Marketing, Inovação e Sustentabilidade da Vedacit, responsável
pela coordenação das iniciativas de Inovação Aberta e Sustentável e pelo
Instituto Vedacit. Formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade
Guarulhos e pós-graduado em Comunicação Empresarial pela Faculdade Cásper
Líbero. Sua experiência profissional é marcada pela passagem em fundações
empresariais como Fundação Telefônica e Instituto Vivo, além de organizações
sociais na cidade de São Paulo. Participa do Conselho de Governança do GIFE –
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, e do Conselho Fiscal do ICE –
Instituto de Cidadania Empresarial. Mentor de startups de impacto
socioambiental.
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