Em artigo publicado na Nature Ecology and Evolution, grupo alerta para a necessidade de reduzir desigualdades e melhorar condições de trabalho das pessoas que coletam informações em campo (foto: Eduardo Cesar/Pesquisa FAPESP)
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Considerados fundamentais para o
monitoramento e até para a construção de políticas de preservação da
biodiversidade, os dados abertos de florestas requerem um "acordo
radicalmente novo" entre originadores, usuários e financiadores. Esse é um
dos principais pontos colocados em discussão em artigo de opinião publicado na
segunda-feira (11/04) na revista Nature Ecology and Evolution e
assinado por 25 pesquisadores de 27 instituições e universidades de vários
países, entre elas quatro brasileiras.
Liderado pelos cientistas Renato Augusto Ferreira de Lima,
do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), e Oliver L.
Phillips, da Universidade de Leeds (Reino Unido), o grupo concorda com a
necessidade de os dados serem abertos, mas coloca a desigualdade de condições
de trabalho entre geradores e usuários das informações como argumento para
avaliar de que forma e quando abri-los, defendendo um processo mais “justo e
equitativo”.
"O cientista tropical de campo
conhece bem essa realidade. Com o debate que trazemos à tona queremos atingir
instituições financiadoras, os usuários que querem acoplar dados florestais a
informações de satélites e as casas editoriais, que às vezes exigem a abertura
dos dados. É uma forma de alertar que as condições de trabalho para a geração
dessas informações não são iguais para todos”, afirma Lima à Agência FAPESP.
As
diferentes condições de trabalho, de infraestrutura, de capacitação e de
financiamento das pesquisas estão na lista das causas para o que o grupo de
cientistas chama de “abismo” entre os profissionais e instituições que medem as
florestas em campo e os que utilizam os dados coletados para fazer sínteses em
escalas regionais e globais.
“No artigo
mostramos que os geradores de dados biológicos nos trópicos – entre eles
botânicos, ecólogos, engenheiros florestais, técnicos e comunidades locais –
não dispõem de acesso aos mesmos treinamentos, infraestrutura e recursos. Isso
acaba gerando um ônus para quem tem a responsabilidade de coletar os dados e
que, muitas vezes, precisa de investimento continuado para conseguir monitorar
a biodiversidade”, diz Lima.
O acesso a
dados sem restrições e com possibilidades de compartilhamento tem sido
considerado fundamental para atender a uma crescente demanda por informações
florestais, seja para pesquisa, monitoramento e formulação de políticas
públicas.
Isso
porque as florestas tropicais – onde se insere a Amazônia, por exemplo – são
vistas como ponto central numa abordagem de sistemas integrados para enfrentar
as crises globais relacionadas às mudanças climáticas e alcançar os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pelas Nações Unidas na Agenda
2030.
Esses
sistemas são responsáveis por serviços ambientais cruciais, como a absorção de
gases de efeito estufa, o equilíbrio hídrico e a biodiversidade. No entanto,
são constantemente ameaçados por desmatamento, queimadas e outros.
Com o apoio da
FAPESP, Lima foi o primeiro autor de um estudo, publicado em 2020,
mostrando que a ação humana já causou – direta ou indiretamente – perda de
biodiversidade e de biomassa em mais de 80% dos fragmentos florestais
remanescentes da Mata Atlântica (leia mais em: agencia.fapesp.br/35170/).
Por outro lado, coletar e gerar dados
de longo prazo sobre as florestas envolve medir fisicamente árvores de várias
espécies in loco e identificá-las. Esse trabalho requer
atualizações e monitoramentos constantes para registrar as mudanças ao longo
dos anos, o que, em se tratando de florestas, pode representar décadas de
financiamento e carreiras inteiras de pesquisadores.
Sugestões
Para
garantir os benefícios dos fluxos de dados florestais de longo prazo, o grupo
apresenta no artigo oito recomendações baseadas no que chamam de “modelo
alternativo”, concentrado nas necessidades dos originadores e garantindo que
usuários e financiadores contribuam adequadamente.
“Uma
abordagem justa e sustentável começa por reconhecer o desafio humano envolvido
em medições florestais de longo prazo. Ela deve colocar as pessoas, e não os
dados, em primeiro lugar. Isso significa assumir os verdadeiros custos
financeiros, profissionais e pessoais dessas medições”, escreve o grupo de
cientistas com grande experiência em ecologia de florestas tropicais, que
representam, além do Brasil, Peru, Colômbia, Argentina, Camarões, Congo,
Vietnã, Estados Unidos e países europeus.
Nas
recomendações, os pesquisadores sugerem financiamento dos custos diretos e
indiretos em: 1) trabalho de campo e laboratórios, incluindo apoio aos
herbários; 2) treinamento e condições seguras de trabalho para os profissionais
que produzem os dados florestais; e 3) despesas gerais das instituições
responsáveis pela entrega das informações.
Além
disso, destacam ser essencial o investimento no gerenciamento dos dados por
meio de bancos, como o que já existe hoje para os registros e sequências de DNA
das espécies, mas avaliam que é preciso cobrir os custos de curadoria e
padronizar a infraestrutura deles.
Ao tratar
dos periódicos, o grupo sugere que eles apoiem os pesquisadores de campo
adotando definições holísticas de autoria para incluir todos os envolvidos na
coleta e garantir que os resultados sejam divulgados na língua dos criadores.
“Isso significa reconhecer os verdadeiros custos para capacitar instituições
tropicais. Por último, mas não menos importante, é essencial desenvolver
colaborações de longo prazo e equitativas, que devem ser o objetivo declarado
de financiadores, produtores e usuários igualmente”, concluem.
Em dezembro de 2020, em artigo publicado
na Scientific Data, os pesquisadores Jingjing Liang, da
Universidade de Purdue (Estados Unidos), e Javier Gamarra, da equipe do National
Forest Monitoring (NFM), defendiam que, apesar dos avanços, a quantidade de
dados florestais compartilhados in situ não
atendia à urgência das crises globais, como políticas de combate a pandemias e
de ações de mitigação das mudanças climáticas.
No Brasil,
o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) publicou
no mesmo ano uma pesquisa para compreender as características e o modo como 11
iniciativas de diversos setores florestais utilizavam os dados abertos em ações
voltadas à prevenção, ao monitoramento e ao controle do desmatamento.
De acordo com o depoimento de
representantes das iniciativas analisadas, os principais problemas das bases
usadas eram dados de baixa qualidade, incompletos, desatualizados, além da
falta de integração ou centralização das bases.
Para Lima, Phillips e demais autores,
os benefícios do compartilhamento de dados florestais fluirão melhor com a
valorização do trabalho da coleta in loco e das
carreiras dos profissionais envolvidos, garantindo apoio e financiamento a toda
a cadeia de coleta, produção e análise dessas informações.
O artigo Making forest data fair and open pode ser lido em: https://doi.org/10.1038/s41559-022-01738-7.
Luciana Constantino
Agência FAPESPhttps://agencia.fapesp.br/cientistas-de-27-instituicoes-defendem-novo-modelo-para-compartilhamento-de-dados-de-florestas/38388/
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