De repente, toca seu telefone celular, do outro lado, um amigo que você não via há tempos dizendo: estou te ligando p dizer que o Claudinho morreu, nosso amigo de infância, você lamenta demais, pergunta se a família precisa de algo, e em seguida desliga e comenta com seus familiares mais próximos. E todos procuram rezar por eles. Uma hora depois, você entra nas redes sociais e vê que uma cantora, de quem você sempre foi fã e profundo admirador, acabou de falecer.
Novamente,
você divide o assunto com aquele pequeno núcleo familiar com os quais você
ainda consegue estar realmente próximo. Três horas depois, um grupo de colegas
de profissão via WhatsApp acaba noticiando o estado gravíssimo de mais uma
pessoa querida por você. Na mesma noite, já perto da hora de dormir, mais uma
vez seu telefone toca dando notícia de que um parente amado acaba de te deixar.
Então, você chama seu núcleo familiar e todos sentem demais pelo passamento com
lágrimas que não são poupadas.
Você,
então, já cansado daquele dia e daquela parte da noite, decide ir para a
televisão buscando alguma distração para si. Houve apenas três notícias, uma
primeira dizendo que estamos muito longe de receber vacinas para imunização; a
segunda, dando conta das aglomerações existentes, uma por aqueles que
efetivamente precisam trabalhar, e dependem dos transportes públicos, que
precisam abrir seus pequenos negócios, e outra por aqueles que insistem em
dançar ao som dos aparelhos da UTI e do barulho do zíper do saco preto que
revela a morte do que eles chamam de “outros”, ignorando o sacrifício de todos
os profissionais da saúde. Como terceira notícia, consequência das duas
primeiras, de sua cama, você observa o seu televisor anunciar o número de morte
daqueles que aqueles chamam de “outros” que beira 4000 (quatro mil) humanos por
dia.
Esse
contexto, repetido em maior ou menor grau diariamente durante mais de 365 dias,
independente da sua situação financeira, independente de quem você é,
independente da marca de roupa que você pode usar, independente do vinho que
você pode tomar, independente do carro que você pode comprar, independente do
grau de instrução que você possa ter, independente do poder que você julga ter
é simplesmente avassalador, destruidor do nosso mínimo equilíbrio emocional.
Não haverá aqui comentários sobre o culpado ou os culpados dessa destruição que
nos foi causada ou pelo menos sobremaneira agravada por esse ou aquele
posicionamento. Nosso pedido é apenas para que não nos tratem como os “outros”
pois há um grande risco de vocês entrarem para esse grupo em breve.
Vamos
usar o “nós” como inicial função de nossos diálogos, vamos abraçar nossos
queridos, ser sinceros, e principalmente, tudo que você não conseguir fazer em
razão desse momento, respeite seu corpo, não faça. Você não está sozinho na
dificuldade de concentração, na angústia da alteração tão radical da sua vida,
na falta de vontade de se exercitar, pois saiba que sair da cama muitas vezes é
passar novamente por tudo que está na parte inicial desse pequeno texto, todos
os dias.
Aceite
sua condição de humano, aceite estar fraco um dia, admita que não é o salvador
do mundo (pois Ele por nós já deu a vida). Procure algo para fazer que lhe
propicie alguma alegria, fuja do que te deprime, assista um bom filme, vá para
cozinha fazer sua comida preferida, brinque com seu cachorro, leia um bom
livro, e acima de tudo sorria com seus filhos e pais. E saiba eu e você jamais
seremos os “outros”, “nós” seremos sempre “nós”, simplesmente humanos.
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães - advogado,
especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia
Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP
(COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da FADISP-SP
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