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quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Precisamos falar sobre a doação de órgãos


Transplante anunciado por Stevie Wonder e nova proposta para mudar a legislação brasileira colocam em destaque o tema e a importância de abordar o assunto


O cantor Stevie Wonder, de 69 anos, fará um transplante de rim em setembro próximo. Depois de vários boatos sobre seu estado de saúde circularem na mídia, ele usou o palco para tranquilizar publicamente os fãs durante um concerto no Hyde Park, em Londres. Afirmou que já tem um doador e declarou que “tudo vai ficar bem”. No Brasil, mais de 22,6 mil doentes renais crônicos aguardam essa boa notícia: encontrar um órgão. Três projetos de lei, um deles já aprovado no Senado, propõem mudanças na lei para facilitar a doação.

Atualmente, quase 34 mil pessoas estão na fila de transplante no país e a maior espera é por um rim. Em segundo lugar está a de córnea, com cerca de 9,5 mil pacientes na lista. “A doação de órgãos ainda é cercada por mitos e esse é um grande obstáculo para garantir maior qualidade de vida às pessoas que precisam de um transplante”, afirma o médico Bruno P. Biluca, do centro de nefrologia Fenix Alphaville.

A taxa de transplantes renais não cresce há sete anos, segundo os dados mais recentes do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT). Enquanto o índice de procedimentos realizados com órgãos de doador vivo permaneceu estável, o de doador falecido caiu 3% no primeiro trimestre deste ano na comparação com 2018. A maior causa da não concretização da doação de órgãos de potenciais doadores foi a recusa familiar, que ficou em 39% entre janeiro e março deste ano.

Esses dados, afirma Biluca, reforçam a necessidade de falar sobre o assunto e de mais campanhas de conscientização. “Muitas famílias se negam a autorizar a doação por desconhecimento em relação ao procedimento, como é feita a remoção dos órgãos, os critérios para determinar a morte cerebral e a seriedade das equipes médicas envolvidas. Também é muito comum que os parentes nem saibam que a pessoa gostaria de ter os órgãos doados, porque falar sobre a morte ainda é muito difícil”, diz o nefrologista.

Pela legislação atual, apenas a família pode autorizar a retirada de órgãos para transplante, ainda que a pessoa falecida tenha deixado registrada de qualquer forma sua intenção, até mesmo por escrito ou em testamento. “É importante entender que esse é um momento muito delicado, de perda. A família precisa ser acolhida durante todo o processo e ter todas as suas dúvidas esclarecidas. Assim, elas se sentirão seguras na hora de tomar a decisão”, afirma Biluca.


Mudanças nas leis

Três projetos propõem mudanças na Lei de Transplantes (Lei 9.434/1997) para facilitar as doações e reduzir as filas de espera.  Um deles, do senador Lasier Martins (PSD-RS), já foi aprovado pelo Senado e está em análise em comissões da Câmara dos Deputados para depois ser enviado à votação em plenário. O texto determina que o consentimento da família só será necessário se uma pessoa com morte cerebral não tiver, em vida, manifestado “expressa e validamente” a vontade de ser doador.

As outras duas propostas ainda estão em tramitação no Senado, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). O senador Humberto Costa (PT-PE) propõe que as pessoas que não querem ser doadoras declarem em documento público de identidade esse desejo, com a gravação da mensagem “não doador de órgãos e tecidos”.

O projeto mais recente, apresentado no final de maio deste ano pelo Major Olimpio (PSL-SP), por sua vez, estabelece a doação de órgãos e tecidos como de consentimento presumido. Isso quer dizer que, caso as pessoas maiores de 16 anos não se manifestem contrárias, elas são automaticamente consideradas doadoras. A proposta também torna hediondos e aumenta as penas para os crimes de remoção ilegal, compra ou venda de tecidos, órgãos ou partes do corpo e a realização de transplantes ou enxertos com material obtido ilegalmente.

O tema é delicado e divide a opinião da população. Das 3.024 pessoas que tinham se manifestado sobre a doação presumida em consulta pública on-line realizada pelo Senado até o último dia 14 de agosto, 1.974 apoiavam a proposta e 1.050 se posicionaram contra. Já a proposta que estabelece a prioridade do desejo de doação expresso em vida em relação à decisão da família após a morte foi aprovada por 125 das 135 pessoas que responderam à enquete.

“A discussão sobre a revisão da legislação é um passo muito importante, especialmente por colocar o assunto no debate. O tema precisa ser tratado de forma natural, sem preconceitos, estar presente nas conversas das famílias. Independentemente da lei, sensibilizar as pessoas sobre um gesto que pode salvar vidas”, afirma Biluca.

Abaixo, o médico esclarece algumas dúvidas comuns sobre doação:


Quem pode doar?

Em geral, qualquer pessoa é um doador em potencial, mesmo idosos. Em doadores falecidos, é feita a avaliação da condição médica no momento da morte para verificar quais órgãos e tecidos poderão ser retirados para transplante. A doação também pode ser feita em vida. Nesse caso, o médico vai verificar se não há riscos ao doador, avaliar seu histórico médico e se há compatibilidade com a pessoa que vai receber o órgão.


Quais órgãos podem ser doados?

Coração, pulmões, fígado, pâncreas, intestino, rins, córnea, vasos, pele, ossos e tendões podem ser doados depois da morte cerebral, o que significa que um único doador pode ajudar a salvar várias vidas. Em vida, a doação só pode ser feita para cônjuges ou parentes. É possível doar um dos rins, partes do fígado, da medula óssea ou do pulmão, sem que a saúde do doador seja prejudicada.


Quero doar os meus órgãos quando morrer. O que tenho de fazer?

Declarações, mesmo por escrito, não bastam para que a doação seja feita após a morte. Atualmente, a lei brasileira de transplantes exige o consentimento de parentes para a retirada de órgãos, por isso, é fundamental conversar com a sua família sobre esse desejo.


Pessoas em coma podem ter seus órgãos doados?

Não. Essa é uma dúvida muito comum, mas uma pessoa em coma não é considerada doadora porque esse é um estado que pode ser revertido, ou seja, a pessoa está viva e ainda pode despertar. A retirada de órgão só pode ser feita depois que todos os esforços foram feitos para salvar a vida do paciente e após a confirmação do diagnóstico de morte encefálica.


O que é morte encefálica? O diagnóstico é seguro?

Significa que a morte é irreversível. O cérebro e o tronco cerebral param de funcionar e não comandam mais as funções vitais. É muito difícil para parentes e amigos aceitarem que uma pessoa morreu quando ela está ligada em aparelhos e, por isso, ainda respira e seu coração continua a bater. Mas essas funções são mantidas artificialmente, sem qualquer possibilidade de voltarem a ser feitas espontaneamente pelo organismo, e cessam após alguns dias. O protocolo para o diagnóstico é regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina. Vários testes são feitos pelos médicos para confirmar a morte encefálica e repetidos em intervalos de algumas horas antes de ser declarada.


Como os órgãos são retirados? O corpo pode ser velado?

Os órgãos doados são retirados por médicos em um centro cirúrgico. Depois da cirurgia, o corpo é recomposto por meio de vários procedimentos. O caixão não precisa ser lacrado e o corpo pode ser velado normalmente.


Quem recebe os órgãos doados?

Há uma lista de espera com as pessoas que precisam de um órgão para transplante. A posição nesta lista não é feita apenas pela ordem de chegada, mas segundo alguns critérios. Pacientes com maior risco de morte, por exemplo, têm prioridade. A posição nessa lista também considera o tempo de espera e a compatibilidade entre o doador e o receptor. Outro critério que é levado em conta é a localização geográfica porque é preciso transportar os órgãos e eles têm um prazo de duração fora do corpo.


SAIBA MAIS

O primeiro transplante bem-sucedido da história foi o de rim. A cirurgia foi realizada em dezembro de 1954 em Boston, nos Estados Unidos. O paciente, Richard Herrick, recebeu o órgão de seu irmão gêmeo, Ronald. Até então, nenhum paciente tinha sobrevivido por pelo menos um ano após a cirurgia. Richard morreu em 1962, oito anos depois do procedimento, realizado pelo médico Joseph Murray, agraciado pelo prêmio Nobel em 1990 por sua contribuição no desenvolvimento de técnicas para evitar a rejeição de órgãos transplantados.

Fenix Alphavill

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