Os resultados
podem auxiliar os médicos na escolha de medicamentos capazes de interromper o
avanço dos danos neurológicos nos pacientes infectados
Uma infecção pelo zika vírus durante a gestação pode resultar em danos
ao longo do desenvolvimento do sistema nervoso central do bebê levando à
microcefalia, fato que já está bem estabelecido pela ciência. Porém um trabalho inédito desenvolvido na Fiocruz
Pernambuco veio trazer novas informações sobre como se
processam essas alterações. De acordo com o novo estudo, não é apenas o vírus
em si, mas também a resposta imunológica descontrolada, provocada pelo vírus no
nosso organismo, que pode causar danos ao sistema nervoso central.
Especificamente em relação aos casos de microcefalia, documentados primeiro na
região nordeste do Brasil, os autores observaram que a cepa do vírus que
infectou as gestantes em Pernambuco, na epidemia de 2015/2016, desencadeia um
perfil inflamatório bastante específico, persistente e crônico.
O estudo foi realizado em duas frentes. Primeiro in vitro, com células
tronco neuronais humanas (semelhantes a mini cérebros em desenvolvimento), para
verificar qual o perfil inflamatório induzido pela infecção nestas células, e
posteriormente através de análises de amostras de líquor (líquido
cefalorraquidiano – LRC) de crianças que tiveram microcefalia confirmada. “Com
base na assinatura dos genes (ou seja, quais genes que estão desligados ou
acionados, e em que intensidade) e moléculas inflamatórias, descobrimos uma
assinatura específica característica da cepa viral que causa microcefalia”,
explica o pesquisador da Fiocruz Pernambuco Rafael França, coordenador da
pesquisa.
França esclarece que, a partir da identificação dessa assinatura,
torna-se possível pensar em novas estratégias terapêuticas e medicamentos para
combater esse processo inflamatório - que permanece de forma crônica no
organismo, ampliando os danos iniciais - e obter uma atenuação no quadro do
paciente. “Na medida em que se detecta e faz um tratamento baseado nesse
mecanismo inflamatório, abre-se a possibilidade de bloquear esse processo,
proporcionando a uma criança que tenha sido infectada pelo zika vir a ter um
desenvolvimento do sistema nervoso central melhor”.
O artigo com esses achados acaba de ser publicado na revista científica
Frontiers in Immunology, com o título The Transcriptional and Protein Profile
From Human Infected Neuroprogenitor Cells Is Strongly Correlated to Zika Virus
Microcephaly Cytokines Phenotype Evidencing a Persistent Inflammation in the
CNS. Além de França, o texto tem como autores principais o pesquisador Antonio
Rezende e as doutorandas Morganna Lima e Leila Mendonça, todos da Fiocruz
Pernambuco.
Duas cepas do vírus zika foram utilizadas no estudo. Uma que teve origem
no Camboja em 2010 e uma de Pernambuco, isolada na Fiocruz PE. “A comparação
entre os processos inflamatórios causados pelas duas cepas permitiu observar
que a intensidade da resposta à cepa ancestral (Camboja) é muito mais
exacerbada e curta, em relação ao tempo. Provavelmente o sistema imune consegue
eliminar o vírus de forma rápida, o que não causa esse prolongamento no
processo inflamatório, que prossivelmente está causando a microcefalia”,
explica o pesquisador Antonio Rezende. Já a cepa coletada em Pernambuco induz
uma inflamação de magnitude menor e mais continuada, o que favorece a
permanência do vírus e pode resultar em danos ao sistema nervoso central.
Para chegar aos resultados, a equipe da pesquisa utilizou equipamentos
da Fiocruz PE com tecnologia de ponta em relação a sequenciamento de DNA e RNA.
Foram realizadas também parcerias técnicas com as universidades de Pittsburgh
(EUA) e Glasgow (Reino Unido).
ccs@fiocruz.br
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