O decano do STF falou,
falou, falou. Disse que não se nasce mulher, mas “torna-se mulher”. Com essa
monumental tolice, firmou sua aderência à ideologia de gênero e cuspiu fogo em
quem pensa diferente. Quando muitos, já caindo a noite, creram que ele iria
concluir, o ministro anunciou estar ainda antes de metade de seu voto e
advertiu a Corte: outro tanto a ela estava reservado para a próxima sessão.
Em sua dissertação, Celso de Mello
recusou ao STF (ao menos isso) a iniciativa de legislar sobre a matéria. Mas
pareceu estar abrindo a porta para uma provável determinação formal do Supremo
ao Congresso no sentido de que delibere sobre o assunto, tipo “por bem ou por
mal”. É o que se depreende do que disse
quando criticou, reiteradas vezes, a inércia abusiva e inconstitucional – note-se bem esse adjetivo – ao não decidirem, os
congressistas, sobre os projetos que criminalizam a homofobia. É o mesmo
caminho para onde nos leva o reiterado uso, em seu voto, da expressão “mora
deliberandi”... E se o STF determinar e o Congresso não obedecer ou rejeitar o
projeto, o que acontecerá? Nada! Ou uma imensa usurpação de competência.
Enquanto o ouvia atacar a lentidão do
parlamento em relação a tais projetos, numa tentativa de forçar o outro lado da
rua a atendê-lo por força de sua chibata verbal, fiquei pensando nas
prateleiras do STF. Imaginei-as vazias. Antevi limpos e polidos os tampos de
desocupadas escrivaninhas ministeriais. Gavetas ociosas guardando clipes,
etiquetas e carimbos à espera de um expediente que surja apressado, a cobrar
despacho. Afinal, o sábio ministro não iria jogar pedras no telhado do vizinho
se fosse de vidro sua própria cobertura. Claro que não, no STF tudo deve estar
cumprido a tempo e hora.
Lembrei-me, então, de um arquivo
estocado há meses na tela meu computador. Busquei por ele e ali estava a
manchete do Estadão do dia 2 de outubro de 2017: “Um quinto dos processos do
STF caducou em 2017”. Reconheço que a notícia, de 16 meses atrás, não é um
primor de atualidade, mas fala forte em relação a um problema que é conhecido
de todos. A expectativa de prescrição faz do STF um bom e remansoso estuário
buscado por advogados criminalistas.
Não vou retomar o que escrevi em “Pelo
fim da PEC da Bengala” sobre o fato de que, nos legislativos, não deliberar é
deliberação. E de que milhares de projetos não são votados, todos os anos,
porque não têm maioria para aprovação. Em outras palavras, são sepultados pelo
desinteresse geral.
No caso específico dos projetos que
criminalizam a homofobia, alguns aspectos chamam a atenção e, muito
provavelmente, justificam a falta de motivação para votá-los. Hediondos crimes
praticados contra pessoas LGBT já são, com muita razão, crimes hediondos pelas
leis penais do país. É bom lembrar, aliás, que o agravamento dessas penas, quando
cobrados pela “direita”, sofre habitual rejeição da “esquerda” dita defensora
de direitos humanos, que alegam sua inutilidade... Os crimes de menor potencial
ofensivo, agressões físicas e morais também são sancionados pelas leis do país.
Assim, em que pese a eloquente, pungente
e, por vezes, minuciosa descrição de crimes contra tais pessoas que o ministro
Celso de Mello produziu na parte já lida de seu voto, não são estes os crimes
que estão no foco do interesse de Sua Excelência. É no detalhe que mora o
problema e é por esse detalhe que a ideologia de gênero chegará pedindo
passagem nas salas de aula.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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