O mundo
corporativo, assim como a vida cotidiana, é recheado de clichês que expressam
de forma sintetizada situações recorrentes na dinâmica das empresas. Muitos
afirmam que a união de sócios é uma espécie de casamento, dado o nível de
convivência e interação que costuma ser necessário para que qualquer
empreendimento seja bem-sucedido. Mas ao tratarmos da união entre empresas
familiares e Fundos de Private
Equity (ou Fundos de Investimentos em Participações - FIP),
será que realmente os opostos se atraem? Para respondermos a pergunta
precisamos primeiro entender o perfil de cada parte, pois existem algumas
variações em ambos os casos.
O
Fundo de Private Equity,
sob a perspectiva jurídica, é um condomínio formado por cotistas/ investidores
que se unem para a aquisição de participações societárias. Existem fundos que
são formados por cotistas com algum nível de relacionamento entre si, mas a
grande maioria tem como cotistas entidades e pessoas que não possuem qualquer
vínculo societário ou familiar. Nesse contexto, a gestão de um Fundo de Private Equity é
altamente profissionalizada e o seu objetivo maior é realizar investimentos em
sociedades que deem o retorno esperado ao capital dos investidores, em
determinado prazo pré-estabelecido no regulamento do fundo, embora já existam
FIPs que, além do retorno financeiro, também se preocupam com o impacto social
causado por seus investimentos.
A
empresa familiar, como o próprio termo indica, é o empreendimento que possui
como sócios indivíduos de uma mesma família, que frequentemente também
participam da gestão. Conforme a idade da empresa avança, o núcleo familiar
original pode dividir-se em diversos subnúcleos, aumentando sensivelmente a
complexidade do relacionamento entre os sócios.
Nas
empresas familiares fatores como história, tradição, cultura e valores podem
ser tão ou mais importantes para a continuidade do negócio do que somente a
lucratividade em si. São inúmeros os casos de empresas familiares que apesar de
não serem rentáveis permanecem no controle da família por conta de fatores não
econômicos.
Mas
afinal, como pode dar certo a união entre duas figuras tão distintas como os
Fundos de Private
Equity e as empresas familiares? A resposta é relativamente
simples: governança e planejamento estratégico.
Por
governança entende-se o conjunto de mecanismos que possibilitam que tanto o
relacionamento entre os sócios quanto a gestão das atividades da empresa
ocorram de forma organizada, com regras claras, controles eficientes e reportes
periódicos. Ferramentas como acordo de sócios, conselho de administração e
auditoria independente estão cada vez mais presentes nas empresas familiares,
sobretudo nas bem-sucedidas. Se por qualquer motivo (e podem ser muitos) houver
o interesse de uma empresa familiar em “namorar” um Fundo de Private Equity com o
intuito de atrair investimentos, uma cultura de governança sólida é requisito
essencial para as conversas evoluírem. Em alguns casos, é também fundamental
que os sócios e gestores da empresa familiar desapaguem de certas práticas que
não estão alinhadas com princípios básicos de governança como transparência,
níveis inadequados de informalidade e avaliação de desempenho dos principais
executivos. Afinal, quem tem interesse em se aventurar num relacionamento com
uma pessoa cujo passado e a forma de condução de seus negócios é uma caixa
preta? É o que ocorre quando deparamos com uma empresa familiar sem governança;
não há clareza quanto aos riscos envolvidos nas atividades da empresa e são
raros os pretendentes que ignoram tal fato.
É bastante
provável que somente os membros da família realmente competentes permaneçam na
gestão do negócio após a chegada do novo sócio (o FIP), o que exige prévio
alinhamento entre os familiares envolvidos na gestão para prevenir litígios, e
não são todas as famílias que conseguem se acostumar com o nível de cobrança
que um Fundo de Private
Equity costuma impor aos sócios e gestores das sociedades
investidas. Por isso, cultura de governança é muito importante para superar
esses obstáculos.
Os
Fundos de Private
Equity podem ter prazos de duração distintos, mas no Brasil a
maior parte costuma durar de dez a doze anos, sendo metade do prazo o período
de investimento, quando oportunidades são prospectadas e as aquisições de
participações societárias são realizadas, e o restante do prazo o período de
desinvestimento, quando são desenvolvidas diferentes formas de operações para a
venda das participações adquiridas, propiciando liquidez aos cotistas do fundo.
Assim, para os Fundos de Private
Equity é essencial que existam alternativas de saída das
sociedades investidas, ou seja, em se tratando de investimento em empresa
familiar, é preciso ficar claro para a “noiva” que, se concretizada a união, em
algum momento ocorrerá o divórcio, seja via abertura de capital ou recompra das
ações pela própria família, venda para outro fundo ou para um investidor
estratégico, que poderá, inclusive, ser um concorrente da empresa investida. Em
determinados casos já é possível pré-estabelecer desde o início as alternativas
que serão exploradas, conforme formalizado no acordo de sócios.
Sob
o ponto de vista da família empresária atrair um sócio capitalista – o Fundo
de Private Equity –faz
sentido na medida em que passa a ter a sua disposição recursos necessários para
dar maior velocidade aos seus planos de crescimento, ao mesmo tempo em que a
companhia experimenta uma evolução em suas práticas de governança que trazem
para o negócio familiar uma visão de maior profissionalismo, muitas vezes
imprescindível para o enfrentamento dos inevitáveis desafios relacionados com a
sucessão.
Os
Fundos de Private
Equity têm apetite natural por negócios com potencial de alta
rentabilidade no médio prazo. Nesse sentido, a dinâmica empresarial atual tem
demonstrado que os empreendimentos com maiores chances de rentabilidade e
perenidade são aqueles que possuem propósito institucional claro, baseado em
valores que engajam seus colaboradores no desenvolvimento de atividades que
gerem riqueza, mas também ajudem a solucionar problemas complexos da nossa
sociedade. Esses são princípios que, obviamente, aplicam-se também às empresas
familiares.
Um
bom planejamento estratégico possibilita ao FIP enxergar não apenas o momento
atual da empresa familiar, mas onde ela pretende estar no momento de sua saída.
Somados esses dois fatores essenciais, aumentam sensivelmente as chances de
sucesso na união entre empresa familiar e Fundo de Private Equity, mas não
existe receita pronta. Como em qualquer relacionamento, inúmeras outras
variáveis podem influenciar positivamente ou negativamente o nascimento e a
longevidade da relação, por isso é fundamental que uma estrutura sólida
amparada em regras de governança e planejamento estratégico seja construída
desde o início.
Gustavo
Pires Ribeiro e Marcelo Marco Bertoldi -
Sócios da Área de Direito Corporativo do Marins Bertoldi Advogados
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