Há alguns anos podemos observar o quanto as
discussões políticas têm afetado a saúde psíquica das pessoas, seja pelo
excesso de esforço mental que tais discussões acarretam ou pelos frequentes
rompimentos em relacionamentos relevantes, em decorrência de divergências
político-partidárias. Brigas, desenlaces, ofensas e até situações envolvendo
agressões físicas têm sido assunto frequente em consultórios psiquiátricos e
psicológicos.
A primeira razão que pode explicar esse fato é
pensar que somos imaturos politicamente enquanto povo de um país jovem; povo
esse que atravessou décadas estrategicamente sendo alienado, com livros de
História insipientes, que mais reproduziam “contos” de uma brasilidade
inventada de completa harmonia e uma ausência de conflitos.
Os anos se passaram e o povo cresceu - um
pouquinho de nada - em sua consciência política e o mundo contemporâneo nos
presenteou com a internet e suas redes sociais; o equivalente a dar a um garoto
ou garota de onze anos a liberdade de beber, fumar, dirigir e fazer sexo, tudo
ao mesmo tempo. O resultado não poderia ser menos catastrófico: o adolescente
político se sente adulto e capaz, acha-se entendedor da matéria, mesmo tendo
apenas as suas primeiras peripécias em experiências tão pouco profundas.
Pré-púberes políticos, movimentam-se pelas redes sociais em típicos
agrupamentos juvenis, reproduzindo conceitos e opiniões, ofendendo divergentes
como adversários dos jogos da aula de Educação Física. Doutos escolares.
Não digo isso de todos os que ousam a discutir a
matéria política; há sim aqueles que, mesmo jovens, são capazes de ir além do
frouxo conhecimento político cujas fontes são “memes” e enunciados de redes
sociais.
Independente do “time” ao qual pertença, uma vez
que, ao menos por enquanto, vivemos num país democrático cuja liberdade de
opinião e expressão ainda estão asseguradas, deveria ser possível “discutir sem
brigar”, sem ofender, sem invadir o espaço - ainda que cibernético - do outro
com cuidado. Invadir posts na timeline alheia e entrar na casa do outro sem
pedir licença, é abrir a geladeira na casa da visita sem permissão, é usar a
privada e não dar a descarga.
E tudo isso ocasiona um desequilíbrio enorme em
nossa economia psíquica. Todo esse aporte de ofensas, notícias falsas sendo
replicadas instantaneamente e rompimentos entre pessoas, são importantes
geradores de ansiedade e descontentamento.
E qual a solução para esse problema? Não há como
propor que as pessoas se calem, deixando de emitir sua opinião. Enquanto não
amadurecemos, o ideal é nos valermos de artifícios de controle - e não
repressão - social. Eu, por exemplo, costumo apagar comentários ofensivos em minhas
redes sociais, ao invés de discutir com a pessoa ou deixar que as pessoas
fiquem discutindo. Se a pessoa não for capaz de manter um diálogo saudável com
diferenças e divergências, eu a bloqueio. Quando em discussões presenciais,
costumo evitar o embate quando percebo que aquele interlocutor não é capaz de
respeitar o meu ponto de vista e saber ouvir, mesmo que discorde. Parto da
premissa que eu não sou capaz de mudar a opinião do outro e se este outro não
está disposto a dialogar, não desejo perder tempo útil de vida com discussões
sem rumo.
Para mim, há apenas um sério limite cuja
transposição considero inaceitável: não aceito racismo, misoginia, homofobia,
transfobia e muito menos apologia à violência, à ditadura e à tortura, porque
entendo que expressar esse tipo de opinião não se trata apenas de liberdade de
expressão; para mim são comportamentos criminosos.
Marcelo Niel - médico
psiquiatra e psicoterapeuta junguiano, Doutor em Ciëncias pela UNIFESP,
supervisor clinico-institucional em Psiquiatria Clínica e Psicoterapia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário