A reforma trabalhista, em vigor desde novembro do ano
passado, criou uma nova possibilidade para o trabalhador se desligar da
empresa: a chamada demissão consensual. A modalidade de demissão legalizou o
“acordo”, prática comum entre empregados e empregadores, mas que até então era
considerada uma fraude às leis trabalhistas.
De acordo com levantamento do Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (Caged), desde novembro de 2017, as empresas já realizaram 109,5
mil demissões em comum acordo com seus funcionários. Em janeiro, as demissões
acordadas representavam 0,78% do total de desligamentos registrados. Em agosto,
esse tipo de saída passou para 1,21% do total. Ainda que pequena a relação, o
total de acordos desse tipo cresceu 60% na comparação entre agosto e janeiro –
ao passo que o total de desligamentos aumentou apenas 3%.
Os especialistas em Direito do Trabalho destacam que a
demissão por acordo possui regras específicas, que podem desonerar alguns dos
gastos do empregador em detrimento ao que o trabalhador teria para receber em
uma rescisão comum. O empregado recebe apenas 50% dos valores do aviso prévio e
da multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – em vez de 40%,
recebe 20% do saldo da conta. Em caso de demissão comum, o patrão pagaria uma
multa de 40%, o que costuma elevar o custo do desligamento.
O funcionário só poderá sacar 80% dos recursos depositados
pela empresa no FGTS. Os 20% restantes permanecem no fundo, rendendo juros.
Outro ponto importante é que o trabalhador não tem, na demissão consensual,
direito ao seguro-desemprego.
A advogada
Raquel Rieger, do escritório Mauro Menezes & Advogados,
esclarece que o acordo na rescisão contratual, na verdade, é uma
fraude que acontecia antes da reforma e que foi legitimada pela Lei nº 13.467/2017.
“A reforma criou uma nova modalidade de rescisão do contrato de trabalho e, no
espírito do “negociado sobre o legislado”, as partes – patrão e empregado –
estão livres para dar fim ao contrato de trabalho por acordo. É bom para quem?
Para o patrão, que paga menos. Ao empregado, que abre mão de direitos, o único
consolo é poder levantar de imediato 80% do FGTS”, avalia.
Na visão do doutor e
mestre em Direito do Trabalho e professor da pós-graduação da PUC-SP, Ricardo
Pereira de Freitas Guimarães, a saída do empregado por
acordo com o empregador deve ser realizada sem qualquer vício, ou seja, aquele
que pretende o desligamento deve procurar seu empregador e manifestar essa
intenção. “Caso o empregador ou o empregado entendam ser sua vontade, o acordo
poderá ser realizado sem qualquer interferência sindical, não existindo, assim,
exigência de que conste em instrumentos coletivos”, aponta.
Freitas
Guimarães explica que, pela regra atual, não existe qualquer exigência que o
acordo tenha restrição no número de empregados. “A demissão consensual é um
acordo individual. A empresa ou o empregado apresentam suas razões
individualizadas para o acordo e a outra parte pode aceitar ou não”, diz.
Danilo Pieri Pereira, especialista em Direito e Processo do
Trabalho e sócio do Baraldi Mélega Advogados, alerta que a reforma trabalhista prevê que o trabalhador
poderá negociar a extinção do contrato de trabalho. “A
autonomia pertence tanto aos empregados como aos empregadores. O acordo para a
rescisão do contrato normalmente surge de uma proposta do trabalhador e a
empresa pode ou não acatá-la. Vale destacar que a empresa não tem obrigação de
fazer o acordo para a rescisão, permanecendo válidas todas as formas de
rescisão contratual anteriores à reforma, que apenas acrescentou ao texto legal
a modalidade de término contratual por acordo entre patrão e empregado. De
qualquer forma, tudo depende da negociação caso a caso, para cada empregado,
sem qualquer efeito vinculante quanto aos demais”, explica.
O
especialista também observa que a empresa pode usar essa modalidade de demissão
como saída para dificuldades financeiras. “Em tese, a empresa pode utilizar essa nova regra
em casos de dificuldade. Todavia, para que tenha validade, a rescisão por
acordo depende da concordância expressa do empregado ou não terá qualquer
validade. Por isso, o mais comum é que a proposta de ruptura do contrato parta
do funcionário e não da empresa, já que, partindo da empresa, a recusa do
empregado conduzirá, via de regra, à rescisão sem justa causa”, pondera Danilo
Pieri.
Fim da homologação
No momento da demissão consensual, o empregado deve ficar
atento aos cálculos e as regras específicas antes de dar a palavra final,
orienta o advogado Ruslan Stuchi, sócio
do Stuchi Advogados. “O trabalhador deve ficar mais atento aos
valores recebidos e aos direitos trabalhistas no momento do acordo.
Principalmente, porque com a reforma trabalhista não exige mais a necessidade
da homologação da rescisão dos
contratos de trabalho com tempo superior a 1 ano. Assim, os sindicatos não
analisam mais a rescisão e não tem mais controle sobre possíveis erros no
momento da saída do trabalhador”, pontua.
Stuchi informa que, na prática,
o sindicato apenas orientava e analisava de maneira superficial a rescisão “e,
caso houvesse algum desacordo, o trabalhador tinha que ingressar na Justiça
para pleitear seus direitos”. Na visão do advogado, o ponto positivo do fim da
obrigatoriedade da homologação no sindicato da categoria foi a agilidade. “A
rescisão está sendo realizada mais rápida, tendo em vista a não necessidade da
homologação”.
Já na ótica da advogada Raquel
Rieger, o fim da homologação prejudica o trabalhador. “Os
sindicatos procediam aos cálculos rescisórios e orientavam os integrantes da
sua categoria, assim como colocavam ressalvas no Termo de Rescisão de Contrato
de Trabalho em relação às parcelas devidas e não pagas. A reforma deixou o
trabalhador sozinho e desamparado. Por sorte, algumas categorias têm conseguido
manter em normas coletivas a necessidade de homologação das rescisões em
sindicato”.
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