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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

UTOPIAS, DISTOPIAS. REALIDADE


“O que é comumente chamado utopia é demasiado bom para ser praticável; mas o que eles parecem defender é demasiado mau para ser praticável”.
[John Stuart Mill, 1868, em discurso no parlamento britânico]



Que será de nosso futuro? Poderemos continuar sonhando os nossos sonhos ou seremos ainda testemunhas de horrores sem fim? O mundo todo se vê diante desse dilema. E são seriados de tevê que batem os sinos do perigo para acordar nossas mentes, em ficções que, mais do que científicas, são políticas. Já assistiu The Handmaid's Tale (O Conto da Aia)? Pois fiquei apavorada com a clareza do seu recado, descrito como uma distopia.

Você também sabe e deve ter ouvido por aí. Verdade. Foi notícia. Já soube de mulheres apedrejadas até a morte? De outras que tiveram o clitóris extraído para inibir o prazer? De locais onde mulheres são obrigadas a gerar filhos, mesmo sem querer? Lugares onde só se toleram os padrões de gênero convencionais, e que penalizam com prisão e morte quem ousa o espelho? Sei que há quem pense que se armar é a solução. E que no mundo todo existe muita gente que escarafuncha na religião e na Bíblia até achar algum desígnio ou versículo que justifique qualquer de seus atos violentos.

Há quem queira uma sociedade organizada por líderes sedentos de poder, propondo sim um novo governo, mas militarizado, hierárquico, não laico e no qual as mulheres parecem ser vistas ou como erros ou como ideais para formar família com papai. Menino, menina. Rosa. Azul.

Já se chama Realidade.

Então é isso a distopia? Na definição: “lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação; representação ou descrição de uma organização social futura caracterizada por condições de vida insuportáveis, com o objetivo de criticar tendências da sociedade atual”.

As aias da série baseada em romance escrito em 1985 pela canadense Margaret Atwood têm os olhos marejados com olheiras profundas que em si falam de uma tristeza universal. Andam em pares, sempre uniformizadas em candentes e longas vestes vermelhas. Um chapéu-touca branco, engomado, oculta os seus rostos e cabelos. Observadas por soldados fortemente armados vestidos de negro saem apenas quando mandam ou para fazer compras em lugares assépticos. “Aos seus Olhos”, como se homens pudessem ser os olhos de Deus.

Uma vez por mês, em seu período fértil, são encaixadas entre as coxas de suas senhoras que lhes seguram as mãos enquanto assistem silenciosas ao que chamam “Cerimônia”. As pernas das aias são abertas e elas estupradas até que fiquem grávidas. Então, por nove meses as tratam bem, depois as jogam fora. Ainda estão vivas, aliás, apenas porque são férteis. Ali são obrigadas a ter filhos, que logo lhes são retirados, e aí seu futuro fica ainda mais incerto. Se não o fossem, já teriam sido mortas ou logo morreriam em colônias de trabalho forçado e tóxico, o destino das infiéis, ou que tenham feito qualquer coisa não aprovada em sua vida anterior. A que tinham antes dessa “revolução”, ou golpe, que matou e mata ou tortura sem dó. Em nome do Senhor...

 Chama-se República de Gilead essa sociedade retratada na série. Em um futuro que não parece distante - porque há detalhes que neles nos reconhecemos - um grupo cristão fundamentalista toma o poder nos EUA e lá estabelece esse terrível e cruel regime totalitário. Embora texto escrito há mais de 30 anos aponta para o mundo onde já estamos de certa forma plantados.

Por que é que eu estou falando disso? Achei que talvez fosse bom sugerir que assista antes da eleição. Procure. Quem tem NET, no Now e na Paramount. É de uma beleza emocionante, não por menos tem ganhado vários prêmios. Está na terceira temporada (aqui, ainda na segunda). Sem spoiler. Não sei ainda no que vai dar, estou muito curiosa e ansiosa para saber. Igual a nós todos aqui por esses dias.

The Handmaid`s Tale vale – principalmente para as mulheres - uma reflexão e tanto, muito além de nossas utopias ou de distopias. Muito real. Já vimos algumas partes desse filme. E dessas guerras.

 

 


Marli Gonçalves - jornalista – Gostei de escrever sobre um seriado de tevê. Mas não consegui deixar de pensar nos paralelos.


Brasil, 1,2,3...Era uma vez...


O BANDIDO PAPAGAIO E AS “MÃOS ATADAS” DA JUSTIÇA


        Foi preso no interior do Paraná o assaltante conhecido como Papagaio. Com longa experiência em assaltos a bancos e carros fortes, crimes que envolvem organização de quadrilhas, Papagaio acumula condenações que, em tese, não mais do que em tese, se elevam a meio século de prisão. No sítio onde estava ao ser preso foram apreendidos quatro poderosos fuzis municiados, carregadores e 400 munições de diversos calibres. Ou seja, Papagaio estava cheio de má intenção. Suspeita-se de que os ataques a carros fortes que antecederam a grande fuga de presos ligados ao PCC tenham sido praticados para atrair policiais a outra região e viabilizar a fuga em Piraquara. Papagaio e o PCC também acham que no Brasil se prende demais. É o desencarceramento por conta própria... Há muita gente, paga por nós, que deve estar aplaudindo.
        Apesar do extenso currículo do bandido, malgrado suas quatro fugas anteriores, a despeito de ser ele verdadeiro doutor honoris causa no mundo do crime, um extenso conjunto de fatores age em seu benefício e, simetricamente, em desfavor da sociedade. Cláudio Adriano Ribeiro, esse é o nome do pilantra, capturado de sua fuga anterior, conhecendo o jogo e as regras, foi um preso exemplar. Nem precisaria tanto para acabar beneficiado por progressão de regime e ser designado, novamente, para o semiaberto.  Esse direito lhe foi proporcionado pela malha frouxa, cediça, que caracteriza a legislação penal brasileira, ingenuamente confiante em que a bondade é um irrevogável atributo humano. O Ministério Público, diante de avaliação psicossocial que não contraindicava a concessão do benefício àquele modelo de cidadão, o referendou e a Vara de Execuções Criminais o concedeu. Pouco depois, Papagaio deu sequência ao previsível script: bateu asas do semiaberto e voou de volta ao mundo dos negócios.
        Todos os que, de algum modo, participaram da decisão que o deu por regenerado, são capazes de empilhar razões – e note-se: razões extraídas do Direito – sobre as quais apoiaram as recomendações e ordens que deram. No entanto, o bom senso refuga a leniência da legislação penal brasileira, os meandros recursais, as escandalosas chicanas proporcionadas pelo nosso Processo Penal, as penas que não se cumprem e as espantosas progressões de regime que acabam fazendo vítimas logo depois. Em vão a sociedade a tudo rejeita. O sistema tem vida própria e expressa uma vontade que parece ser de poucos, pouquíssimos, ainda que se imponha a todos. E a todos obrigue a viver na insegurança resultante de suas determinações.
        É uma situação perante a qual todos se dizem com as mãos atadas e ninguém aparece para desfazer os nós. Pergunto: é uma situação sem saída, a exemplo de tantas outras que passam pelo funil dessas mesmas vontades no Congresso Nacional? Por que haveriam nossos congressistas de mudar a legislação quando não é incomum nem remota a possibilidade de que muitos deles acabem buscando agasalho em tais artifícios? Pois é também para isso que servem as eleições do dia 7 do mês que vem. Você não vai reeleger criminosos nem protetores de criminosos, vai? Você não quer custear um Estado brasileiro que perca todas para os Papagaios da vida, quer?



Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

Brasil e Pedrógão Grande


Assistimos em meados de 2017 a uma das maiores tragédias de Portugal. Pedrógão Grande, do Distrito de Leiria e próximo a Coimbra, a uma temperatura de mais de 40 graus centrígrados e ventos devastadores, quase que sucumbiu por inteiro a um incêndio implacável da bela floresta que rodeava o vilarejo.

Os moradores ficaram sitiados. Somente duas estradas comuns os vinculavam à saída do forno que se fez inescapável. Noticiada a obstrução de uma das pequenas estradas, demandou-se a outra, que se encontrava nas mesmas condições de impossibilidade de fuga. 47 vítimas foram encontradas mortas naqueles caminhos.

O resultado final apontou 66 mortes, 254 feridos, 500 habitações destruídas e prejuízos de 500 milhões de euros. Até hoje a paisagem desértica exibe as marcas da tragédia.

A analogia é aceitável à análise do atual quadro político brasileiro. Um imenso e amado - nosso - país, posto num cenário político estreito e labiríntico semelhante a Pedrógão. Duas únicas estradas simplórias e tomada pelos matos o circunscrevem. A extrema direita feroz e a esquerda demagógica e corrupta. Assim o indicam as últimas e tristes pesquisas de intenção de voto.
Bem sabem os brasileiros de boa fé - inclusive os candidatos não alinhados a esse desastre - que o povo não suporta mais o fogo incandescente e demolidor da atual crise.

A vitória presidencial de quaisquer dos segmentos apontados será a raiz do prolongamento de uma crise generalizada cujos efeitos não mais suportamos. Votaremos para dizer que somos mais perceptivos, inteligentes, bons intérpretes, ou para salvar - sim, o termo é esse - nossa Nação de um incêndio que deixará marcas por anos e décadas?

Pouco importa se os demais candidatos compreendam a gravidade desse cataclisma e demonstrem a grandeza necessária para pôr o Brasil antes de suas vaidades pessoais e partidárias. O povo, por mais que tenha sido surrado em seu direito básico à educação, tem aquele saber intuitivo e incontestável do poeta das ovelhas, Alberto Caieiro. O sol é o sol e a chuva é a chuva, não há vertigens do pensamento quando estamos sob eles.

E o povo não suporta mais o sofrimento. Nesse estado, a história diz que, além daquelas duas estradas estreitas, poderemos encontrar, no terreno democrático, uma ampla e moderna rodovia. O povo de Pedrógão, que escapou do pior, permaneceu no centro da vila, cercado por cimento sólido que o poupou. O século passado criou as teorias dos extremos - direita e esquerda -. Não doutrinou sobre a filosofia do centro, mas o continente e a unidade europeia deu exemplo suficiente e prático de sua eficiência ao criar o estado do bem-estar social em clima de liberdade e respeito absoluto à liberdade e aos direitos humanos.

Ainda há tempo para escaparmos do inferno se optarmos pela razão - simples -, das mulheres e homens, ditada pela intuição que trouxemos ao nascer.






Amadeu Garrido de Paula - Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.


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