Cenário pós-pandemia pode trazer quadro de ansiedade ao animal, gerando problemas físicos e emocionais; comportamentalista explica como resolver
Um
estudo publicado em fevereiro de 2022 pela
revista científica Animals analisou a relação entre a
rotina de donos de cachorros no Reino Unido, no âmbito da pandemia da Covid-19,
e o risco de os animais desenvolverem ansiedade por separação – que, como o
nome sugere, é um quadro de ansiedade e de medo enfrentado pelo animal quando
está sozinho e longe de seu dono, ocasionando sofrimento.
Os
resultados mostram que 1 em cada 10 cães desenvolveram novos sinais de
ansiedade por separação (antes inexistentes) em período no qual as restrições
da pandemia diminuíram – cenário em que possivelmente o cão passou mais tempo
sozinho, depois de um período em que o dono permanecia em casa.
No
Brasil, com a melhora no quadro da pandemia, muitas pessoas retornaram às
atividades presenciais ou híbridas. E como fica o cãozinho, após mais de dois
anos acostumado com a presença do dono em casa?
Segundo
Camilli Chamone, consultora sobre bem-estar e comportamento canino, de Belo
Horizonte (MG), editora de todas as mídias sociais
"Seu Buldogue Francês" e pós-graduada em
Genética e Biologia Molecular, a chance de o animal adquirir ansiedade por
separação neste cenário é alta. Em seus atendimentos dos últimos dois anos, a
cada 10 pessoas, 9 relatam este problema.
"O
sofrimento causado pela ausência do dono é tão intenso, que equivale a uma
síndrome de pânico, em um humano. Cães com ansiedade por separação já estão com
o emocional comprometido e demonstram isso com sinais físicos: excesso de
latidos ou choros, comportamentos destrutivos que não aconteciam antes ou não
acontecem na presença do dono, 'esquecer' o lugar do banheiro, não comer ou
beber água na ausência do dono, babar a ponto de fazer poças de saliva no chão,
arranhar a porta para sair de casa, etc.", exemplifica Chamone.
Também
podem surgir problemas de saúde relacionados ao estresse, como doenças de pele,
diarreias e vômitos recorrentes.
Este
quadro é causado, principalmente, pela junção de dois fatores: ambiente pobre
de estímulos e uma relação de muita dependência entre cão e dono.
"Se
o animal não tem nada para fazer, começa a redirecionar a atenção para o dono.
Este, em contrapartida, ao ficar mais em casa na pandemia, dá essa atenção o
tempo todo. Nestes casos, o cão associa a presença desta pessoa como essencial
para o seu dia a dia; em sua ausência, entra em pânico", detalha a
comportamentalista.
O
risco é ainda maior quando houve adoção da rua, jovem ou adulto. "Depois
de passar um tempo de privação, ao entrar em uma casa, com suas necessidades
básicas atendidas (comida, água e abrigo) e um universo de atenção, esse animal
terá maior predisposição a desenvolver essa ansiedade na ausência do
dono", relata.
Além
disso, ao contrário do senso comum, trazer um segundo cachorro para casa pode
piorar a situação. "Em consultorias, observo que o segundo pode acabar
copiando o comportamento do primeiro; além de ter um cão em sofrimento, a
pessoa passa a ter dois, pois o comportamento inadequado de um deseduca o
outro", analisa.
Para
resolver o problema, é recomendado buscar orientação com um profissional de
comportamento canino. Um dos passos é trabalhar a autonomia do animal com o
dono ainda dentro de casa, acostumando-o a estar na sua presença, mas sem
acesso direto a ele.
Ações
simples ajudam, conforme enumera Chamone: "ao trabalhar de casa, é
importante permanecer em ambiente diferente do cachorro e enriquecer o espaço
dele com estímulos, oferecendo, por exemplo, um osso para roer ou brinquedos
interativos, com alimentos. Além disso, na hora de dormir, o ideal é tirá-lo da
cama do humano".
E, se a pessoa já está num cenário de volta presencial, é sensato deixar o cão na casa de um conhecido ou em creche de qualidade – com profissionais que entendam de comportamento canino – até resolver o problema. "Se o animal já desenvolveu ansiedade por separação, quanto mais sozinho fica, mais sofre e mais piora o comportamento", analisa a consultora.
Apesar dos desafios, é possível tratar o quadro e
proporcionar melhor qualidade de vida a ambos. "Um cachorro vive, em
média, 15 anos. É importante resolver o problema o quanto antes – e, com
acompanhamento profissional e dedicação, isso é feito em cerca de quatro meses,
que podem mudar uma vida toda. Cachorro e dono certamente estarão mais seguros
e felizes", finaliza.