O Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), Lei nº 8.078/90, completou no último 11 de setembro 30 anos de vigência. E, por conta da importância de tal diploma para o direito brasileiro, muito se tem falado sobre o assunto.
Por exemplo, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça,
relembrou-se sobre as questões paradigmáticas que foram enfrentadas no decorrer
desse período, sempre com a necessária adequação às flexíveis interpretações de
direito material que afloraram com as mudanças nas relações de consumo como um
todo. Afinal, o Direito deve acompanhar as mudanças econômicas e sociais para
não se tornar obsoleto, não é mesmo?
Bons exemplos práticos dessa ideia, de necessária
adequação constante às mudanças na relação de consumo, consistem na análise
conjunta da alteração na forma de contratação e de aquisição de serviços e de
bens de consumo pelas pessoas, que passou a ser mais eletrônica e menos
presencial; do exercício do direito ao arrependimento nas compras on-line; e da
limitação do direito ao arrependimento por Lei Federal sancionada recentemente
pelo Governo.
É claro que na década de 1990 até meados dos anos
2000, a maioria das compras eram feitas fisicamente, por meio de idas
frequentes a lojas físicas em ruas de comércio, Shoppings Centers e centros de
comércio em geral. Há algum tempo, no entanto, essa não mais representa a
atualidade do mercado de consumo de bens e serviços no Brasil, onde até mesmo
bens de consumo duráveis e de alto valor envolvido como, por exemplo, veículos
estão sendo adquiridos on-line pelos consumidores. Essa, com certeza, não era
uma realidade previsível quando do nascedouro do CDC em 11 de setembro de 1990.
Atualmente, e sobre o que se notou com a vinda da
pandemia, as compras de serviços e insumos em geral passaram a ter cada vez
mais um caráter – até mesmo impositivo – a distância, on-line.
Segundo dados divulgados pelo website www.ecommercebrasil.com.br (https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/conversion-e-commerce-acessos-agosto/),
dedicado a analises relacionadas a esse tipo de mercado, o e-commerce
brasileiro atingiu a marca de 1,27 bilhão de acessos no mês de agosto de 2020,
número que representa um crescimento de 7,4% em comparação com o mesmo
mês do ano de 2019.
Diante do claro aumento nas compras digitais,
passou a ter maior relevância a opção, ao consumidor, do exercício do direito
de arrependimento (aplicável exclusivamente a compras feitas fora do
estabelecimento comercial). E isso, certamente, vem demandando uma constante
atenção dos intérpretes e aplicadores do direito, em vista das adequações e
interpretações necessárias ao texto legal advindas dessa nova realidade.
Segundo a previsão do artigo 49, do CDC, “O
consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua
assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a
contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento
comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.” Tal direito de
arrependimento ou “prazo de reflexão” deve ser disponibilizado ao consumidor
por ser uma ferramenta necessária quando não se consegue ver, tocar, provar o
produto antes da aquisição.
O texto legal original não previu a contratação
on-line, fazendo referência apenas às compras feitas por telefone ou a
domicílio. Trouxe, no entanto, a palavra “especialmente”, tornando possível,
como de fato foi feito no tempo, a sua extensão à modalidade de compra pela
internet. E esse exercício, do direito ao arrependimento, no prazo legal de
sete dias após a compra, vinha sendo garantido aos consumidores com o aumento
das compras digitais.
Mais recentemente, no entanto, o direito ao
arrependimento sofreu importante limitação com a edição da Lei nº 14.010, de 10
de junho de 2020, que “Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório
das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do
coronavírus (Covid-19)”. Essa Lei recentemente publicada trouxe, em seu artigo
8º, verdadeira limitação ao direito ao arrependimento nas relações de consumo,
ao prever que “Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49
do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery)
de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos”. Essa
limitação adveio da preocupação existente, por conta do novo vírus, em minar
possíveis focos de disseminação e contágio, seja por meio dos mecanismos de
devolução caso as pessoas optassem por deslocamentos para eventuais trocas.
Ou seja, embora por um lado o direito ao
arrependimento deva ser assegurado por ser totalmente salutar às relações de
consumo e estimulante à economia, ainda mais em períodos sensíveis como o que
estamos vivendo, por outro há outras questões atuais envolvendo saúde
pública que demandaram a mitigação deste direito, ainda que por prazo
determinado até o dia 30 de outubro de 2020, data prevista inicialmente como
provável fim dos transtornos causados pelo coronavírus.
Uma melhor alternativa ao Consumidor em vista da
disposição do artigo 49, do CDC, e do artigo 8º, da Lei nº 14.010/2020 será a
garantia, pelas empresas, de uma extensão do prazo legal previsto para o
arrependimento, para torná-la possível após a superação do prazo suspensivo
estabelecido pelo legislador. Assim, o direito do consumidor estará preservado
em tão importante data comemorativa relacionada aos 30 anos de vigência do
código consumerista, como também incentivando a economia e preservando a saúde
pública até o fim da Pandemia.
Leandro
Basdadjian Barbosa - advogado sênior na área de contencioso cível
estratégico. É pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, graduado pela Faculdade de Direito da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Possui experiência
adicional em direito do agronegócio, imobiliário, do consumidor e em processos
envolvendo recuperação judicial de empresas e falências. Para mais informações,
entre em contato pelo 11 98555-5409 ou através do e-mail lbarbosa@sfcb.com.br