Quem nunca ouviu o ditado que diz que quando nasce um filho, nasce a culpa? As pesquisas mostram que a culpa atinge as mães quase que de forma universal. A culpa pode ser definida como uma emoção desconfortável que surge quando percebemos que nosso comportamento causou prejuízo a outra pessoa. A capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir empatia é um pré-requisito para a culpa. Por isso, nos relacionamentos mais próximos a culpa está mais presente já que estamos mais atentos ao bem-estar do outro. Embora a culpa seja desconfortável, ela cumpre uma função importante para o funcionamento humano. Quando prejudicamos alguém e sentimos culpa, esse desconforto nos motiva a reparar o dano e nos leva a escolher melhores comportamentos da próxima vez, mais alinhados com as nossas expectativas e valores.
O problema da culpa materna é a forma como ela é prevalente e crônica. Sabemos que a culpa acontece para motivar uma maior coerência entre nossas ações, expectativas e valores. Mas no caso da culpa materna, as expectativas são inatingíveis e os valores incoerentes, logo é impossível se adequar. O paradigma vigente da maternidade diz que a boa mãe é aquela que se doa completamente em termos físicos, emocionais, psicológicos e intelectuais. A expectativa da mãe perfeita, o julgamento social a respeito da maternidade alheia, o excesso de informações, conselhos e boas práticas aprisionam as mulheres a padrões impossíveis que inevitavelmente geram culpa, frustração, exaustão e raiva. Pesquisas mostram que, cada vez mais, nos sentimos piores enquanto mães. Temos sentido mais medo, estamos mais confusas, e nos sentimos inferiores. Essa sensação de ineficácia afeta nosso bem-estar físico, nossa saúde mental, e a nossa capacidade de sermos boas o suficiente no nosso papel de mãe.
Uma pesquisa feita na Holanda com 900 pares de mães, pais e filhos, mediu vários comportamentos parentais importantes como a qualidade da escuta, compaixão pelos filhos, a consciência dos pais sobre as emoções dos filhos e como os pais julgavam a própria atuação nos seus papéis de pais. Destes aspectos, a aceitação dos pais e as mães sobre a própria atuação enquanto pais foi o fator mais fortemente associado a menores níveis de depressão e ansiedade nos filhos. Quer dizer, aceitar nossas imperfeições com naturalidade e abrir mão das expectativas irrealistas, é importante para a resiliência emocional dos nossos filhos. Na minha pesquisa, feita nos Estados Unidos com 246 pares de mães e filhos, descobri que mães autocompassivas tem filhos mais autocompassivos, e se sentem mais competentes no seu papel de mãe. A autocompaixão envolve a capacidade de fornecer suporte emocional a si mesmo, enfrentando desafios e adversidades com maior perspectiva e com a compreensão de que as dificuldades são comuns a todas as pessoas. As mães autocompassivas são mais propensas a se perdoarem quando cometem erros, em vez de vê-los como uma indicação de incompetência ou inferioridade. Isso ajuda com que elas sigam em frente, tenham menos medo de errar, e tenham maior facilidade para persistir e tentar novos caminhos. A autocompaixão significa olharmos para as dificuldades com realismo e não com lentes de aumento. É sobre adotar uma postura gentil com relação a si mesma, dando pra si o que você precisa em um momento difícil, seja um banho demorado, seja pedir ajuda para alguém porque você precisa relaxar.
O que acontece quando nos cuidamos é que além de nos tornarmos mais emocionalmente saudáveis, nos tornamos menos reativas, conseguimos nos conectar com a criança de uma forma mais profunda. Ao abrir mão da expectativa de nos tornarmos mães perfeitas, conseguimos aceitar que nossos filhos também têm defeitos. A criança que se sente aceita por quem ela é, que não acha que precisa mudar para receber amor, desenvolve um autoconceito mais positivo e maior autocompaixão. O vínculo com os pais é um dos principais fatores que suportam a resiliência emocional da criança, que é a capacidade da criança de enfrentar desafios de forma construtiva. A resiliência emocional também é facilitada pela forma como a criança interpreta e lida com os problemas. As pesquisas mostram que as crianças que têm maior dificuldade para lidar com os próprios erros, e que enxergam as limitações pessoais como sinal de que há algo errado com elas, tendem a deprimir e desenvolver outros problemas emocionais com maior frequência.
A autocompaixão é um dos grandes facilitadores da resiliência emocional em situações de estresse na adolescência. Adolescentes mais autocompassivos deprimem menos, têm menos ansiedade e melhor desempenho acadêmico. As pesquisas mostram que a autocompaixão pode ser aprendida, tanto por adultos quanto por crianças. A maior lição da minha pesquisa é que quando as mães se cuidam e são mais gentis consigo, os filhos também se beneficiam. Eles aprendem a serem autocompassivos e têm um vínculo mais forte com essas mães. Logo, exercitando a autocompaixão e cuidando de si você beneficia também as pessoas que você mais ama.
Adriana
Drulla - Mestre em Psicologia Positiva, pela Universidade da
Pennsylvania, é especialista em Compaixão e Autocompaixão.
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