Aconteceu durante um seminário em Madrid,
promovido pela Fundação Internacional pela Liberdade, presidida pelo Nobel de
Literatura Mario Vargas Llosa. Falando na condição de convidado, o futuro
ministro Sérgio Moro se referiu ao alcance limitado de suas decisões como juiz.
Esclareceu, ainda, que seu trabalho na Lava Jato estava chegando ao fim, mas “aquilo
poderia se perder se não impulsionasse reformas maiores, que eu não poderia
fazer como juiz”.
Não é difícil entender a situação
descrita por Moro, nem o uso de uma analogia com o futebol. Em outro momento da
sua manifestação mencionou a famosa “bola nas costas”, que deixa o zagueiro
perdido e concede toda vantagem ao atacante. Ele conviveu longamente com essas
dificuldades. Agouravam sobre seu trabalho as tragédias da italiana operação
Mãos Limpas, que levaram à sepultura o juiz do caso e respectivas realizações
no processo. Transitavam diante da mesa de Moro figuras poderosas da política e
dos negócios, cujo acesso ao STF se fazia com um estalar de dedos.
Quantas noites mal dormidas aguardando
deliberações do Supremo, onde a Justiça ora faz o bem, ora faz o mal, sabendo
muito bem a quem! Moro trabalhava sentindo o hálito azedo de vaidade, ciúme e
ódio que sua crescente popularidade fazia exalar das penthouses do poder. A nação, dia após dia, a tudo assistia e se
compadecia. Moro se tornou símbolo da luta contra a corrupção. Por vezes, em
sua 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, a fila das confissões lembrava
período litúrgico de preparação para a Páscoa. Era a “sangria” que precisava ser
estancada, no dizer metafórico de Romero Jucá. E aquilo, para o diligente juiz,
significava novos e reais enfrentamentos que viriam e vieram.
Fica bem entendida, então, a decisão que
tomou. Os que ansiavam por um governo para debilitar a Lava Jato terão que
conviver com a operação personificada em um dos dois homens mais fortes do
governo... Melhor ainda se, ao cabo desse período, ele se for sentar entre
aqueles ministros a quem tanto mal estar causou seu combate à corrupção.
São marcas dos novos tempos pelos quais
ansiávamos. Alegrou-me por isso ler sobre essa disposição expressa por Moro em
Madrid no mesmo dia em que tomei conhecimento dos compromissos recentemente
formalizados no 1º Congresso do Ministério Público Pró-Sociedade. Beleza!
Beleza ver tantos profissionais dessa nobre carreira de Estado comprometendo-se
com o aperfeiçoamento de sua missão e com a consolidação de uma agenda de
combate à criminalidade e à impunidade. Há muito tempo a sociedade tem sido
vista, desde os círculos do poder, como mera provedora dos meios, pagadora de
todas as contas. Estamos tendo nosso país de volta, em boas mãos, posso crer.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.