O teste imunoenzimático do tipo ELISA pode ser adaptado para outras tecnologias automatizadas e testes rápidos do tipo point of care foto: Jeffrey M. Vinocur/Wikimedia Commons |
Pesquisadores brasileiros
desenvolveram uma forma simples e rápida de identificar pessoas previamente
expostas a cada um dos quatro sorotipos do vírus da dengue, bem como ao vírus
zika. Trata-se de um teste imunoenzimático do tipo ELISA, plataforma amplamente
utilizada em laboratórios de análises clínicas do país, passível de ser
adaptado para outras tecnologias automatizadas e testes rápidos do tipo point
of care.
O trabalho foi conduzido no
Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), em
parceria com cientistas da Faculdade de Medicina (FM-USP) e da Universidade
Federal do Oeste da Bahia (Ufob), estes liderados pelo professor Jaime Henrique
Amorim. Os resultados foram publicados no Journal of Medical Virology.
A dengue é a arbovirose mais
disseminada globalmente. É causada por um flavivírus que apresenta quatro
sorotipos antigenicamente distintos (DENV 1, 2, 3 e 4) e que cocirculam com
pelo menos outros nove vírus do mesmo grupo, entre eles o zika (ZIKV). As
semelhanças compartilhadas entre os antígenos do DENV e do ZIKV levam a reações
cruzadas e à redução da especificidade do diagnóstico sorológico.
Com o objetivo de tornar mais
preciso o exame que detecta anticorpos presentes no sangue de pessoas
previamente infectadas, mesmo aquelas sem sintomas aparentes, os pesquisadores
utilizaram fragmentos de proteínas dos vírus, em particular a proteína do
envelope viral (a camada mais externa do patógeno). Tal fragmento, denominado
EDIII, está envolvido na ligação do vírus às células humanas.
Durante o estudo, financiado
pela FAPESP por meio de seis projetos (16/20045-7, 22/10408-6, 23/02345-7, 21/05661-1, 20/08943-5 e 17/24769-2) e conduzido durante o doutorado de Samuel Santos Pereira no ICB-USP, o teste foi inicialmente validado com amostras de
sangue de camundongos experimentalmente infectados com os vírus DENV e ZIKV.
Nessa etapa, ele mostrou-se
capaz de diferenciar anticorpos específicos contra cada um dos patógenos e,
além disso, diferenciou anticorpos gerados pelos quatro sorotipos do DENV. Em
seguida, o teste foi validado com cerca de 650 amostras de soro sanguíneo
recolhidas de pessoas em São Paulo durante a epidemia de zika no Brasil
(2015-2017). Os resultados indicaram sensibilidade de 87,8%, que indica a
capacidade de evitar resultados falso-negativos, e especificidade de 91,4%, que
se traduz na capacidade de evitar falso-positivos.
“Também testamos 318 amostras
de soro colhidas de pessoas saudáveis na cidade de Barreiras [oeste da Bahia,
região endêmica para DENV e outros arbovírus], sem diagnóstico prévio de
dengue, como forma de avaliar a capacidade de monitoramento do teste para
anticorpos específicos gerados após exposição aos vírus”, conta Luís Carlos de Souza Ferreira, professor do ICB-USP e coordenador do trabalho.
Segundo o pesquisador, cerca de
65% das amostras reagiram com pelo menos um antígeno de dengue (88 apenas com o
sorotipo 1 e 90 delas com mais de um tipo de DENV). Curiosamente, apenas três
amostras foram reativas para ZIKV, indicando que esse patógeno não circula na
região há alguns anos ou que os anticorpos específicos gerados após a infecção
têm curta duração.
“Coletivamente, esses
resultados mostram que temos uma ferramenta poderosa para monitorar a imunidade
sorológica de qualquer pessoa exposta a esses vírus, particularmente em
populações que vivem em áreas endêmicas para dengue e zika ou que tomaram ou
pretendem tomar uma das vacinas disponíveis para a prevenção da dengue”, diz
Ferreira.
crédito: acervo dos pesquisadores |
Saúde pública
No Brasil, 21 mortes por dengue foram registradas
nas primeiras semanas de 2025, dois terços delas no Estado de São Paulo. O
ressurgimento do sorotipo 3 do vírus no país após 17 anos tem preocupado
especialistas, que temem o agravamento dos surtos (leia mais em: agencia.fapesp.br/53754).
De acordo com Ferreira, no caso de uma nova
epidemia, o teste desenvolvido no ICB permitirá identificar indivíduos e
populações sem imunidade contra os tipos de DENV circulantes e implementar
medidas dirigidas de prevenção, seja para o combate ao vetor ou a aplicação de
vacinas.
“Os anticorpos medidos no ensaio [imunoglobulinas G
ou IgG] são, em grande parte, responsáveis pela imunidade protetora contra a
doença, pois impedem a entrada do vírus em nossas células. Essa característica
permite que o teste seja usado para avaliar o status imunológico de pessoas
saudáveis, mas previamente expostas aos vírus, e aquelas imunizadas com uma das
vacinas atualmente em uso no país. No caso do ZIKV, será possível testar a
imunidade de pessoas em idade fértil e grávidas, principal grupo de risco, sem
a preocupação de reatividade cruzada com anticorpos gerados após infecção pelos
quatro sorotipos de DENV. Isso permite estabelecer medidas para evitar a
infecção quando do ressurgimento do vírus zika no país”, acrescenta.
A pesquisa também contou com apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia em Vacinas (INCTV).
O artigo Serotype-Specific Dengue Virus IgG
Assay Using EDIII-Based Recombinant Proteins and Its Application in an Endemic
Population in Northeast Brazil pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jmv.70100.
Julia Moióli
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/teste-permite-identificar-infeccao-previa-por-zika-e-pelos-quatro-sorotipos-do-virus-da-dengue/53819
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