No Brasil, as mordidas de jararaca (Bothrops jararaca) respondem
pela grande maioria dos acidentes envolvendo serpentes
foto: Renato Augusto Martins /Wikimedia Commons
Pesquisadores da Unifesp e do
Instituto Butantan trabalham em versão melhorada do soro antibotrópico, com
mais anticorpos neutralizantes e menos proteínas associadas a efeitos
colaterais
Um grupo de pesquisadores da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto Butantan desenvolveu
uma versão três vezes mais eficiente do soro antibotrópico, usado para o
tratamento do envenenamento por serpentes do gênero Bothrops, sendo
a jararaca (B. jararaca) a mais comum.
O estudo, apoiado pela FAPESP,
foi publicado no Journal
of Proteome Research.
“Aliamos técnicas clássicas com
outras de última geração para quantificar e aumentar as proteínas que fazem a
neutralização do veneno, além de diminuir outras moléculas que podem causar
efeitos colaterais. Com isso, chegamos a um soro com ação aumentada mesmo em
menor quantidade”, resume Alexandre Tashima, professor da Escola
Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e coordenador do estudo.
Os soros antiofídicos, que
combatem o envenenamento por serpentes, são produzidos há mais de cem anos. Uma
dose subletal de veneno é injetada em animais de grande porte, como cavalos. O
sistema imune do animal então produz anticorpos contra as toxinas presentes no
veneno.
Após alguns dias, doses do
sangue, agora enriquecidos por anticorpos, são retiradas do animal, processadas
e purificadas. O produto resultante é o chamado soro heterólogo, único
tratamento cientificamente comprovado para conter o envenenamento por
serpentes.
Nem tudo que compõe o soro,
porém, são anticorpos que neutralizam o veneno. Estudos de outros grupos
apontam que apenas entre 10% e 40% da composição dos soros antiofídicos
correspondam a proteínas que têm toxinas de serpentes como alvo.
Por isso, um dos primeiros
passos do grupo de Tashima foi justamente quantificar essas proteínas no soro
antibotrópico padrão. Por meio de técnicas como cromatografia por afinidade,
ressonância plasmônica de superfície e espectrometria de massas, os pesquisadores
observaram que apenas 27,8% dos componentes do soro interagem com as toxinas do
veneno da jararaca.
Outros anticorpos, não
específicos, compõem boa parte dos outros 72,2% do soro. A segunda proteína
mais abundante, respondendo por 8,6% da composição, foi a albumina de cavalo.
Ainda que exerça uma série de
funções importantes nos mamíferos, a albumina de uma espécie pode gerar
respostas exacerbadas quando em contato com o sistema imune de outra.
“Embora os avanços na
purificação tenham reduzido significativamente a ocorrência de efeitos
adversos, estes ainda são reportados em algo entre 5% e 57% dos casos. A maior
parte se dá por conta da resposta imune a proteínas de cavalo, como a
albumina”, conta Tashima.
Versão
melhorada
Os pesquisadores então submeteram
o soro antibotrópico padrão a uma nova fase de purificação. Por meio da chamada
cromatografia por afinidade, foram mantidos os anticorpos que se ligavam ao
veneno.
O novo soro foi então analisado
com as mesmas técnicas usadas no soro tradicional anteriormente. A versão
melhorada teve 87% menos albumina, enquanto outras proteínas tiveram reduções
entre 37% e 83%.
Análises funcionais
demonstraram que o novo soro tinha uma afinidade 2,9 vezes maior pelas toxinas
do veneno. Além disso, camundongos envenenados que receberam o novo soro
precisaram de uma dose 2,8 vezes menor para conter as toxinas.
“Isso indica que o soro
melhorado tem uma potência aumentada, sendo necessário menos soro para combater
uma mesma dose de veneno. Somado ao fato de ter menos proteínas de cavalo, este
é um fator que poderia reduzir as chances de efeitos adversos”, afirma Tassia Chiarelli,
primeira autora do estudo, realizado durante seu mestrado na EPM-Unifesp.
As tecnologias usadas nessa
etapa de purificação já existem e são largamente usadas na fabricação de outros
biofármacos. Mas ainda falta vencer as etapas de pesquisa clínica e regulatória
para que os resultados da pesquisa possam se traduzir em um novo produto.
Outro fator no horizonte é o
desenvolvimento de novas tecnologias para o tratamento do envenenamento por
serpentes, como anticorpos monoclonais. Trata-se justamente da produção de
anticorpos específicos para as toxinas. Já existem no mercado, por exemplo,
anticorpos monoclonais contra o SARS-CoV-2, vírus causador da COVID-19.
“As inovações que já estamos vendo provavelmente darão origem a novos tratamentos no futuro. No entanto, sabemos do tempo e do custo dessas novidades, o que deve fazer com que o soro heterólogo ainda seja usado por muito tempo”, encerra o pesquisador.
Tashima, ao fundo, e três estudantes que participaram do trabalho:
Claudia de Paula Santos, Jackelinne Yuka Hayashi e Isabel Sakanoue Leite
foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP
Em 2017, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) recolocou o envenenamento por serpentes na lista das moléstias
tropicais negligenciadas, um conjunto de condições que acometem sobretudo
pessoas pobres e que recebem pouca atenção da indústria farmacêutica (leia
mais em: agencia.fapesp.br/29753).
A reinclusão é um incentivo
para a própria OMS, governos e fundações humanitárias proverem recursos para
ONGs, grupos de pesquisa e outras organizações focadas em reduzir a morbidade e
mortalidade atribuíveis ao problema.
O trabalho teve apoio da FAPESP
por meio de nove projetos (17/20106-9, 17/21052-0, 20/07268-2, 21/05975-6, 23/00670-8, 24/02642-4, 13/07914-8, 22/13850-1 e 21/07627-5).
O artigo Enhancing the
Bothropic Antivenom through a Reverse Antivenomics Approach está
disponível em: https://pubs.acs.org/doi/full/10.1021/acs.jproteome.4c01028.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/em-estudo-pre-clinico-novo-soro-antiveneno-de-jararaca-foi-tres-vezes-mais-eficiente-do-que-o-padrao/53941
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