Pesquisadores do Instituto Butantan e colaboradores desvendam por que a BCG recombinante induz uma resposta mais intensa e duradoura que a vacina convencional
Pesquisadores
do Instituto Butantan e colaboradores estão desenvolvendo uma versão mais
potente da vacina BCG, que protege contra a tuberculose. Enquanto o imunizante
convencional reduziu em 90% a infecção nos experimentos com camundongos, com a
chamada BCG recombinante o índice de proteção subiu para 99%. Além disso, a
nova formulação protegeu os animais por um período significativamente mais
longo.
“A BCG é a primeira vacina que
recebemos ao nascer e ela de fato é efetiva na proteção de crianças. Mas a imunidade
contra a doença tende a cair na vida adulta e, como as bactérias estão se
tornando resistentes aos antibióticos, ninguém está seguro. Tem sido feito um
esforço mundial para tentar melhorar a prevenção da tuberculose pulmonar
adulta. Hoje são registrados cerca de 10 milhões de novos casos e 1,5 milhão de
mortes por ano no mundo”, diz à Agência FAPESP Luciana Cezar de Cerqueira Leite,
pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan apoiada pela
FAPESP.
Para entender por que a BCG
recombinante leva a uma resposta imune mais intensa e duradoura, o grupo do
Butantan e colaboradores de diversos países têm adotado uma abordagem conhecida
como biologia de sistemas – que resumidamente consiste em observar no modelo
animal o comportamento de milhares de genes, em diferentes tecidos
(principalmente pulmão e linfonodos), ao longo de toda a montagem da resposta
imune. Tal empreitada envolve o sequenciamento de centenas de amostras, seguido
por um intenso trabalho de bioinformática e mineração de dados.
O tema foi abordado por
Cerqueira Leite no dia 29 de junho, durante palestra apresentada na FAPESP Week China. O painel, dedicado a
temas de saúde e biomedicina, também contou com a participação de Zhang
Zhiyong, da Universidade de Medicina de Guangzhou; Pedro Moraes-Vieira, da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp); Xin Jin, cientista-chefe de Pesquisa da empresa chinesa
BGI; e Dan Zhang, cofundador da empresa Hillgene BioPharma, também da China. Os
mediadores foram Xin Jin (BGI) e Simone Appenzeller (Unicamp).
“A gente sequenciou todo o RNA
que foi expresso e está presente em amostras coletadas em vários momentos:
antes de o animal ser imunizado, sete e 90 dias após a imunização – quando é
feito o desafio [a bactéria é inoculada no nariz dos roedores] – e sete e 90
dias após o desafio”, conta Cerqueira Leite.
Foram comparadas amostras de
três grupos de camundongos: um não imunizado, outro que recebeu a BCG
convencional e um terceiro vacinado com a BCG recombinante. Em cada momento de
análise, foram comparados quais genes estavam com a expressão aumentada ou
diminuída nos diferentes grupos.
“Já com sete dias de imunização foi possível ver uma mudança bem grande no grupo que recebeu a versão recombinante: cerca de 200 genes já estão sendo ativados, enquanto no grupo da BCG convencional ainda não estava acontecendo quase nada. Depois de 90 dias, a resposta à BCG convencional já começa a cair, enquanto no grupo recombinante ela se mantém. Mas a grande novidade é que as duas vacinas atuam por caminhos metabólicos bem diferentes e nós conseguimos mapeá-los. Os dados serão publicados em breve”, revela a pesquisadora.
Luciana Cezar de Cerqueira Leite, do Instituto Butantan, durante palestra apresentada na FAPESP Week China (foto: Karina Toledo/Agência FAPESP) |
Bactéria
turbinada
Onipresente nas maternidades
brasileiras, a vacina BCG foi criada há mais de cem anos a partir da atenuação
da bactéria causadora da tuberculose bovina (Mycobacterium bovis), que é
muito parecida com a da tuberculose humana (M. tuberculosis).
Já a versão recombinante
“ganhou”, por engenharia genética, a capacidade de produzir um fragmento de uma
toxina originalmente secretada pela Escherichia coli, espécie
bacteriana comumente presente no intestino humano.
“Algumas bactérias E.
coli produzem toxinas sensíveis ao calor, conhecidas pela sigla LT [do
inglês heat-labile toxin], que são altamente imunogênicas, isto é,
induzem uma forte resposta do sistema imune. Na vacina recombinante nós usamos
um fragmento detoxificado LT [denominado LTAK63]. Ele não é capaz de causar
doença, mas mantém a imunogenicidade, então funciona como um adjuvante da
vacina BCG”, explica Cerqueira Leite.
Segundo a pesquisadora, os
primeiros estudos usando a estratégia de BCG recombinante visavam o desenvolvimento
de uma vacina neonatal contra a coqueluche. “Isso porque a BCG pode ser dada ao
nascimento, enquanto o imunizante atualmente disponível contra a coqueluche [a
vacina tríplice bacteriana, ou DTP] só oferece proteção a partir dos seis meses
de idade. Nesse caso, usamos um fragmento da toxina produzida pela bactéria da
coqueluche [Bordetella pertussis]”, relata.
Diante dos resultados
promissores, a mesma plataforma vem sendo empregada na busca de novas e
melhores vacinas contra coqueluche, tuberculose, pneumonia (causada por Streptococcus
pneumoniae ou pneumococo) e esquistossomose, bem como no tratamento do
câncer de bexiga (caso em que se usa a vacina para “acordar” o sistema imune,
estimulando-o a atacar o tumor).
Nos experimentos feitos com o modelo
animal de tuberculose, observou-se que a BCG recombinante reduz em cem vezes a
quantidade de bactéria no pulmão e também diminui a inflamação no órgão. “Ao
tentar matar a bactéria, as células de defesa acabam atacando tudo o que está
por perto e causam lesão nos tecidos. Mas o pulmão dos animais imunizados com a
BCG recombinante é branquinho, menos inflamado. Agora, ao detalhar o mecanismo
de ação das duas vacinas, a gente entende por que isso acontece”, diz Cerqueira
Leite.
Toda a parte de sequenciamento
de RNA foi conduzida em Shenzhen, na China, pela empresa BGI, que presta
serviços de genômica para laboratórios de todo o mundo. Colaboraram nos estudos
pesquisadores do Shenzhen Institute of Advanced Technology, da Universidade de
São Paulo (USP), Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein,
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) da Bahia, das farmacêuticas Novartis e GSK, do
Institut Pasteur e da Universidade Federal de Goiânia (UFG), entre outros
parceiros.
Antes de iniciar os estudos
clínicos, o grupo pretende fazer mais uma rodada de testes em bovinos. Segundo
Cerqueira Leite, a expectativa é que produção dos lotes experimentais do
imunizante ocorra em 2025 e que os ensaios comecem no ano seguinte. “Em humanos
poderíamos iniciar em seguida, mas será mais caro e precisaremos conseguir o
financiamento.”
Para saber mais sobre a FAPESP
Week China acesse: fapesp.br/week/2024/china.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/resultados-de-nova-vacina-contra-a-tuberculose-sao-apresentados-na-fapesp-week-china/52127
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