Do Facebook, edito diálogo ocorrido no grupo Masculino. Cristiane publica: “Sobre os relacionamentos, o amor... Parece-me que o capitalismo também o tomou. Borges: ‘O amor é amizade e sexualidade. Para que o amor seja duradouro é necessária uma conversa contínua, uma troca de duas vozes sempre redescobrindo a si mesmas. Na atualidade o amor quer liberdade tipo: Você me agrada, ficamos juntos, você me cansa, eu o dispenso. Experimentamos o outro como um produto’. , o amor é uma aventura de que não queremos nos privar, mas com a condição de que ela não nos prive de nenhuma outra”.
Marlusa:
“Muito pertinente. É o perigoso caráter utilitário que as coisas vêm tomando.
Acredito que isso não serve para relacionamentos, amores, amizades”. Cristiane:
“O amor (não o romântico, mas o citado) exige reciprocidade, não só porque
declarar o amor significa uma demanda, mas também porque aponta que, no outro,
algo faz com que ele seja amado. Muitos preferem viver isolados, com seus
sintomas, a se lançarem ao outro, com medo de serem apenas desejados,
admirados, e não verdadeiramente amados. Desejo satisfeito, descartado...”.
Rui:
“Interessante... Estava pensando: Está-se dispensando o amor, priorizando-se a
‘zona de conforto’ da individualidade?”. Provoco: “Ainda bem. Já pensou se o
amor continuasse como um arranjo de família católica medieval?”.
Tania: “O
amor [...] toma a vida, o sexo, os sentimentos por inteiro. Nada mais falta. Já
relacionamentos, esses têm espaço para muitos; a individualidade fica
preservada e os sentimentos são contidos. É o comum de se encontrar. O amor anda
raro”. Manifesto-me: “O amor monogâmico, disciplinador, sim. O amor demarcado
pelo concílio de Trento ditou essa forma irreal, e desde então as pessoas
submetem-se a ela, até acontecer a sua ‘naturalização’. Isso é uma disciplina,
não é um afeto. Ademais, na vida sempre há falta, com ou sem amor; com o que se
chama amor tenta-se, desesperadamente, supri-la. Nenhum amor se sustenta sem
falta”.
Lucas:
“Gostei da tua provocação. Em perspectiva histórica, nunca houve momento tão
progressista no tocante às liberdades individuais e possibilidades de
enlaçamentos afetivos. Isto não necessariamente rebaixa o nível do amor, apenas
torna suas formas mais plurais. Contudo, classificar qualquer experiência de
gozo [gozo, na linguagem psicanalítica, é associado a excesso] como ‘amor’ tem
sido algo rotineiro na sociedade contemporânea (algo que Bauman discutiu em
amor líquido), possivelmente gerando sintomas individuais e sociais como a
angústia e o descomprometimento ético”.
Cristiane:
“Angústia, descomprometimento ético, desrespeito, objetificação do outro...
Concordas? Afinal, também somos resultado da cultura. Vivemos em sociedade.
Adaptar-se não é aceitar”. Lucas: “Concordo. Só temos que tomar cuidado para,
com esta crítica, não fomentar discursos conservadores que pregam o retorno a
antigos valores. O amor sofre o efeito do significante e só faz sentido nas
interações culturais. É um valor mutável, com variância histórica e
individual”. Cristiane: “Discursos conservadores, retorno de valores antigos...
Mas o outro objetificado, produto descartável nos discursos, relacionamento
modernos... Preocupa, assusta”.
Respondo a
Lucas e Cristiane: Desejo com comprometimento ético? Ora, desejo é conteúdo
“essencial”. Ética é circunstancial, ideológica. Cultura pede castração (em
linguagem psicanalítica, não ser o dono do mundo), mas não pede disciplina,
submissão às instituições. A sociedade precisa de democracia, vida plural,
aberta. Isso conflita com a institucionalização dos desejos. Menos Concílio de
Trento, mais Maio de 1968”.
Lucas: “A
moral é ideológica; a ética é circunstancial e humana, assim como o desejo. O
comprometimento ético com o outro é necessário para interditar o gozo. Sem ele,
o outro não pode ser reconhecido como um outro do laço social ou um outro
enquanto objeto de desejo, mas apenas como objeto de gozo, reificado [tratado
como coisa] para consumo e satisfação imediata. E quanto a Maio de 68? Sim,
precisamos de mais. Urgentemente! Concílio de Trento significa a retenção do
desejo; Maio de 68, a sua democratização”.
Divirjo de
Lucas: “Moral é pressão social; ética é deliberação de foro pessoal. Ambas são
ideológicas. E, sim, há que existir comprometimento, mas qual? O fundado na
tradição católica? O libertário de 68? Um que seja eleito entre as partes
interessadas? E se me falam em sociedade: Que preceitos me alcançarão? Eu os
polemizarei, eventualmente os recusarei, ou os acatarei obedientemente? A
reificação aludida, a coisificação, é não compreender que, se não faço
escolhas, sou coisa produzida. Há que se interditar (castrar, em psicanalês) o
gozo que objetifica. Mas eu me interdito. Se me deixo interditar pelos
costumes, alieno-me (ou já estava alienado). Aí eu não estaria reputando o
outro como respeitável, mas acatando normas sistemáticas".
Lucas
reitera que “o comprometimento entre as partes deve prevalecer”. Retomo:
“Comprometimento derivado da vontade das partes, interveniência dos envolvidos
sobre a relação. Não é o comum. As pessoas se ajustam às molduras da sociedade.
Não exercem vontade; obedecem. Servidão voluntária (La Boétie). Os voluntários
da obediência ‘gozam’ as circunstâncias que os acachapam. Submetem seu desejo e
até seu gozo à disciplina, sem diferenciar contenção civilizatória de
disciplina institucional”.
Lucas
retoma Bauman, pensador da modernidade líquida: Certezas e relações tornam-se
fluidas, instáveis. Reitero: assim é melhor. O “antigamente” era sólido em
decorrência de violência institucional sobre as pessoas. Para ficarmos no amor:
era submetido à vontade do patriarca, da igreja católica, do Estado, que
prescreviam conteúdo e forma, vigiando e punindo desvios.
Borges e Bauman defenderam as formas passadas. Respeitosamente, divirjo. Penso no enlace amoroso. Antes: papéis, proclamas, cerimônias. O Estado fiscalizava casamento e separação. Hoje são possíveis outros caminhos: declara-se em compromisso sério pelo Facebook. Quando acaba o gosto, o afeto, o amor, se as partes são sensatas, cada qual sensatamente se vai. E a vida continua. Livre, leve e solta. A meu ver, ainda bem.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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