Distribuição espacial da concentração de fósforo
total nos solos da Amazônia
(crédito: imagem adaptada de Darela-Filho et al.,2024)
Pesquisa traz nova metodologia para descrever quantidade do mineral, que tem importância no ciclo de crescimento da vegetação e pode afetar a resposta da floresta às mudanças climáticas
Com os impactos das mudanças
climáticas afetando cada vez mais o cotidiano de moradores de vários países,
entre eles o Brasil, a resiliência das florestas, especialmente tropicais, como
a Amazônia, tem sido tema frequente de pesquisas. Além de estudar diversos
fatores que influenciam a maneira como a vegetação reage ao aquecimento global,
os cientistas buscam aprimorar os modelos de vegetação – que são ferramentas
com papel crucial na compreensão e gestão dos ecossistemas, contribuindo para a
conservação da biodiversidade e para o desenvolvimento sustentável.
E é exatamente essa combinação que
está descrita em pesquisa publicada na revista Earth System Science
Data por um grupo ligado a instituições brasileiras. O trabalho
resultou em uma série de mapas que descrevem com maior precisão a quantidade
das diversas formas químicas de fósforo no solo da Amazônia.
“Construídos” com base em nova
metodologia baseada em inteligência artificial, os mapas confirmam que a região
tem uma concentração muito baixa do mineral. O impacto disso é que a falta de
fósforo afeta o ciclo de crescimento das espécies e pode, por exemplo, impedir
que as árvores reajam ao aumento de gás carbônico associado às mudanças
climáticas.
“Quando estávamos trabalhando em
modelos de vegetação para entender comportamentos climáticos da Amazônia,
percebemos que havia informações pontuais sobre as quantidades de fósforo no
solo. Normalmente, nos métodos anteriores, esses mapas usavam apenas os tipos [classes]
de solo como preditores do mineral. Vimos que seria necessário incluir outros
atributos ambientais e, para isso, desenvolvemos uma nova técnica estatística,
baseada em aprendizado de máquina a partir dos dados já existentes”, explica o
pesquisador João Paulo Darela Filho,
que atualmente faz pós-doutorado na Universidade Técnica de Munique (Alemanha).
Primeiro autor do artigo, Darela
Filho começou a trabalhar no projeto quando estava no doutorado, finalizado em
2021. Sua pesquisa recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos (17/00005-3 e 19/08194-5).
À época, seu foco era incluir no
modelo Caetê os dados
sobre ciclos de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, importantes no
entendimento do comportamento do crescimento das árvores. O Caetê, que na
língua tupi-guarani significa “mata virgem”, é um algoritmo capaz de projetar o
futuro da vegetação amazônica, apresentando cenários com transformações da
floresta.
Primeiro desse tipo exclusivamente
brasileiro, seu nome vem da sigla CArbon and Ecosystem functional-Trait
Evaluation model, que em tradução livre é: modelo para avaliação de
características funcionais de carbono e de ecossistema. Também teve apoio da FAPESP
por meio do AmazonFACE, um programa que inclui
experimento de campo e estuda como o aumento de dióxido de carbono (CO2)
atmosférico afeta a floresta, sua biodiversidade e os serviços ecossistêmicos (leia
mais em: agencia.fapesp.br/41424).
O Caetê foi desenvolvido pela equipe
do Laboratório de Ciência do Sistema Terrestre, da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), coordenado pelo professor David Montenegro Lapola,
que também é autor do artigo com Darela Filho.
“Os mapas elaborados sob a liderança
do João Darela são um passo indispensável para avançarmos no entendimento de
como florestas tropicais, que geralmente são limitadas por fósforo, vão reagir
às mudanças climáticas e a outras perturbações humanas”, diz Lapola à Agência
FAPESP.
Resultados
Os pesquisadores usaram dados de 108
locais da Amazônia. Aplicaram uma abordagem com base em modelos de regressão
aleatória de floresta treinados e testados para a previsão de diferentes formas
de fósforo – total, disponível, orgânico, inorgânico e ocluído (quando está
ligado a outras substâncias). Utilizaram também informações dos tipos de solo
de referência e outras propriedades, como geolocalização, quantidades de
nitrogênio e carbono, elevação e inclinação do terreno, pH do solo,
precipitação anual média e temperatura.
Os modelos de regressão de floresta
apresentaram níveis de precisão média acima dos 64%, dependendo da forma de
fósforo. Para o total do mineral, a precisão chegou a 77,3%.
O resultado da pesquisa mostrou que a
concentração média de fósforo total encontrada no conjunto de dados analisados
foi de 284,13 miligramas para cada quilograma de solo (mg kg−1). A quantidade é
considerada baixa quando comparada à média global – de 570 mg kg−1. Ao analisar
os mapas, detectou-se que os locais mais ricos em fósforo estão na fronteira
entre os Andes e a Amazônia em contraste com os solos mais antigos das baixadas
amazônicas, localizadas na região leste.
Os cientistas avaliam que os novos
mapas podem ser úteis para parametrizar e avaliar modelos de ecossistemas
terrestres, podendo, até mesmo, trazer respostas sobre a relação solo-vegetação
na região amazônica.
“O aprendizado de máquina, com o uso
da inteligência artificial, será cada vez mais aplicado na ciência,
especialmente para projeções futuras. Nossos mapas podem ser usados por outros
pesquisadores visando entender como serão as respostas da Amazônia frente às
mudanças climáticas”, completa Darela Filho.
Um estudo internacional liderado por
brasileiros, entre eles Lapola, e destacado na capa da revista Nature em
fevereiro mostrou que quase metade da Amazônia caminha para um ponto de não
retorno até 2050, ou seja, com as secas extremas e o desmatamento, a floresta
deve perder sua resiliência.
A pesquisa estimou que entre 10% e
47% das áreas na região estarão expostas a perturbações e ameaças, podendo
desencadear transições “inesperadas” nos ecossistemas e exacerbar as mudanças
climáticas regionais. Foram considerados como situações de estresse o
desmatamento acumulado, o aquecimento global, a quantidade de chuva anual no
bioma, a intensidade da sazonalidade das chuvas e a duração da estação seca. O
risco é a conversão do bioma em áreas de savana, incapazes de cumprir o papel de
sequestro de carbono.
O artigo Reference maps of
soil phosphorus for the pan-Amazon region pode ser lido em: https://essd.copernicus.org/articles/16/715/2024/.
E os mapas estão acessíveis em: https://redu.unicamp.br/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.25824/redu/FROESE.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/mapas-desenvolvidos-com-inteligencia-artificial-confirmam-baixos-niveis-de-fosforo-no-solo-da-amazonia/51443
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