Ação pode ser
iniciada pelo cônjuge que não consegue obter a concordância ou contato do outro
para realizar o divórcio consensual
A decisão tomada por Camila Moura, ex-esposa do ex-BBB Lucas Henrique, de se divorciar enquanto o cônjuge estava confinado no programa, gera uma série de dúvidas sobre as formas legais de se encerrar o casamento. Luciana Musse, professora de Direito de Família do Centro Universitário de Brasília (CEUB) e advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, explica a modalidade de divórcio unilateral, que tem crescido consideravelmente no Brasil, e defende a importância do auxílio jurídico nestes casos.
Segundo levantamento realizado pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) entre 2018 e 2022, houve um aumento médio anual de
15% no número desse tipo de divórcio no país. Previsto no novo Código Civil
brasileiro, o divórcio unilateral, também conhecido como divórcio liminar ou
impositivo, concede ao interessado o poder de buscar e obter o divórcio sem a
necessidade de manifestação prévia da parte contrária e sem passar pelo
Judiciário, se assim desejar.
Confira a entrevista, na íntegra:
Como o divórcio unilateral direto
no cartório difere do divórcio consensual extrajudicial em termos de
procedimento?
LM: O divórcio unilateral é fruto do desejo ou da
decisão de apenas um dos cônjuges, que também pode ser o único a ter
conhecimento prévio da medida. Já o divórcio consensual extrajudicial resulta
da vontade ou da concordância de ambos os cônjuges, que conhecem e participaram
igualmente da decisão. Atualmente, o divórcio unilateral é feito apenas
judicialmente e somente o divórcio consensual pode ser feito em cartório.
Qual é a principal mudança em
relação ao divórcio no novo Código Civil?
LM: O diferencial é o reconhecimento do divórcio
unilateral como um direito potestativo - ou seja, um direito que não depende de
ninguém para existir ou ser exercido, nem mesmo do outro cônjuge - que poderá
ser concretizado extrajudicialmente, ou seja, em cartório, sem o acionamento do
Poder Judiciário.
Quais são os requisitos
necessários para que um cônjuge possa requerer o divórcio de forma unilateral
no cartório?
LM: A reforma do código civil propõe que, para
realizar o divórcio unilateral, extrajudicialmente, algumas exigências precisam
ser cumpridas: o pedido deve ser feito no Cartório do Registro Civil onde o
casamento ocorreu; é necessário que o pedido seja assinado pelo interessado e
por um advogado particular ou defensor público. Também é preciso comprovar que
o outro cônjuge foi notificado previamente e pessoalmente sobre o pedido de
divórcio, ou que ele esteja presente no cartório, ou ainda que tenha
conhecimento do pedido de divórcio.
Como a notificação prévia do
outro cônjuge ou convivente é realizada nesse processo de divórcio unilateral
direto?
LM: Será notificado prévia e pessoalmente para
conhecimento do pedido (por carta, e-mail, WhatsApp, ou outro meio de
comunicação), dispensada a notificação se a pessoa estiver presente perante o
oficial ou tiver manifestado ciência por qualquer meio. Se não se conseguir
encontrar o outro cônjuge para que seja notificado, realiza-se a notificação
por edital.
Como a Emenda Constitucional
66/2010 influencia a proposta de divórcio unilateral direto no cartório?
LM: A Emenda Constitucional n. 66/2010 aboliu a
figura da separação judicial, garantindo, assim, que o casal termine a
sociedade conjugal a qualquer tempo, diretamente pelo divórcio e vedando a
possibilidade de um casal apenas se separar judicialmente. Desde então, o
divórcio passou a ser considerado direito incontestável.
Quais são os argumentos
apresentados para justificar a necessidade de agilizar o processo de divórcio
unilateral?
LM: Não se exige de quem quer se divorciar que
apresente razões para exercer tal direito. Comparativamente, o divórcio
unilateral em cartório é mais rápido, com menos formalidades e mais barato do
que o realizado perante o Poder Judiciário.
Quais são os possíveis impactos
sociais e jurídicos da implementação do divórcio unilateral direto no cartório?
LM: Poderemos ter um maior número de formalização
de divórcios, já que há muitas pessoas separadas de fato ou separadas
judicialmente que, por questões financeiras ou jurídicas não se divorciaram
ainda. E, ao lado disso, poderemos ter um aumento no número de divórcios
unilaterais ou até mesmo consensuais.
Como fica a questão da partilha
de bens em casos de divórcio unilateral direto? Há alguma mudança prevista
nesse aspecto? Como a proposta aborda questões como guarda dos filhos, visitas
e pensão alimentícia em casos de divórcio unilateral direto?
LM: O novo código civil prevê que, além do fim ao
casamento, a única questão a mais que poderá ser enfrentada no divórcio
unilateral extrajudicial é a mudança do nome, o retorno do uso do nome de
solteiro por um dos cônjuges. Outros assuntos, como partilha de bens, guarda de
filhos, regime de convivência, pensão alimentícia, mudança de domicílio e
medida protetiva não poderão ser discutidos nesse procedimento. Se houver
consenso entre os cônjuges em relação à partilha de bens, guarda de filhos e
alimentos, o novo código civil prevê, no art. 1.582-B, a possibilidade de que
haja formalização por escritura pública.
Qual é a sua opinião sobre a
percepção da população de que o divórcio unilateral no cartório poderia dispensar
a necessidade de regularização da partilha de bens?
Dependendo do tempo que demorar para realizar a
partilha dos bens, as pessoas podem deixar de concretizá-la, o que poderá
prejudicar o ex-cônjuge que não está na posse ou na administração do patrimônio.
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