Neste ano completamos 30 anos da primeira lei que regulamentou a união estável no Brasil. É verdade que a Constituição, em 1988, já tinha reconhecido essa espécie de relação como família, mas foi a Lei nº 8.971, de 1994, que detalhou pela primeira vez os critérios da união estável – prazo mínimo de cinco anos ou prole –, direito recíproco a alimentos, direitos sucessórios e meação.
Ao longo dessas três décadas, os juristas brasileiros
se empenharam na valorização dessa família que se forma no plano dos fatos,
ressaltando, em todas as oportunidades, que não há hierarquia entre casamento e
união estável. Com esse fundamento, inclusive, o STF equiparou os direitos
sucessórios dos cônjuges e dos companheiros em 2017. Muito antes disso, a Lei
nº 9.278/96 já tinha ampliado a regulamentação da união estável e o Código
Civil de 2002 tinha afastado requisitos temporais para a sua constituição.
Quando se pensa em dignidade, cuidado e responsabilidade,
no sentido mais nobre dessas expressões, não há dúvida: o casamento e a união
estável ocupam o mesmo patamar como expressão legítima de formação de uma
família. Por isso, em qualquer livro, notícia ou artigo de doutrina, você vai
encontrar que são relações que atribuem os mesmos direitos. Aliás, isso tem
sido propagado aos quatro ventos e nunca na vida vi um tema jurídico tão bem
difundido. Em qualquer lugar, para qualquer pessoa que você perguntar, ela
saberá te responder que, no Brasil, “fazer união estável” é o mesmo que se
casar.
Só que nos meus mais de quinze anos de atendimento
a famílias, o que eu vi foi exatamente o contrário. Ainda que a lei garanta
pensão por morte no caso de união estável, eu perdi a conta de quantas vezes eu
tive que judicializar o reconhecimento post mortem da existência dessa
família. No momento das separações, o reconhecimento da relação, assim como a
garantia de uma meação justa são dificultadas, impondo aos conviventes uma
instrução probatória exaustiva.
Recentemente, ao cuidar de uma ação de
reconhecimento e dissolução de união estável, o Juiz sentenciou que, se as
partes tinham vivido juntos por três anos, era tempo suficiente para terem se
casado ou terem formalizado a união estável com testemunhas e que, se não o
fizeram, era porque não pretendiam ter essa espécie de relação. A decisão é
absurda, tanto que foi reformada no Tribunal. Mas a que custo para os
conviventes? Aliás, a que custo para o Poder Judiciário?
O que quero aqui é abandonar o apego que meus
colegas têm de repetir que a união estável é igual ao casamento quando
precisamos admitir que, no balcão das varas de família e das repartições
públicas, como o INSS, essas relações não são tratadas da mesma forma. Nós
precisamos admitir que, ressalvada a igualdade constitucional, no dia a dia do
chão do fórum, os efeitos não são os mesmos. Precisamos sair de nossas torres,
onde falar de dignidade humana parece apagar os percalços dos processos, para
contar para as pessoas à nossa volta que viver em união estável, especialmente
sem formalização, é um problema. Que a conta da informalidade uma hora chega e
costuma chegar altíssima.
Enquanto pessoas me contam que preferiram viver em
união estável para ser mais barato caso decidam se separar, outro dia fui em um
evento para advogados em que o palestrante partilhou que aumenta em 20% seus
honorários se a separação for de uma união estável. E faz sentido porque, no
caso, é preciso criar teses e provas sobre a existência em si da relação. A
conta não fecha.
Por isso, enquanto lutamos por igualdade nas
defesas de tese, peço que tenhamos responsabilidade de publicar nos jornais, de
dizer às pessoas à nossa volta, de explicar aos clientes que se eles tomaram a
decisão de formar uma família, que considerem seriamente a possibilidade de se
casar. E, caso entendam que a união estável lhes cai melhor, exercendo a
liberdade que possuem, que sejam orientados adequadamente sobre as muitas
maneiras de formalização da relação.
O problema não está nos diferentes tipos de família,
está no abismo entre a tribuna e o balcão.
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