A Patagonia, marca de roupas esportivas, anunciou
no ano passado a doação de 100% do seu negócio à causa da proteção climática no
mundo. Também nos Estados Unidos, a Greyston Bakery, padaria famosa por seus
brownies, emprega exclusivamente sem-tetos e ex-presidiários. Os dois exemplos
retratam bem uma linhagem de negócios que não vendem exatamente aquilo que
aparentam.
Mais do que roupas, o que a Patagonia
verdadeiramente vende é a defesa do meio-ambiente. Por sua vez, quem compra da
Greyston não está simplesmente levando um pão para casa, mas sim criando
empregos para melhorar a situação de moradores de rua.
Essa linha de raciocínio foi defendida por Eduardo
Yamashita, COO da Gouvêa Ecosystem, que durante a 11ª edição da Retail
Conference, promovida pela Associação Comercial de Campinas (Acic), provocou
empresários perguntando se eles sabem, de fato, o que vendem.
Ao procurar formas de se posicionar no mercado, o
mais comum é que as empresas se concentrem em seus produtos e serviços. E
embora sejam importantes, uma campanha de marketing deveria estar mais centrada
em divulgar propósito do que lançamentos e preços.
“As pessoas não compram o que você faz. Elas
compram por que você faz isso”. A frase de Simon Sinek, autor do livro Start
With Why, em português Por Que?: Como grandes líderes inspiram ação, foi
relembrada por Yamashita.
Nesse sentido, o especialista aponta que por maior
que seja a qualidade daquilo que uma empresa faz, isso de forma isolada não é
suficiente para funcionar como razão de compra. Entretanto, quando uma marca
passa a ser reconhecida pelos seus “porquês”, as ações de marketing passam a
fluir de maneira quase natural.
"Conceitos claros ajudam a entender 'quem' a
empresa é e com quem quer falar. Esse diálogo faz com que o público passe a ter
maior disposição para criar e manter relacionamentos com a marca", diz.
Um exemplo popular desse pensamento é o trabalho
desenvolvido pela Dove. A concorrência do mercado de sabonetes é enorme,
disputado por grandes marcas, mas é a Dove que associamos àquelas propagandas
com diferentes corpos e mulheres.
Fazer um produto cheiroso que hidrata a pele, de
certa forma, é fácil. No entanto, ser associado a um movimento de autoconfiança
feminina ficou restrito à marca que trabalha, desde 2004, a autoestima das
mulheres explorando o belo em diferentes padrões de beleza em suas campanhas.
Na prática, e de forma generalista, a Havaianas não
vende chinelo, e sim materializa a alegria de viver do brasileiro de um jeito
simples. A Nike não vende tênis, mas traz inspiração e inovação para cada
atleta do mundo. Com mais de 11 mil itens nas prateleiras, o Wallmart vende
mais barato para as pessoas viverem melhor.
GREYSTON BAKERY E O IMPACTO LOCAL
"Não contratamos pessoas para assar brownies.
Assamos brownies para contratar pessoas". É a partir desse mote que a
Greyston Bakery se apresenta ao consumidor.
Fundada na década de 1980, em Yonkers, no estado de
Nova York, por Bernie Glassman, a padaria se empenha em não só fornecer
empregos, mas também eliminar barreiras ao emprego enquanto brownies são
assadas em sua cozinha.
Com sua política de contratação aberta, que aceita
pessoas sem fazer perguntas, sem verificações de antecedentes e nenhuma
pré-triagem, qualquer pessoa que queira um emprego terá a chance de trabalhar.
Quando uma vaga se torna disponível, a próxima pessoa na lista de espera a recebe.
Avaliada em US$ 12 milhões e com 130 funcionários,
além de ter a Ben&Jerry’s como sua maior cliente, a marca faz brownies e
biscoitos para distribuição no atacado e no varejo - sempre com fila na porta
da loja.
Ao longo dos últimos 30 anos, o impacto dessa
política tem sido imenso. A Greyston é muito importante para melhorar a mão de
obra local por meio de treinamentos e primeiros empregos. Entre outras
realizações, fornece moradia acessível a 530 moradores de Yonkers – 35% deles
ex-sem-teto – além de cuidar de 130 crianças.
Apesar do título de padaria, o negócio é mesmo
focado na produção de brownies - e não à toa. Com o tempo, Bernie Glassman foi
percebendo que uma produção de pães, como se esperava originalmente, limitaria
a quantidade de trabalhadores não qualificados contratados.
Em uma conversa com dirigentes da Ben&Jerry's,
o empresário falou sobre seu desejo de absorver mais funcionários sem
qualificação. Foi então que surgiu a parceria da marca com a padaria, e que
levou a produção de brownies a outra escala. Com preparos mais simples, o
processo do brownie pode ser facilmente ensinado a quem deseja trabalhar.
A Greyston criou a contratação aberta em 1985.
Hoje, qualquer um que quiser um emprego pode aparecer e, se houver vaga, está
automaticamente contratado. Se não, o nome é colocado em uma lista e chamado
quando houver uma vaga.
Registros criminais, status de imigração, falta de
experiência de trabalho: nada disso importa. Para o executivo, o que vale é a
necessidade de cada um naquele momento, como a pessoa se sair no treinamento e
como desempenha seu trabalho.
PATAGONIA PELO MUNDO
Adorada por quem a conhece, a Patagonia consegue
definir seu sucesso por meio de práticas contra-intuitivas de se fazer
negócios. Anticonsumo e recommerce são palavras de ordem no vocabulário de uma
empresa de roupas que cresce convencendo seus consumidores a comprar menos.
Há pouco menos de um ano, o fundador da Patagonia,
Yvon Chouinard, convenceu toda a sua família - única dona da empresa - a
transferir toda a marca a um fundo e a uma organização sem fins lucrativos que
irá dedicar todos os lucros gerados pela empresa à defesa do meio ambiente.
O anúncio veio por meio de uma carta da família
Chouinard, com o título ‘Earth is now our only shareholder’ (A Terra é agora
nosso único acionista). Desde então, 100% do capital votante da Patagonia
pertence à Patagonia Purpose Trust, entidade criada pela própria empresa para
proteger seus valores.
Famosa pelo mundo, a marca de vestuário outdoor é
avaliada em cerca de US$ 3 bilhões.
As ações que não dão direito a voto foram doadas à
Holdfast Collective, instituição que se compromete a combater a crise ambiental
e demais questões do tipo. A decisão reforça o propósito da empresa desde seu
surgimento, em 1973, e levanta a bandeira de que, mais do que adotar o ESG na
teoria, é preciso levá-lo para ações práticas.
"A Patagonia não vende roupas. Vende um modelo
de consumo mais responsável e justo. Se o zíper quebrou ou o tecido rasgou,
eles consertam na loja. Não induzem a comprar algo novo", diz Yamashita.
Fabricando e vendendo roupas de qualidade e de alto
preço, a Patagonia não incentiva que as pessoas comprem seus produtos. Entre as
principais mensagens para quem entra no site da empresa está: "Vendemos
coisas feitas para durar e serem úteis. Pedimos aos nossos clientes que não
comprem de nós o que não precisam ou podem realmente não usar. Tudo o que
fazemos custa mais ao planeta do que devolve".
Há décadas, a empresa conserta de graça roupas
velhas dos clientes e, quando eles querem se desfazer delas, ajuda a vendê-las
em formato de bazar. A justificativa é que como são roupas de alta
durabilidade, a margem de lucro em itens individuais são maiores e suficientes
para manter a empresa viva.
Mesmo assim, todo esse movimento anticonsumismo
reforça ainda mais o volume de vendas da Patagonia. Há alguns anos, durante a
black friday, a empresa encorajou os consumidores a manterem as roupas em vez
de comprar novas.
Como parte da campanha, organizaram festas e
eventos de roupas usadas e lançaram um curta sobre o tema. Enquanto as vendas
do segmento cresceram 2,3% em relação ao ano anterior, a Patagonia aumentou
suas vendas em 42%.
Há quem não concorde, mas Yamashita destaca que os
novos comportamentos de consumo, aliados à importância da diversidade e
sustentabilidade, vêm sendo mais observados pelo consumidor e cobrados das
marcas.
Encontrar uma conexão com clientes pode ir muito
além de uma questão de estilo de vida - seja qual for o segmento. Os exemplos
de líderes como Chouinard e Glassman servem de inspiração para criar marcas
mais genuínas.
O compromisso de vender o melhor produto ou serviço
nem sempre passa somente pela alta qualidade dos materiais. Pensar em processos
reparáveis e sustentáveis pode tirar o protagonismo da marca e dá-lo a quem
realmente interessa: o consumidor.
Mariana Missiaggia
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/voce-sabe-exatamente-o-que-o-seu-negocio-vende
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