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domingo, 18 de junho de 2023

NOTA TÉCNICA SOBRE O PL 2.237/2019

O Projeto de Lei estabelece diretrizes e normas para a garantia de atendimento aos princípios de bem-estar dos animais domésticos e silvestres


I - Sobre o mérito

 

O bem-estar animal é um dos principais tópicos de interesse na pecuária moderna e é uma ciência já bem estabelecida. Definido como o “estado físico e psicológico de um indivíduo em relação às suas tentativas de se adaptar ao meio em que vive”1 , pode variar em um contínuo que vai de extremamente positivo a extremamente negativo2 , determinando a escala de qualidade de vida dos animais. Tratando-se de animais de produção, todos os anos, mais de 80 bilhões de animais terrestres em todo o mundo são criados para fornecer carne, leite, ovos e outros produtos para consumo humano3. É importante notar que esses animais são seres sencientes, ou seja, capazes de sentir emoções, como medo e felicidade4 . Compreender suas necessidades permite melhorar a qualidade de vida desses animais e tornar os sistemas produtivos mais sustentáveis.

 

Com os avanços dos estudos e discussões sobre o tema, foi proposto o modelo dos Cinco Domínios do Bem-Estar Animal5, projetado como uma ferramenta para avaliar o bem-estar de forma completa, sistemática e abrangente, e que foram contemplados na proposição original. São eles: 1) Nutrição: envolve questões de acesso à água e alimentação adequada; 2) Ambiente: trata aspectos relacionados a recursos e desafios ambientais, tais como frio, calor, espaço e manejo); 3) Saúde: envolve questões de condicionamento físico, diagnóstico e tratamento de doenças, ferimentos e comprometimento funcional; 4) Comportamento: relativo a possibilidades de manifestar o repertório comportamental natural da espécie e de interações com animais humanos6 e não-humanos (da mesma espécie ou não); 5) Mental: envolve tudo o que se refere a estados mentais negativos, tais como dor, fome, medo, e estados mentais positivos, como felicidade e segurança7. Dessa forma, é possível definir um status no qual os animais se encontram, e planejar soluções para reverter os domínios que estão inadequados, trazendo equilíbrio para o bem-estar animal8.


 

II - Nossas recomendações

 

Reconhecer que o bem-estar é relevante para todos os animais sencientes é de extrema importância, e com isso possibilitar avanços para todos, e evitar que determinadas espécies sejam desassistidas pela legislação.

 

Por isso, recomenda-se que o texto original da proposição seja utilizado, especialmente com a manutenção dos artigos 6º, 7º e 8º, por meio da seguinte argumentação:

 

A Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), organismo intergovernamental do qual o Brasil é signatário - e que inclusive foi citado com grande importância no primeiro relatório apresentado na CAPADR - sofreu mudanças notáveis nas últimas décadas com relação às questões e preocupações sobre o bem-estar animal9,10, incluindo o tema tanto em seu Código Sanitário de Animais Terrestres11, quanto em seu Código Sanitário de Animais Aquáticos12. Em 2016, o tema foi também incluído nas recomendações para desenvolvimento de agricultura sustentável, segurança alimentar e nutrição do Comitê de Segurança Alimentar da FAO13, reconhecidamente outro importante órgão intergovernamental. Assim, reforça-se a ideia de que é imprescindível que o bem-estar animal seja levado em conta quando são abordados os sistemas produtivos e a criação de animais para alimentação humana.

 

Um argumento que é comum ser colocado é que o bem-estar animal “tende” a elevar os custos de produção, e que pode inviabilizar economicamente pequenos criadores ou prejudicar famílias de baixa renda. No entanto, é importante notar que o bem-estar animal não necessariamente eleva os custos de produção14. É plenamente possível realizar melhorias no manejo e no ambiente sem que qualquer novo investimento financeiro seja realizado15. Inclusive diversas instituições de ensino e pesquisa promovem palestras e demonstrações técnicas de como fazê-lo, assim como organizações sem fins lucrativos, como a Alianima, e sem custo. Outro ponto essencial é que o bem-estar animal pode trazer benefícios para os pequenos produtores. Eles podem ter um produto diferenciado no mercado e agregar valor, haja vista o exemplo de produtores de ovos livres de gaiolas16 .

 

Além disso, diversas empresas estão se comprometendo com melhores práticas de bem-estar animal, e adequando suas operações17, sendo importante terem o respaldo legal do bem-estar animal descrito na legislação vigente, para que tenham segurança jurídica no desenvolvimento e aprimoramento dos processos produtivos que contemplem os animais. Para apoiar este aprimoramento, um ponto que poderia ser incluído no texto do projeto, é que incentivos financeiros devem ser criados para criar condições mais favoráveis para os produtores.

As recomendações individuais e legislação específica para animais de produção devem continuar evoluindo e sendo feitas pelos órgãos competentes, mas em nada anulam os princípios básicos de bem-estar animal aos quais todos os seres devem estar submetidos, independente de espécie ou finalidade. Assim, é fundamental que os artigos 6º, 7º e 8º sigam constando no PL, como proposto inicialmente.

  



1 BROOM D. M. (2004). Animal welfare: concepts and measurement. Journal of Animal Science, 69(10): 4167-4175. DOI: 10.2527/1991.69104167x.

2 BROOM D. M. & MOLENTO C. F. M. (2004). Bem-estar animal: conceito e questões relacionadas - revisão. Archives of Veterinary Science, 9(2):1-11. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/avs.v9i2.4057.

3 ORZECHOWSKI K. (2022). Global animal slaughter statistics & charts: 2022 update. Disponível em: https://faunalytics.org/global-animal-slaughter-statistics-charts-2022-update/. Acesso em: 12 maio 2023.

4 ROWAN A. N. et al. (2021). Animal sentience: history, science, and politics. Animal Sentience, 31(1):1-21. DOI: 10.51291/2377-7478.1697.

5 MELLOR D. J. & REID C. S. W. (1994). Concepts of animal well-being and predicting the impact of procedures on experimental animals. Improving the well-being of animals in the research environment, 3-18.

6 MELLOR D. J. et al. (2020). The 2020 five domains model: Including human–animal interactions in assessments of animal welfare. Animals, 10(10): 1870. DOI: 10.3390/ani10101870.

7 MELLOR D. & BEAUSOLEIL N. (2015). Extending the ‘Five Domains’ model for animal welfare assessment to incorporate positive welfare states. Animal Welfare, 24(3): 241-253. DOI:10.7120/09627286.24.3.241.

8 MELLOR D. J. (2016). Moving beyond the ‘Five Freedoms’ by updating the ‘Five Provisions’ and introducing aligned ‘Animal Welfare Aims’. Animals, 6(10): 59. DOI: 10.3390/ani6100059.

9 BAYVEL A. C. D., et al. (2005). Animal welfare: global issues, trends and challenges. Disponível em: https://norecopa.no/textbase/animal-welfare-global-issues-trends-and-challenges. Acesso em 08 maio 2023.

10 PETRINI A. & WILSON D. (2005). Philosophy, policy and procedures of the World Organisation for Animal Health for the development of standards in animal welfare. Revue Scientifique Et Technique-Office International Des Epizooties, 24(2): 665-671.

11 WOAH. (2022). Terrestrial animal health code. Disponível em:

https://www.woah.org/en/what-we-do/standards/codes-and-manuals/terrestrial-code-online-access/. Acesso em: 10 maio 2023.

12 WOAH. (2022). Aquatic animal health code. Disponível em:

https://www.woah.org/en/what-we-do/standards/codes-and-manuals/aquatic-code-online-access/. Acesso em: 10 maio 2023.

13 BULLER H., et al. (2018). Towards farm animal welfare and sustainability. Animals, 8(6): 81. DOI: 10.3390/ani8060081.

14 GAMEIRO A.H., et al. (2017). Viabilidade econômica e bem-estar de animais de produção. Novos Desafios da Pesquisa em Nutrição e Produção Animal. 1 ed.Pirassununga: Editora 5D, p. 70-90. Disponível em: http://posvnp.org/novo/wp-content/uploads/2017/12/xi-simposio-vnp-pos-graduacao.pdf. Acesso em: 26 maio 2023.

15 PARANHOS DA COSTA M. J. R. (2006). Relação entre manejo racional e bem-estar bovino. Visão Agrícola - Universidade de São Paulo. Disponível em:

https://www.esalq.usp.br/visaoagricola/sites/default/files/va03-ambiente04.pdf. Acesso em: 26 maio 2023.

16 OBSERVATÓRIO ANIMAL. Estudo de Caso: Abrindo as Gaiolas - 2a edição. Disponível em: https://observatorioanimal.com.br/abrindoasgaiolas/. Acesso em: 26 maio 2023.

17 OBSERVATÓRIO ANIMAL. Compromissos de bem-estar animal. Alianima. Disponível em: https://observatorioanimal.com.br/compromissos/. Acesso em: 10 maio 2023


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