Neste mês acontece a campanha junho violeta de
combate ao ceratocone, doença degenerativa na córnea que responde por 7 em cada
10 transplantes de córnea no Brasil. O oftalmologista Leôncio Queiroz Neto,
presidente do Instituto Penido Burnier de Campinas e membro do CBO (Conselho
Brasileiro de Oftalmologia) explica a doença geralmente surge na adolescência,
mas pode também ter início na infância e neste caso a progressão é bastante
rápida. O ceratocone é caracterizado pelo afinamento e abaulamento da córnea
que normalmente é esférica e passa a ter o formato de um cone. No início a
correção visual é feira com óculos, mas conforme a doença progride é indicado o
uso de lente de contato rígida para aplanar o formato da córnea e melhorar a
acuidade visual. Para contribuir com o combate do ceratocone, Queiroz Neto divulga o resultado de um levantamento que
realizou nos prontuários de 300 pacientes do hospital em que foram
identificados os seis hábitos que mais contribuem com a progressão da doença.
São eles:
1. Coçar os
olhos
Metade dos participantes têm alguma doença alérgica que predispõe à alergia ocular, diz Queiroz Neto. Para piorar o oftalmologista explica que o ceratocone provoca coceira nos olhos porque faz a córnea se mover com a fragilização de suas fibras e alteração da curvatura. O problema é que quanto mais os olhos são coçados, maior é o enfraquecimento das fibras de colágeno da córnea e a progressão do ceratocone. Para reduzir as crises de coceira a dica do especialista é resfriar os olhos com aplicação de compressas frias de duas a três vezes ao dia e usar colírio antialérgico ou anti-inflamatório prescrito por um oftalmologista.
Amanda
Silva (35) conta que tem rinite alérgica crônica e por isso o hábito de coçar
os olhos sempre a acompanhou. Só parou de coçar em março do ano passado quando
fez o transplante de córnea no olho esquerdo. Ficou apenas três meses na fila
porque foi inscrita em regime de urgência. “Não sei quando meu ceratocone
apareceu. Mas, no começo do ano passado, tive um dor horrível nos olhos e
enxergava tão pouco que já não podia sair na rua sozinha. Ainda estou com os
pontos e nem sei quando vou poder tirar. Quando estiver recuperada entro a fila
novamente para transplantar a outra
córnea, mas não coço mais o olho”, desabafa.
2. Negligência
na lubrificação dos olhos
Queiroz
Neto afirma que o hábito de esfregar o olho e o formato cônico da córnea
aumentam o risco de ressecamento da lágrima que também provoca coceira nos
olhos. Hoje é possível prescrever com
precisão o tratamento mais adequado para cada paciente após um exame que
identifica qual camada da lágrima está deficiente. Por isso, para ele este
exame deveria ser incorporado ao acompanhamento oftalmológico de todo paciente
com ceratocone. “Não tem como orientar um paciente com alteração na lágrima
para não coçar os olhos”, observa.
3. Falta de um
par de óculos
O
oftalmologista ressalta que os óculos só oferecem boa correção visual no início
da doença. “Conforme o ceratocone progride a córnea se torna cônica. Por isso a
correção visual passa a exigir o uso de lente de contato rígida que aplana um
pouco o formato da córnea. O problema é que o levantamento mostra que 61% dos
que usam lente de contato não têm óculos de grau para substituir a lente, caso
sofra alguma irritação no olho. Queiroz
Neto afirma que é um erro porque manter o uso da lente de contato com irritação
nos olhos agrava o ceratocone e quem tem esta doença não consegue realizar as
atividades simples sem alguma correção da visão.
4. Mais da
metade, 68%, afirmaram que aplicam colírio sobre a lente de contato
Segundo
o especialista este comportamento diminui a vida útil da lente. Isso porque,
facilita a formação de depósitos que deformam suas bordas. Todo colírio,
ressalta, só deve ser instilado diretamente sobre a córnea, sem tocar o bico dosador
no olho para não contaminar o medicamento, pontua.
5. Um em cada
dois pacientes guardam a lente de contato no banheiro
Queiroz
Neto afirma que é um erro porque é o ambiente da casa com maior número de
bactérias e isso facilita a contaminação das lentes.
6. Um e cada
quatro só consulta o oftalmologista quando sente alguma alteração nos olhos
“As consultas periódicas são a porta de
entrada para manter a saúde ocular”, afirma. O ceratocone é uma doença
agressiva e por isso precisa de acompanhamento periódico, muitas vezes em
curtos espaços de tempo que variam conforme o estágio da doença e avaliação
oftalmológica, explica.
Causas menos
frequentes de transplante
Outras causas de transplante de córnea enumeradas
por Queiro Neto são:
·
Úlcera
bacteriana na córnea causada pela
higienização e manutenção incorretas da lente de contato.
·
Úlcera
viral que pode estar relacionada à
contaminação da córnea por alguma doença sistêmica ou contato do olho com a mão
contaminada na superfície de espaços públicos, corrimão de escada, interruptor
de luz ou equipamentos.
·
Úlcera
fúngica causada pelo uso excessivo de
colírios esteroides ou uso incorreto de lente de contato.
·
Trauma
que pode ser químico, quando uma substância
tóxica, incluindo excesso de luz ultravioleta, atinge a córnea, ou de atrito
nos casos de ferimento por corpo estranho, inclusive lente de contato mal
adaptada.
Este foi o caso de Andresa de
Alcântara (35) que em janeiro deste ano já estava legalmente cega, com apenas
10% de visão, quando passou pelo transplante de córnea. Esperou mais de um ano
pela cirurgia. “Descobri o ceratocone aos 23 anos e só enxergava os dedos da
mão quando entrei na fila em setembro de 2021 por uma cicatriz na córnea”. Ela conta que o transplante foi feito pela
técnica lamelar que só retira a camada da córnea afetada. Queiroz Neto explica
que esta técnica é menos invasiva porque mantém intacto o endotélio, camada
interna. Por isso, está permitindo a recuperação mais rápida de Andresa.
Professora, ela afirma que ainda é cedo para avaliar a cirurgia mas, manda um
recado para quem tem ceratocone – “Mantenha a calma, no final tudo dá certo”.
Novo
tratamento
O transplante de córnea é o mais realizado no
mundo, mas há uma carência dramática na doação do tecido. A estimativa
internacional é de que para cada córnea captada há 70 olhos. No Brasil o número
de pessoas que aguardam na fila de transplante passou de 12 mil para
24 mil de 2019 a março deste ano, mas ainda assim o número de
transplantados está muito acima desta estimativa. Pr isso, para Queiroz Neto, o
Brasil não vive o pior cenário de transplante de córnea quando comparado a
muitos países, mas pode melhorar a qualidade de vida de milhares de pessoas com
mais solidariedade das famílias. Isso porque, só a família pode autorizar a
enucleação da córnea que não desfigura a aparência do familiar falecido.
O oftalmologista afirma que a boa notícia é uma nova terapia criada no EUA para reabilitar
a visão de pacientes com ceratocone que pode reduzir a necessidade do
transplante de córnea. “É o anel de colágeno, também chamado pela indústria de
“injeção de colágeno”, pontua.” Funciona como os procedimentos estéticos que
corrigem imperfeições na aparência da pele”, observa. Isso porque, explica, o
oftalmologista pode diminuir, aumentar ou remover o colágeno para chegar ao
resultado esperado. O procedimento consiste em criar canais na córnea com o
laser de femtosegundo para injetar o colágeno e abrandar as alterações no
formato causadas pelo ceratocone. O procedimento é minimamente invasivo,
realizado entre 5 e 6 minutos, sob anestesia local e pode ser feito seis meses
antes ou depois do crosslink. O objetivo
é melhorar a acuidade visual, mantendo o olho intacto.
Ainda não há previsão de quando o anel de colágeno
chega ao Brasil mas para Queiroz Neto certamente é o que vem por aí para acabar
com o sofrimento de muitos jovens que aguardam pela doação de uma córnea.
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