Nunca, em
toda a história humana, falar sobre saúde mental – e zelar por ela – foi tão
necessário e desafiador. Vivemos um período de excruciante rotina diária de
trabalho, sem limites entre o início e fim do expediente, crise econômica, alto
índice de desemprego, polarização, insônia, ansiedade, superexposição nas redes
sociais, aumento do abuso de substâncias como o álcool e a maconha e, para
fechar com chave de ouro, uma pandemia mundial. Não à toa, notamos uma explosão
de novos casos de jovens com doenças mentais.
Neste
contexto, destaco a importância da campanha deste mês, a Setembro Amarelo.
Criada pela Sociedade Brasileira de Psiquiatria em 2014, esta data tem o
objetivo de relembrar a essencialidade do esforço conjunto da comunidade
médica e da sociedade na luta contra o suicídio e contra o estigma que esta
questão carrega – muitas vezes, fazendo com que as pessoas deixem de
buscar atendimento médico e tratamento psiquiátrico adequados logo aos
primeiros sinais de que sua saúde mental não está bem. Segundo a OMS, em estudo
publicado em 2019, 700 mil suicídios acontecem, anualmente, em todo o mundo
– se considerarmos a subnotificação, podemos facilmente estimar mais de 1
milhão de casos. No Brasil, o registro é de cerca de 14 mil por ano – 38 por
dia! Embora os números estejam em queda na maior parte do mundo, aqui na
América Latina eles não param de aumentar. E, em 90% dos casos, as pessoas
apresentavam doenças mentais, muitas não diagnosticadas ou tratadas de forma
errada.
É
fundamental ampliar o acesso a tratamentos psiquiátricos e informação.
Recentemente,
o burnout foi incluído pela OMS na nova Classificação Internacional de
Doenças (CID-11). Traduzida como síndrome ocupacional crônica, o burnout
é uma condição mental relacionada ao trabalho. Em uma era acelerada
como esta pela qual passamos, com uma redução consistente de direitos
trabalhistas em todo o mundo em razão da crise econômica, as pessoas têm
sofrido demais para atender aos prazos e às exigências de suas funções, que não
param de crescer, além de terem que lidar com o estresse alheio. Esses excessos
impactam diretamente na qualidade de vida, nos cuidados com a saúde física e
com a saúde mental – que até pouco tempo atrás nem faziam parte da lista de
prioridades de nenhuma organização. Mas o mundo evolui, e hoje as empresas
e o mercado já perceberam que pessoas sem segurança psicológica não produzem da
mesma forma e isso traz impacto econômico para qualquer negócio.
O acúmulo
de trabalho é uma das situações negativas neste cenário. Mas há também
outros estressores mentais, que podem inclusive levar a pensamentos suicidas ou
ao próprio suicídio, como o assédio ou bullying, grandes mudanças
(demissão, separação ou a perda de alguém querido, por exemplo), pequenas e
repetitivas situações do cotidiano (o trânsito caótico das grandes cidades é
uma ótima ilustração disso) e situações de tensão crônica, causadas por
relacionamentos abusivos na vida pessoal ou no ambiente profissional. A sensação de desamparo e impotência frente aos estressores da
vida, em todos os sentidos, é uma condição básica para a desesperança, que pode
elevar o risco de suicídio.
Na
verdade, a realidade humana, que evoluiu tanto até aqui, ainda precisa dar
muitos passos em direção à valorização da saúde mental das pessoas. Não
podemos deixar de lado as políticas públicas que auxiliam a população a ter
acesso a tratamentos adequados quando se trata deste tema. Esse, sem dúvida, é
o nosso papel enquanto comunidade médica e sociedade. Enquanto essa
preocupação não for lugar-comum, ainda estaremos longe de não precisarmos de
uma campanha como a Setembro Amarelo.
Kalil
Duailibi - psiquiatra e professor do curso de Medicina da Universidade Santo
Amaro
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