Pouco se fala sobre o parto
traumático. Porém, nas últimas semanas o tema ganhou força e visibilidade,
quando veio à tona a denúncia realizada por uma famosa influencer digital,
Shantal Verdelho, dos abusos sofridos durante o trabalho de parto, por parte de
um conhecido obstetra de São Paulo.
O caso serve para descortinar
inúmeras situações de violência obstétrica não expostas. Uma violência
caracterizada por abusos, maus tratos ou desrespeito ao longo da gestação ou
durante o trabalho de parto, tanto de forma física quanto psicológica.
Infelizmente esse assunto é muito
importante, mas ainda é bastante velado em nossa sociedade, apesar de ser um
grande causador do sofrimento materno. Em média, 30% das mulheres descrevem o
parto como traumático, com a prevalência de Transtorno do Estresse pós
Traumático (TEPT). Mas um dos grandes pontos é que este transtorno não se
resume apenas às lesões físicas, temos muitos relatos de dores subjetivas,
relacionadas à inadequação na assistência médica durante os procedimentos de
urgência.
Vamos entender melhor. A violência
obstétrica é um tipo de violência de gênero, praticada durante o cuidado
obstétrico profissional, caracterizada pelo desrespeito, abusos e maus-tratos
durante a gestação e/ou no momento do parto, de forma psicológica, verbal ou
física e, consequentemente, torna um dos momentos mais importantes na vida de
uma mulher em um momento traumático e devastador.
Compreende desde ter o direito de um
acompanhante na hora do parto negado, falta de esclarecimentos sobre o
procedimento, até intervenções invasivas desnecessárias, como também
comentários constrangedores, ofensas, humilhações ou xingamentos e
negligência.
Mas quais são os impactos dessa
violência para a saúde mental de uma mulher que vive um momento tão delicado
como o nascimento de um filho? As consequências da violência obstétrica vão
além dos danos imediatos, o trauma reflete seriamente na saúde da mulher, pois,
é vivenciado em um momento decisivo em vários aspectos da vida e na saúde,
física e mental, tanto do bebê como da mãe.
O parto traz grandes alterações
físicas, hormonais, psíquicas, a mulher se vê diante de uma transformação dos
seus papéis sociais e suas relações. Por consequência, existem possibilidades
do aparecimento de um quadro de tristeza ou surgimento de transtornos
psiquiátricos que interfere no vínculo afetivo saudável entre a mãe e bebê, que
é potencializado no caso de violência obstétrica.
O constrangimento é o primeiro sentimento
que as mulheres enfrentam após a violência. A angústia é intensificada e podem
desenvolver e potencializar uma sensação de inferioridade, medo e insegurança,
através da humilhação, reforçando sentimentos de incapacidade, inadequação e
impotência da mulher e do seu corpo. Outro ponto extremamente relevante é que,
tanta dor e sofrimento podem desencadear o medo de uma nova gestação por causa
da experiência vivida.
Aliás, essa é uma das principais
queixas da mulher que sofreu esse tipo de violência. Em geral, a grande maioria
aponta indícios de depressão pós-parto. Além disso, a vida sexual e a auto
estima são afetadas, interferindo na sua imagem corporal e despertando
incômodos físicos.
Neste sentido, é muito difícil a
mulher responder de maneira imediata à violência sofrida, de forma a se
defender, pois, é normal que, inicialmente, ela permaneça passiva por se
encontrar totalmente desamparada. Isso faz com que, posteriormente, surjam
sentimentos de indignação, revolta e de incapacidade por não ter conseguido se
manifestar diante do abuso; o que acontece com grande parte das mulheres, já
que nem todas conseguem ter essa consciência sobre o trauma.
Fato é que, as vivências
experimentadas desse momento fazem parte dos sentimentos, pensamentos e das
relações das mulheres no processo de construção do significado da maternidade,
por isso, é preciso considerar o impacto que o trauma provoca em cada mulher.
Ou seja, significa que as consequências de uma violência obstétrica atravessam
o sentido de ser mãe e a própria história dessa gestante.
Portanto, diante de toda essa
descrição, constata-se que muitas situações que acontecem durante o parto podem
e devem ser evitadas. É preciso que as mulheres tenham consciência das
circunstâncias desse trauma e verbalizem, denunciem e busquem ajuda de um
profissional de saúde mental para que possam fortalecer o seu emocional a ponto
de não ferir e prejudicar o desenvolvimento saudável da maternidade e do
cuidado com o recém-nascido.
Apesar do trauma perinatal ou relacionado
com o nascimento / parto ainda ser relativamente pouco estudado e divulgado, o
caso da Influencier Shantal demonstra, além da real necessidade de denunciar e
expor as agressões físicas e psicológicas, uma urgente demanda do preparo das
equipes obstétricas para que não provoquem traumas e saibam entender a
importância de um trato humanizado neste momento sublime da mulher, minimizando
assim, o sofrimento e promovendo a qualidade de vida, tanto para ela quanto
para o recém-nascido.
Dra. Andréa Ladislau -
Psicanalista
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