Visualização molecular do receptor de vitamina D e conformação de ligação prevista e orientação do peptídeo CSSTRESAC (imagem: Fernanda Staquicini )
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Pesquisa realizada com células de
camundongos aponta um caminho promissor para novas linhas de estudo com foco no
tratamento do câncer de mama triplo-negativo (TNBC, na sigla em inglês), um
tumor agressivo e com alta probabilidade de metástase.
Um grupo de
pesquisadores liderados pelo casal de brasileiros Renata Pasqualini
(bioquímica) e Wadih Arap (cientista e oncologista) identificou um pequeno
conjunto de aminoácidos (um peptídeo com a sequência CSSTRESAC) capaz de se
ligar a um receptor alternativo para a vitamina D. Chamado de PDIA3, esse
receptor é encontrado na membrana de macrófagos (importantes células de defesa
do organismo) que se infiltram nos tumores de mama triplo-negativo e causam
imunossupressão.
De acordo com a pesquisa, a
administração sistêmica de CSSTRESAC levou à elevada expressão de citocinas
antitumorais e à modulação da resposta celular. Em conjunto, esses dois fatores
ativaram a resposta imune e reduziram o crescimento dos tumores nos
camundongos. O resultado do trabalho foi publicado na revista
científica eLife.
“Nossa estratégia é diferente e
certamente complementa as abordagens mais convencionais. Em vez de tratarmos
diretamente as células tumorais, usamos CSSTRESAC para modular e induzir uma
resposta imune mais eficiente. Essa estratégia, se combinada à cirurgia,
quimioterapia e radioterapia, pode oferecer uma alternativa mais robusta para o
tratamento de tumores de mama triplo-negativo, que normalmente são muito
agressivos e de difícil controle clínico local e sistêmico”, afirma Pasqualini,
em entrevista à Agência FAPESP.
A
pesquisadora lembra que as conclusões ainda são baseadas em modelos
experimentais em camundongos, mas afirma que os dados são animadores. “Ainda há
um caminho a percorrer até chegar aos ensaios clínicos de fase 1 em pacientes
humanos. No entanto, os resultados publicados são promissores, justificando o
avanço dessa linha de pesquisa visando ao desenvolvimento de estudos de
tradução clínica na próxima fase.”
Pasqualini, juntamente com Arap,
coordena atualmente um laboratório na Universidade Rutgers, em Nova Jersey
(Estados Unidos). Neste trabalho, um terço dos coautores é brasileiro,
incluindo a primeira autora, Fernanda Iamassaki Staquicini,
que foi bolsista da FAPESP no início dos anos 2000.
Esse trabalho também teve apoio da
FAPESP por meio de dois projetos (12/24105-3 e 20/13562-0)
coordenados pelo professor Mauro Javier Cortez Véliz,
do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade de São Paulo (ICB-USP).
Panorama
O câncer
de mama é o segundo tipo de tumor mais comum no mundo, com estimativa de
aproximadamente 2,3 milhões de novos casos por ano. Representa quase 25% dos
cânceres em mulheres e também é a causa mais frequente de morte pela doença
nessa população, com 684 mil óbitos estimados ao ano. O tipo triplo-negativo
(TNBC) compreende entre 10% e 20% dos registros de câncer de mama.
No Brasil, de acordo com dados do
Instituto Nacional de Câncer (Inca),
excluídos os tumores de pele não melanoma, o de mama também é o mais incidente
em mulheres em todas as regiões, com taxas maiores no Sul e Sudeste. Para este
ano, são estimados 66.280 novos casos no país (43,7 casos por 100 mil
mulheres). É também a primeira causa de morte por câncer na população feminina
brasileira.
O TNBC é
considerado um tumor agressivo, geralmente com tamanho maior no início, e de
rápido crescimento, com chances de metástase. Apresenta também probabilidade
maior de recidiva após o tratamento.
É diagnosticado por meio de exames
que analisam as células cancerosas – se elas não tiverem receptores de
estrogênio ou progesterona e não produzirem a proteína HER2, o câncer de mama é
considerado triplo-negativo.
A
disseminação metastática geralmente ocorre por meio da eliminação de linfócitos
(células de defesa) infiltrantes de tumor e da secreção de citocinas
imunoinibitórias, principalmente os macrófagos associados ao câncer. Por causa
desse maior número de linfócitos infiltrantes, o TNBC é mais propenso a
responder à imunoterapia, o que levou os pesquisadores a investigar as funções
imunorreguladoras mediadas pelo peptídeo CSSTRESAC.
Nova técnica
Na pesquisa, o grupo aplicou a
tecnologia de exibição de fago in vivo para
isolar peptídeos encontrados no tumor como uma estratégia para descobrir alvos
não malignos. Essa técnica captura proteínas ou frações delas que interagem com
moléculas-alvo.
Identificaram,
assim, o peptídeo cíclico (CSSTRESAC) que se liga especificamente ao receptor
de vitamina D, a proteína dissulfeto-isomerase A3 (PDIA3), expressa na
superfície dos macrófagos associados ao tumor.
“A
administração sistêmica de CSSTRESAC em camundongos com TNBC mudou o perfil de
citocinas em direção a uma resposta imune antitumoral e retardou o crescimento
do tumor. Além disso, o CSSTRESAC permitiu a entrega teranóstica direcionada ao
ligante para tumores. Um modelo matemático confirmou nossos achados
experimentais”, concluem os cientistas no artigo.
Teranóstico
é um novo conceito que vem sendo usado na medicina nuclear para tratamento de
câncer e transforma, simultaneamente, em ferramenta para diagnóstico e para
tratamento os radiofármacos usados diretamente em tumores.
“Nosso
próximo objetivo é avaliar a integração dessa estratégia com outras terapias já
aprovadas e em uso para o tratamento do câncer de mama triplo-negativo. A
radioterapia, por exemplo, é efetiva a curto prazo, mas ainda frustra porque
ocorre com frequência a recidiva dos tumores localmente ou em metástases em
outros órgãos. Nesse sentido, a combinação da radioterapia com o nosso peptídeo
tem chance de melhorar o prognóstico das pacientes com o controle local do
tumor”, explica Staquicini.
A parceria do grupo começou há alguns
anos e inclui um trabalho desenvolvido no ICB-USP que apontou como a Leishmania explora vias de sinalização de
receptores do tipo Toll endossomais via TLR9 (responsável pelo reconhecimento
do DNA não metilado de patógenos, como bactérias, vírus e parasitas) para
inibir a função microbicida de macrófagos, favorecendo sua proliferação
intracelular no hospedeiro. Esse artigo foi publicado em 2019 no The Journal of Clinical Investigation insight.
Atualmente,
o laboratório dirigido por Pasqualini e Arap é reconhecido internacionalmente
por contribuições nas áreas de biologia vascular, mecanismos de progressão em
vários tipos de câncer e de desenvolvimento de abordagens terapêuticas
inovadoras. Nesse aspecto, chama a atenção o potencial demonstrado da
relevância clínica de moléculas com efeito terapêutico dirigidas às
células-alvo, aumentando a atividade biológica e reduzindo efeitos colaterais.
A capacidade
de mapear marcadores moleculares, dentro do conceito de “códigos postais” em
vasos sanguíneos do corpo humano, foi aprimorada ao longo de duas décadas pelo
grupo e por cientistas de outros centros de estudo. Esses “códigos” consistem
em uma tecnologia de mapeamento das moléculas que proporciona o direcionamento
dos medicamentos exclusivamente nas células-alvo do organismo.
É uma
analogia com o CEP, ou seja, a ciência encontra o “endereço exato” de células
doentes, principalmente tumores, e envia uma “encomenda” capaz de eliminar
especificamente a doença, sem afetar a vizinhança.
O artigo Targeting a cell surface vitamin D receptor on tumor-associated
macrophages in triple-negative breast cancer pode ser lido
em: https://elifesciences.org/articles/65145.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-revela-estrategia-para-novos-tratamentos-contra-tipo-agressivo-de-cancer-de-mama/37505/
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