Pesquisa realizada por brasileiros e portugueses demonstrou que alteração no gene que produz a proteína IL-7R contribui para o desencadeamento desse tipo de leucemia. Achado abre caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos para a doença
Pesquisadores brasileiros
portugueses descobriram que um tipo agressivo de leucemia linfoide aguda (LLA),
câncer mais comum em crianças, é provocada, em parte, por uma mutação no gene
que produz uma proteína envolvida com a imunidade (IL-7R). Um achado
importante, pois, a partir da identificação dessas alterações, poderão ter
início estudos específicos para melhorar o tratamento da LLA a partir daí.
O estudo publicado na
revista Nature Communications foi liderado pelo pesquisador Andrés Yunes, do
Centro Infantil Boldrini, o CPB, (Brasil), e pelo pesquisador João T. Barata,
do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM), de Portugal. A
descoberta é resultado de uma chamada da FAPESP em parceria a Fundação para a
Ciência e a Tecnologia (FCT), de Portugal.
O caminho da Descoberta:
“A partir de modelo animal
desenvolvido no Brasil, observamos que a ativação contínua da função da
proteína IL-7R, mesmo que em níveis fisiológicos de sua expressão, desencadeia
a proliferação exagerada de leucócitos (glóbulos brancos) da família dos
linfócitos, tornando mais propício o aparecimento da leucemia aguda grave. O
achado é importante pois, tendo um maior entendimento no nível molecular da
doença é possível propor novos tratamentos, principalmente para os casos de
recidiva ou que o tratamento não funciona”, afirma José Andrés Yunes, pesquisador
do Centro Infantil Boldrini e autor do estudo.
De acordo com a pesquisa, a
mutação no gene produtor da IL-7R, além de contribuir para o surgimento da
leucemia, também estimula novas mutações em outros genes – como o PAX5 e KRAS –
que fazem com que a doença progrida.
“A mutação do IL-7R não é
suficiente para originar a leucemia. Existem outros genes que também estão
envolvidos na doença. Para que a leucemia ocorra são necessárias outras
mutações, que colaborem com o IL-7R para interromper o programa de diferenciação
celular e para fazer com que as células continuem proliferando de maneira
exagerada e sobrevivendo”, explica Yunes.
A leucemia linfoide aguda
(LLA) consiste na proliferação exagerada de células progenitoras dos linfócitos
B. Atualmente as terapias convencionais, como a quimioterapia, são eficazes em
até 90% dos casos. Mas são tratamentos difíceis de serem realizados e a média
de cura no Brasil está entre 40% e 50%. “A leucemia desenvolvida nos
camundongos assemelha-se a um subtipo da doença denominado Ph-like, que é um tipo mais
agressivo de LLA, e acomete tanto crianças quanto adultos, mas é mais frequente
nos adolescentes e adultos jovens”, explica Dra. Silvia Brandalise, médica
presidente do Centro Infantil Boldrini.
O nome é Ph-like porque esse tipo de
LLA apresenta um padrão de expressão gênica típico da LLA ph+, que é uma
leucemia caracterizada pela presença do cromossomo Philadelphia (ph) resultante
da translocação t(9;22). Assim como a LLA ph+, as LLA ph-like apresentam
hiperativação de circuitos intracelulares comandados por proteínas tirosina
quinase, que é o que o IL-7R acaba ativando também.
“Trabalhamos em colaboração
já há alguns anos com os pesquisadores de Portugal. No estudo, produzimos dois
modelos de camundongo, mas o nosso se mostrou mais eficiente para a pesquisa e
o entendimento da oncogênese. Esse modelo experimental poderá agora ser
utilizado em novos estudos sobre a doença”, afirma Yunes. As células costumam controlar
a produção da IL-7R, de modo a evitar a ativação descontrolada do mesmo. Isso
se dá principalmente pelo controle ao nível da transcrição, que é quando o gene
é transcrito em um RNA mensageiro. Os pesquisadores do Boldrini desenvolveram
modelo de camundongo transgênico que simulava a mutação no gene IL-7R sem,
contudo, alterar o controle transcricional do mesmo. Ou seja, a proteína IL-7R
mutante continuou sendo produzida nos mesmos estágios da maturação do linfócito
e com a mesma intensidade. Assim, o efeito da mutação pode ser avaliado em
níveis fisiológicos normais. ”Era um modelo que envolvia maior risco de não
funcionar, porém é o que espelha melhor aquilo que ocorre em humanos”.
Depois de analisar como a
doença era ativada nos animais, as duas equipes realizaram estudos do
sequenciamento genômico nas células leucêmicas para identificar quais outros
genes estavam alterados. Em Portugal, os pesquisadores também realizaram o
sequenciamento das células pré-leucêmicas também. Foram realizadas análises no
exoma – parte do genoma onde ficam os genes codificadores de proteína e,
portanto, onde há mais chance de ocorrerem mutações causadoras de doenças. Por
último todos os dados foram analisados conjuntamente.
“Em Portugal foram testadas
algumas drogas que inibem as atividades moleculares do IL-7R. Foram
realizados estudos com painéis de fármacos que poderão, no futuro, serem
testados em animais e depois em humanos até que se comprove a sua efetividade.
De qualquer forma, são achados importantes pois permitem também identificar o
tratamento mais indicado para cada paciente a partir da identificação dessas
alterações”, afirma Mayara Euzebio, doutoranda na UNICAMP que atua no CPB..
Foram encontradas drogas que
inibem os efeitos moleculares do IL-7R. "Esses achados são
importantes para melhorar e personalizar os tratamentos atuais disponíveis para
leucemia linfoblástica aguda, de acordo com a presença de alterações nessas
moléculas em pacientes", acrescenta Juliana Corrêa, doutoranda da UNICAMP
e que também atua no CPB.
Vale lembrar que atualmente
a quimioterapia é eficiente em mais de 80% dos casos em crianças. "É
importante encontrar novas estratégias terapêuticas para melhorar a eficácia
dos tratamentos atuais e reduzir a probabilidade de efeitos secundários”, finaliza
Yunes.
O estudo foi realizado no
Centro Infantil Boldrini (Brazil) e iMM (Portugal) em colaboração com Institut
Curie (France), Saint-Louis Hospital and Research Institute (France), St. Jude
Children's Research Hospital (US), Trinity College Dublin (Ireland),
Strathclyde Institute of Pharmacy and Biomedical Sciences (UK), CEDOC and
UCIBIO (Portugal). This work was funded by a joint initiative by the Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Fundação para a Ciência
e a Tecnologia (FCT, Portugal). European Research Council (ERC) e American
Lebanese Syrian Associated Charities of St Jude Children’s Research Hospital.
PUBLICADO PELA NATURE
*Afonso R. M. Almeida, João L. Neto, Ana
Cachucho, Mayara Euzébio, Xiangyu Meng, Rathana Kim, Marta B. Fernandes,
Beatriz Raposo, Mariana L. Oliveira, Daniel Ribeiro, Rita Fragoso, Priscila P.
Zenatti, Tiago Soares, Mafalda R. de Matos, Juliana Ronchi Corrêa, Mafalda
Duque, Kathryn G. Roberts, Zhaohui Gu, Chunxu Qu, Clara Pereira, Susan Pyne,
Nigel J. Pyne, Vasco M. Barreto, Isabelle Bernard-Pierrot, Emannuelle Clappier,
Charles G. Mullighan, Ana R. Grosso, J. Andrés Yunes and João T. Barata. (2021)
Interleukin-7 receptor α mutational activation can initiate precursor B-cell
acute lymphoblastic leukemia. Nature Communications.
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