Sistema de ultra-alto-vácuo no qual está instalado o STM e detalhe da mesa óptica, que permite a detecção de sinais luminosos (foto: acervo dos pesquisadores)
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Como isolante elétrico resistente a
altas temperaturas, o nitreto de boro é um material com muitas aplicações
comerciais. E novas funcionalidades ainda podem ser exploradas, entre elas a
produção de diodos emissores de luz (LEDs) ultravioleta de tipo C (UVC).
Esse tipo
de luz é muito útil para esterilizar ambientes, superfícies ou mesmo a água,
pois danifica o DNA de microrganismos, tornando-os inativos. Atualmente,
lâmpadas fluorescentes são utilizadas como fontes de UVC, mas LEDs podem ter
eficiência muito maior, analogamente ao que ocorre em seu uso como lâmpadas
para iluminação doméstica.
Um estudo objetivando compreender e
controlar melhor as propriedades eletrônicas e ópticas do nitreto de boro, com
vista ao desenvolvimento dessas novas aplicações, foi realizado no Laboratório
de Pesquisas Fotovoltaicas do Departamento de Física Aplicada do Instituto de
Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (IFGW-Unicamp).
Artigo a respeito foi publicado recentemente
na revista 2D Materials.
Coordenada pelo professor Luiz Fernando Zagonel,
a pesquisa teve como protagonista o estudante de doutorado Ricardo Javier Peña Román,
orientando de Zagonel e bolsista da
FAPESP.
O estudo é fruto de colaboração com
grupos de pesquisa do Reino Unido e da França. E, além da bolsa concedida ao
doutorando, recebeu financiamento da FAPESP por meio das linhas de auxílio “Apoio a Jovens Pesquisadores”
e “Programa Equipamentos Multiusuários”.
Esta última possibilitou a aquisição do principal equipamento utilizado, um
microscópio de varredura de tunelamento.
“Dito de forma bastante resumida, o
que fizemos foi medir o bandgap eletrônico
de uma monocamada de nitreto de boro hexagonal [h-BN]”, conta Zagonel à Agência FAPESP.
Para entender o que isso significa
são necessárias algumas explicações. “Bandgap eletrônico”
é a quantidade de energia necessária para promover um elétron da banda de
valência do material para a banda de condução. A banda de valência, localizada
mais perto dos núcleos atômicos, constitui o conjunto de configurações eletrônicas
nas quais a vasta maioria dos elétrons do sólido se localiza. Já a banda de
condução, situada na região mais externa do material, é um conjunto de
configurações eletrônicas nas quais há muitos estados disponíveis para que os
elétrons os ocupem, mas onde existem poucos elétrons – em algumas condições,
nenhum.
“O bandgap eletrônico
também pode ser interpretado como um ‘hiato’ na distribuição eletrônica do
material, no qual nenhum elétron pode estar. Por isso também é chamado de
‘banda proibida’, pois corresponde a uma faixa de energia que nenhum elétron no
material pode ter”, acrescenta Zagonel.
A principal vantagem do nitreto de
boro em termos de aplicação decorre do fato de ele possuir um bandgap eletrônico muito grande. Vale dizer que,
para promover o elétron da banda de valência para a banda de condução, é
preciso injetar muita energia no material. Quando o elétron retorna à banda de
valência, que constitui uma configuração mais estável, a maior parte dessa
energia é devolvida ao meio na forma de radiação eletromagnética de alta
frequência – como a luz ultravioleta C.
“Determinamos o valor do gap eletrônico, que é de 6,8 elétrons-volt [eV]. A
energia emitida pelo material, na forma de radiação eletromagnética, é de 6,1
eV. O diferencial, de 0,7 eV, corresponde à energia de ligação de éxciton, cujo
cálculo constituiu outro resultado importante de nosso estudo”, informa
Zagonel.
Os
éxcitons são constituídos por pares formados por elétrons da banda de condução
e lacunas existentes na banda de valência, usualmente chamadas de “buracos”.
Esses buracos – isto é, as ausências de elétrons – e os elétrons se atraem
mutuamente e se ligam, formando um par de entidades que orbitam uma a outra.
Essa ligação tem uma energia associada, chamada de “energia de ligação de éxciton”,
cuja magnitude indica a estabilidade do par elétron-lacuna – ou seja, por
quanto tempo se espera que ele seja estável em uma dada temperatura.
“Quando um éxciton se recombina –
isto é, quando o elétron migra para o estado da lacuna e a preenche –, essa
recombinação pode ocasionar a emissão de luz, com um patamar de energia que
corresponde à energia do bandgap eletrônico
menos a energia de ligação de éxciton”, explica Zagonel.
Na
temperatura ambiente, os sólidos estão sujeitos a vibrações térmicas, associadas
à temperatura, que podem desestabilizar éxcitons de baixa energia de ligação,
desfazendo a ligação entre elétrons e lacunas. Se a ligação for desfeita muito
facilmente, a emissão excitônica torna-se improvável e o material se comporta
como um emissor de luz pouco eficiente. Para que o material se preste a
aplicações tecnológicas que possam ser incorporadas à vida cotidiana, é preciso
que a energia de ligação de éxcitons seja alta em relação à energia das
vibrações associadas à temperatura ambiente.
“O
desejável é que a maioria dos elétrons colocados na banda de condução se
recombine com lacunas e emita luz de forma excitônica mesmo à temperatura
ambiente. E foi essa alta eficiência no processo de emissão de luz mesmo na
temperatura ambiente que verificamos no caso do nitreto de boro”, reporta
Zagonel.
Defeitos pontuais
Além de medir a energia associada
ao bandgap eletrônico e a energia de ligação de
éxciton, os pesquisadores investigaram também defeitos pontuais no material.
Esses defeitos são constituídos basicamente por locais nos quais átomos do
nitreto de boro são substituídos por núcleos atômicos de carbono (C).
“Com nosso microscópio eletrônico de
tunelamento [STM], utilizando várias técnicas experimentais, foi possível
registrar imagens de defeitos pontuais, determinar seus níveis de energia e
observar a luz emitida por eles. Obtivemos imagens que permitem avaliar
aspectos gerais da morfologia da superfície, sendo observadas regiões
distintas, com ou sem a presença de defeitos pontuais. Em ambos os casos foram
realizadas medidas da densidade de estados eletrônicos locais, por meio de
espectroscopia de tunelamento de elétrons [STS]. Os resultados obtidos
permitiram a determinação da magnitude do bandgap eletrônico
em monocamadas de nitreto de boro, uma questão até então em aberto na
literatura”, conta Zagonel.
Adicionalmente,
o sistema de detecção instalado no microscópio permitiu o estudo da emissão de
luz associada aos defeitos pontuais. Foram realizadas medidas de
fotoluminescência (PL) e catodoluminescência (CL), observando-se uma linha de
emissão distinta, no patamar de 2,1 eV, associada, caracteristicamente, a
átomos de carbono. “Vale ressaltar que esta foi a primeira caracterização por
CL em monocamadas de nitreto de boro reportada na literatura. A presença de
outras emissões em energias maiores indica a coexistência de mais de um tipo de
defeito de carbono no material”, pontua Zagonel.
O
microscópio eletrônico de tunelamento utilizado pelos pesquisadores é operado
em ambiente de ultra-alto vácuo (UHV), em temperaturas criogênicas, de até 12
Kelvin (K), contando com um sistema inovador de detecção de luz desenvolvido e
implementado pela própria equipe e já protegido por patente.
“Os resultados obtidos demonstram a
versatilidade do nosso setup, que se
apresenta como uma poderosa ferramenta para a caracterização de materiais
bidimensionais e superfícies. A continuidade das pesquisas se dará com foco em
materiais de interesse para o desenvolvimento de aplicações em dispositivos”,
conclui Zagonel.
O artigo Band gap measurements of monolayer h-BN and insights into
carbon-related point defects pode ser acessado em: https://iopscience.iop.org/article/10.1088/2053-1583/ac0d9c.
José
Tadeu Arantes
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/pesquisa-feita-na-unicamp-possibilita-o-desenvolvimento-futuro-de-leds-de-luz-ultravioleta/37343/
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