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sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Pesquisa feita na Unicamp possibilita o desenvolvimento futuro de LEDs de luz ultravioleta

Sistema de ultra-alto-vácuo no qual está instalado o STM e detalhe da mesa óptica, que permite a detecção de sinais luminosos (foto: acervo dos pesquisadores)

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Como isolante elétrico resistente a altas temperaturas, o nitreto de boro é um material com muitas aplicações comerciais. E novas funcionalidades ainda podem ser exploradas, entre elas a produção de diodos emissores de luz (LEDs) ultravioleta de tipo C (UVC).

Esse tipo de luz é muito útil para esterilizar ambientes, superfícies ou mesmo a água, pois danifica o DNA de microrganismos, tornando-os inativos. Atualmente, lâmpadas fluorescentes são utilizadas como fontes de UVC, mas LEDs podem ter eficiência muito maior, analogamente ao que ocorre em seu uso como lâmpadas para iluminação doméstica.

Um estudo objetivando compreender e controlar melhor as propriedades eletrônicas e ópticas do nitreto de boro, com vista ao desenvolvimento dessas novas aplicações, foi realizado no Laboratório de Pesquisas Fotovoltaicas do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (IFGW-Unicamp). Artigo a respeito foi publicado recentemente na revista 2D Materials.

Coordenada pelo professor Luiz Fernando Zagonel, a pesquisa teve como protagonista o estudante de doutorado Ricardo Javier Peña Román, orientando de Zagonel e bolsista da FAPESP.

O estudo é fruto de colaboração com grupos de pesquisa do Reino Unido e da França. E, além da bolsa concedida ao doutorando, recebeu financiamento da FAPESP por meio das linhas de auxílio “Apoio a Jovens Pesquisadores” e “Programa Equipamentos Multiusuários”. Esta última possibilitou a aquisição do principal equipamento utilizado, um microscópio de varredura de tunelamento.

“Dito de forma bastante resumida, o que fizemos foi medir o bandgap eletrônico de uma monocamada de nitreto de boro hexagonal [h-BN]”, conta Zagonel à Agência FAPESP.

Para entender o que isso significa são necessárias algumas explicações. “Bandgap eletrônico” é a quantidade de energia necessária para promover um elétron da banda de valência do material para a banda de condução. A banda de valência, localizada mais perto dos núcleos atômicos, constitui o conjunto de configurações eletrônicas nas quais a vasta maioria dos elétrons do sólido se localiza. Já a banda de condução, situada na região mais externa do material, é um conjunto de configurações eletrônicas nas quais há muitos estados disponíveis para que os elétrons os ocupem, mas onde existem poucos elétrons – em algumas condições, nenhum.

“O bandgap eletrônico também pode ser interpretado como um ‘hiato’ na distribuição eletrônica do material, no qual nenhum elétron pode estar. Por isso também é chamado de ‘banda proibida’, pois corresponde a uma faixa de energia que nenhum elétron no material pode ter”, acrescenta Zagonel.

A principal vantagem do nitreto de boro em termos de aplicação decorre do fato de ele possuir um bandgap eletrônico muito grande. Vale dizer que, para promover o elétron da banda de valência para a banda de condução, é preciso injetar muita energia no material. Quando o elétron retorna à banda de valência, que constitui uma configuração mais estável, a maior parte dessa energia é devolvida ao meio na forma de radiação eletromagnética de alta frequência – como a luz ultravioleta C.

“Determinamos o valor do gap eletrônico, que é de 6,8 elétrons-volt [eV]. A energia emitida pelo material, na forma de radiação eletromagnética, é de 6,1 eV. O diferencial, de 0,7 eV, corresponde à energia de ligação de éxciton, cujo cálculo constituiu outro resultado importante de nosso estudo”, informa Zagonel.

Os éxcitons são constituídos por pares formados por elétrons da banda de condução e lacunas existentes na banda de valência, usualmente chamadas de “buracos”. Esses buracos – isto é, as ausências de elétrons – e os elétrons se atraem mutuamente e se ligam, formando um par de entidades que orbitam uma a outra. Essa ligação tem uma energia associada, chamada de “energia de ligação de éxciton”, cuja magnitude indica a estabilidade do par elétron-lacuna – ou seja, por quanto tempo se espera que ele seja estável em uma dada temperatura.

“Quando um éxciton se recombina – isto é, quando o elétron migra para o estado da lacuna e a preenche –, essa recombinação pode ocasionar a emissão de luz, com um patamar de energia que corresponde à energia do bandgap eletrônico menos a energia de ligação de éxciton”, explica Zagonel.

Na temperatura ambiente, os sólidos estão sujeitos a vibrações térmicas, associadas à temperatura, que podem desestabilizar éxcitons de baixa energia de ligação, desfazendo a ligação entre elétrons e lacunas. Se a ligação for desfeita muito facilmente, a emissão excitônica torna-se improvável e o material se comporta como um emissor de luz pouco eficiente. Para que o material se preste a aplicações tecnológicas que possam ser incorporadas à vida cotidiana, é preciso que a energia de ligação de éxcitons seja alta em relação à energia das vibrações associadas à temperatura ambiente.

“O desejável é que a maioria dos elétrons colocados na banda de condução se recombine com lacunas e emita luz de forma excitônica mesmo à temperatura ambiente. E foi essa alta eficiência no processo de emissão de luz mesmo na temperatura ambiente que verificamos no caso do nitreto de boro”, reporta Zagonel.


Defeitos pontuais

Além de medir a energia associada ao bandgap eletrônico e a energia de ligação de éxciton, os pesquisadores investigaram também defeitos pontuais no material. Esses defeitos são constituídos basicamente por locais nos quais átomos do nitreto de boro são substituídos por núcleos atômicos de carbono (C).

“Com nosso microscópio eletrônico de tunelamento [STM], utilizando várias técnicas experimentais, foi possível registrar imagens de defeitos pontuais, determinar seus níveis de energia e observar a luz emitida por eles. Obtivemos imagens que permitem avaliar aspectos gerais da morfologia da superfície, sendo observadas regiões distintas, com ou sem a presença de defeitos pontuais. Em ambos os casos foram realizadas medidas da densidade de estados eletrônicos locais, por meio de espectroscopia de tunelamento de elétrons [STS]. Os resultados obtidos permitiram a determinação da magnitude do bandgap eletrônico em monocamadas de nitreto de boro, uma questão até então em aberto na literatura”, conta Zagonel.

Adicionalmente, o sistema de detecção instalado no microscópio permitiu o estudo da emissão de luz associada aos defeitos pontuais. Foram realizadas medidas de fotoluminescência (PL) e catodoluminescência (CL), observando-se uma linha de emissão distinta, no patamar de 2,1 eV, associada, caracteristicamente, a átomos de carbono. “Vale ressaltar que esta foi a primeira caracterização por CL em monocamadas de nitreto de boro reportada na literatura. A presença de outras emissões em energias maiores indica a coexistência de mais de um tipo de defeito de carbono no material”, pontua Zagonel.

O microscópio eletrônico de tunelamento utilizado pelos pesquisadores é operado em ambiente de ultra-alto vácuo (UHV), em temperaturas criogênicas, de até 12 Kelvin (K), contando com um sistema inovador de detecção de luz desenvolvido e implementado pela própria equipe e já protegido por patente.

“Os resultados obtidos demonstram a versatilidade do nosso setup, que se apresenta como uma poderosa ferramenta para a caracterização de materiais bidimensionais e superfícies. A continuidade das pesquisas se dará com foco em materiais de interesse para o desenvolvimento de aplicações em dispositivos”, conclui Zagonel.

O artigo Band gap measurements of monolayer h-BN and insights into carbon-related point defects pode ser acessado em: https://iopscience.iop.org/article/10.1088/2053-1583/ac0d9c.

 

 

José Tadeu Arantes

Agência FAPESP

https://agencia.fapesp.br/pesquisa-feita-na-unicamp-possibilita-o-desenvolvimento-futuro-de-leds-de-luz-ultravioleta/37343/


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