Doação de parte do fígado salvou a vida de 72 crianças em 2020; líder do projeto pelo Hospital Sírio-Libanês fala sobre transplante hepático pediátrico
O TransPlantar, iniciativa
conduzida pelo Hospital Sírio-Libanês, por meio do Programa de Apoio ao
Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) do
Ministério da Saúde, é responsável por realizar transplantes de fígado e
intervenções cardíacas a pacientes de todo o país atendidos pelo SUS, além de
dar apoio em todas as etapas do processo de reabilitação intestinal. Além
disso, é responsável por quase 40% dos transplantes pediátricos no país: só em
2020, a iniciativa salvou a vida de 72 crianças.
Em 25 de junho deste
ano, foi a vez de Maísa Kivia, hoje com 11 meses: natural de Catalão, no
interior do Goiás, a menina estava em seu terceiro mês de vida quando foi
diagnosticada com atresia de vias biliares, uma doença do fígado e ductos
biliares que ocorre em recém-nascidos e faz com que a bile se acumule no
fígado, podendo levar à lesão hepática irreversível.
A mãe, Alba Kivia,
relata que a menina foi encaminhada ao Hospital Menino Jesus, para iniciar seu
tratamento pelo projeto TransPlantar. Assim que foi constatada a necessidade do
procedimento, seu marido se candidatou imediatamente para doar parte de seu
fígado à filha, mas a detecção de um tumor impossibilitou a cirurgia. Enquanto
buscavam por uma nova opção, o quadro clínico da menina se agravou
consideravelmente e foi por meio de uma campanha nas redes sociais que
encontraram a nova doadora: a filha de uma amiga da família.
"O transplante
foi autorizado em quatro dias, mas nesse intervalo, Maisa teve mais uma piora e
precisou ficar internada por cinco dias, sendo alimentada por sonda. E tudo
poderia acontecer com ela a qualquer momento. Quando a cirurgia foi realizada,
ela tinha apenas 1% do fígado funcionando. Cheguei a pensar que iria perder a
minha filha, mas hoje é outra criança", relata, emocionada.
Jovem doou parte do fígado à sobrinha
Em maio deste ano, a
família de Júlia Franchini, de um ano e meio, comemorou um ano do transplante
de fígado também realizado por meio do TransPlantar. Em uma história similar a
de Maísa, Júlia começou a apresentar a pele amarelada com dois meses de vida e
logo precisou de internação. Sua tia e madrinha Vitória Franchini, de 22 anos,
se ofereceu como doadora assim que o cunhado, pai da menina, precisou
interromper os processos após ser diagnosticado com tuberculose.
Vitória relata que a
sua cirurgia foi rápida e sem complicações. A de Júlia, no entanto, teve oito
horas de duração, tornando o dia memorável pela angústia e pelo medo de perder
a afilhada. Apesar do sucesso do procedimento, a menina precisou permanecer
internada por mais um mês após complicações do pós-operatório, além de algumas
semanas por confirmação de coronavírus. Apesar do susto, dois meses depois
Júlia estava em casa, saudável.
"A gente tinha
muito medo no início, porque ela era muito nova, mas começou a engatinhar logo
depois e não teve nenhuma sequela. Hoje, ela é um bebê completamente saudável.
A rapidez da mudança do corpo dela foi brutal, quando ela recebeu o fígado
saudável parecia que tinha virado uma chavinha. Ela estava inchada e amarela,
era muito ruim olhar, dava vontade de chorar. A gente não podia pegá-la no
colo. E, então, ela parecia totalmente saudável, que tinha acabado de nascer. É
muito gratificante viver isso", conta.
Desafios do transplante hepático pediátrico
O Dr. Eduardo Antunes
Fonseca, do departamento de Serviço de Transplante Hepático do Hospital
Sírio-Libanês e um dos líderes do projeto TransPlantar, explica que diversas
doenças podem motivar o transplante hepático. Em adultos, a principal causa é a
doença hepática crônica em decorrência da hepatite C, além de outras causas
como cirrose pelo álcool, esteatose hepática etc. Nas crianças, a principal
indicação é a atresia de via biliares, que acomete recém-nascidos em
decorrência de uma obstrução de ductos biliares que causa cirrose, se não
tratada a tempo.
No entanto, o procedimento
pediátrico traz inúmeros desafios. "Poucos centros no Brasil e no mundo
fazem transplantes em crianças de baixo peso (abaixo de 10kg). O principal
desafio é a dificuldade da reconstrução vascular de veias e artérias de pequeno
calibre nesta população pediátrica. Além disso, existem questões como a
gravidade destes candidatos, que chegam para o transplante desnutridos e com
risco maior de mortalidade enquanto aguardam", explica.
Fonseca ressalta,
ainda, que um trabalho publicado pela equipe do hospital em agosto deste ano na
revista Pediatric Transplanation mostrou que os resultados dos transplantes pediátricos
tiveram resultados similares antes e durante a pandemia. "Desta forma,
concluímos a segurança da atividade de transplante hepático pediátrico durante
a pandemia. Isto evidencia que as doenças não podem ser negligenciadas durante
a pandemia com risco de progressão da doença e de mortalidade. Isto foi
conseguido graças à construção de fluxos seguros nos hospitais, minimizando os
riscos para estes pacientes", conclui.
Setembro verde
As histórias de
Júlia e Maísa fazem parte dos 89.558 transplantes realizados no Brasil nos
últimos dez anos e dos 3.195 só do primeiro semestre de 2021 - dados do
Registro Brasileiro de Transplantes da Associação Brasileira de Transplante de
Órgãos (ABTO). Ainda de acordo com a ABTO, em dezembro de 2020, o país contava
com 43.643 pessoas aguardando o surgimento de um doador para passar pelo
procedimento.
Do total de
potenciais doações, cerca de 40% não têm autorização da família, e outros 10%
são perdidos por falhas no manejo clínico do paciente em morte encefálica.
Neste contexto, a campanha Setembro Verde tem como objetivo sensibilizar a
população para se declarar doadora de órgãos e tecidos. Para ser um potencial
doador, não é necessário deixar algo por escrito, mas é fundamental comunicar o
desejo, visto que, em casos de morte encefálica, é a família quem tem a decisão
final.
"Não estou
vivendo um luto hoje, porque alguém se entregou para poder salvar uma vida em
um ato de amor. Não mudou só a minha, como a de milhares de pessoas que
esperaram e ainda esperam por uma oportunidade assim, de ter a vida de um
familiar salvo. Não temos muita noção do quanto é importante a doação. Quero
conscientizar a quem eu puder sobre a importância de ser doador e dispor às
famílias para a doação também. As pessoas precisam saber: a situação é grave,
mas que pode e deve ser cuidada", afirma a mãe de Maísa.
O projeto TransPlantar
Iniciativa conduzida
pelo Hospital Sírio-Libanês por meio do PROADI-SUS, o projeto TransPlantar dá
apoio em todas as etapas do processo de identificação, diagnóstico e tratamento
das hepatopatias pediátricas e falência intestinal, realizando transplantes de
fígado e intestino, bem como a reabilitação intestinal. O projeto entrega
cuidado de excelência com elevado rigor técnico e ainda mais alto cuidado
humano e social.
Além da assistência, o
projeto também promove a qualificação de profissionais no SUS e realiza
intervenções cardíacas. O Sírio-Libanês é líder em transplante de fígado
pediátrico e intervivos no Brasil, além de ter uma das maiores casuísticas
mundiais em transplante de fígado em crianças.
Além disto, é a única instituição no Brasil a fazer "transplante dominó" de fígado pediátrico para crianças portadoras de leucinose. Por fim, a iniciativa é responsável por quase 40% dos transplantes pediátricos no país e, no último ano, capacitou seis instituições; treinou 52 profissionais; realizou 72 transplantes pediátricos de fígado; dois procedimentos cardíacos; e três implantes de dispositivo de longa permanência.
Programa de Apoio ao
Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde - PROADI-SUS, https://hospitais.proadi-sus.org.br
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