Sofrimento, angústia, dor, suplício, tormento. São palavras usadas na tentativa de se definir tortura, um termo oriundo do latim que faz alusão ao ato de torcer ou deformar. Provavelmente você, assim como eu, nunca sofreu tal desprazer. E ainda que houvesse sofrido, não seria capaz de encontrar, na língua portuguesa, uma só palavra capaz de descrever o verbo em toda a sua plenitude, por maior que seja o seu acervo lexical, imaginativo e de dedução.
O Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura
é comemorado em 26 de junho, graças a uma iniciativa promovida pela Organização
das Nações Unidas que, nesta data, no ano de 1987, promoveu a assinatura
da Convenção contra a Tortura, Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou
Degradantes por parte dos Estados-membros da Organização, da
qual o Brasil é signatário.
Diariamente, em todo planeta, pessoas são
sistematicamente torturadas, independente do sexo ou da idade. A prática
ocorre, sobretudo, em países com regimes ditatoriais, embora também sejam
registradas em democracias já consolidadas.
O Brasil, apesar de ter assinado em 1948 a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, protagonizou, durante as décadas de 1960 e
1970, casos cruéis de tortura promovidos pelo Estado. A prática teve início a
partir de 1964, quando o governo democrático sofreu um golpe de estado militar
e foi sumariamente deposto.
A data marcou, por todo país, o início de uma
sucessão de barbaridades em larga escala, que ia desde o sequestro de pessoas
contrárias ao regime até prisões e torturas brutais que, por vezes, evoluíam
para mutilações e assassinatos. Tais práticas se intensificaram a partir de
1968, com a decretação do AI-5, o mais repressivo ato institucional promulgado
pelo governo militar.
Mais de quatrocentos brasileiros – inclusive
mulheres e crianças – entraram para as estatísticas oficiais de mortos e
desaparecidos, em que pese as mais de mil ossadas encontradas em uma só vala na
cidade de São Paulo. Estima-se que pelo menos vinte mil pessoas tenham sofrido
torturas durante o regime militar no Brasil, a maioria em paus-de-arara e
cadeiras do dragão. As sequelas físicas e psicológicas desta prática vil e
covarde perduram nas vítimas até os dias de hoje, além de arranhar,
irrevogavelmente, a imagem do nosso país perante os olhos do mundo.
O Brasil, que em sua Constituição de 1988 prevê o
crime de tortura como inafiançável, não tinha, desde a sua redemocratização, há
cerca de quatro décadas, um governo que celebrasse a tortura, fato que torna o
dia de hoje ainda mais relevante. Nesta data, por todo mundo, atividades são
realizadas no sentido de se promover suporte emocional, jurídico e material aos
vitimados.
Além disso, a data figura como um contragolpe no
obscurantismo que se alastra pelo mundo, nesses tempos em que a desinformação e
o negacionismo parecem estar em moda. Por tudo isso, é preciso enaltecer a
importância deste dia e bater, incansável e obstinadamente, na tecla contra o
retrocesso e a favor das conquistas humanitárias. Só assim, resistindo e
rememorando a nossa história, é possível não repetir os erros do passado, e
continuar evoluindo no caminho da civilidade e do humanismo.
Aroldo Veiga - professor, escritor, especialista em Língua, Linguagem e Literatura e autor do livro “Trono de Cangalha”.
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