Não é de hoje que o ser humano foi se transformando em um sujeito atópico, com dificuldade de encontrar seu lugar e com uma sensação de inconsistência. A pandemia exacerbou os sentimentos de insegurança individuais e coletivos, demonstrando ainda a tendência ao individualismo, que sempre existiu e vem se tornando um mal ainda maior no século XXI. As pessoas tendem a interagir digitalmente umas com as outras, sem o real calor humano. O isolamento demonstrou o quanto o contato com o outro é fundamental.
Vivemos em uma sociedade e uma cultura
que nos forçam a perseguir um ideal irreal de felicidade, muitas vezes exibido
nas redes sociais. Sem facilidade de dizer Não para situações de
"suposto" prazer, fomos nos tornando reféns de ilusões e fantasias de
felicidade plena. Em certo grau, perdemos a noção de que a vida também é feita
de privações. Ainda cuidamos e hierarquizamos nossas ações em termos de Bem e
Mal, mas deixamos de delegar à religião, ao trabalho, as relações sociais ou à
família o papel de dar sentido à vida e acabamos privatizando esse sentido.
O que exatamente
isso quer dizer? Que passamos a usar como parâmetro de certo, errado ou
merecimento quase que exclusivamente nosso ponto de vista. A individualização
extremada nos tornou os "únicos e infalíveis juízes" das mazelas da
humanidade ou daqueles que nos rodeiam inclusive daquilo que é considerado
"normal" ou "anormal".
Mas quando se trata de saúde mental,
como estamos reagindo? Tendemos a pensar que normalidade está ligada a saúde e
que anormalidade está ligada a doença. Não podemos esquecer que até pouco tempo
atrás transtornos mentais eram vistos como demonizações. Somente a partir do
século XIX foram sendo estabelecidos os conceitos de doença e saúde mental. Se
sofrimentos psíquicos ou manifestações "fora do padrão" eram vistas
como pactos demoníacos, era natural haver uma exclusão dessas pessoas e como
herança cultural carregamos esse estigma, ainda que mais ameno, até hoje.
Atualmente encontramos formas variadas
de adoecimento emocional com nomenclaturas nem sempre unanimes, mas a partir de
março de 2020 com o advento da pandemia causada pelo Covid-19, um ponto se
tornou comum tanto entre profissionais da saúde mental quanto da população em
geral: as pessoas estão sofrendo muito. O distanciamento prolongado, o medo do
desconhecido e da morte pelo vírus e a possível perda do trabalho tiveram como
consequência o aumento expressivo de doenças psicossomáticas. De crianças a
idosos a vulnerabilidade passou a fazer parte do mundo, ninguém saiu ileso e,
sem contabilizar outras doenças, somente os casos de depressão somam 11 milhões
de brasileiros acometidos por esse mal, segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS).
Mas afinal o que
acontece com uma pessoa depressiva? A pessoa possui uma lógica de pensamento de
que nunca vai conseguir mudar, o passado é visto de maneira negativa ou apática
e o futuro não existe para ela. Além disso, se instala uma inapetência para
viver, uma impossibilidade de desejar e de agir. Há um sentimento de
incapacidade gerando um esgotamento e uma profunda angústia que impede a pessoa
de levantar da cama e, muitas vezes, é somente pelo trabalho que ela sai de
casa.
Agora se a pessoa já
vivenciava um quadro depressivo e perdeu o emprego a depressão se intensifica.
Sabemos que o trabalho não tem apenas a função de garantir uma remuneração
financeira, ele também constrói uma autoimagem positiva pelo seu valor
simbólico, garantindo uma identidade e uma subjetividade realizadora. A perda
do trabalho pode "desarrumar" um sujeito.
O que fazer? O primeiro passo é
procurar um especialista: psiquiatra, psicólogo ou psicanalista. Avaliar a
necessidade de medicação e análise/terapia. Isso é fundamental, mas
insuficiente. São necessárias outras ações para que a vitalidade volte a
habitar a pessoa e para isso acontecer exercícios físicos são extremamente
importantes, ioga, meditação, leituras e programas positivos, contato com a
natureza e o resgate ao amor próprio.
Se a mão invisível do Covid pesou sobre
nós, também descobrimos a força da cooperação, o respeito pela ciência, a
virtude pelo autocuidado, a suportabilidade da incerteza e a alegria daquilo
que de fato tem valor na vida: saúde, família, amigos, disciplina e
determinação de hoje sermos uma versão melhor de quem fomos ontem.
Márcia Tolotti - psicóloga e psicanalista, consultora e especialista em
educação psicofinanceira pessoal e corporativa. Já publicou sete livros sobre
autoconhecimento e mercado psicofinanceiro, como ‘O Desafio da Independência -
Financeira e Afetiva’, que já teve mais de 50 mil exemplares vendidos, e ‘As
Armadilhas do Consumo’. https://marciatolotti.com.br/
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