Ainda que o número de profissionais de TI mulheres tenha dobrado na última década no Brasil, a participação feminina neste setor permanece entre 20% e 24% do total de trabalhadores da área (580 mil), segundo dados divulgados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) - em 2019 - e informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) - 2020.
Muitas organizações
especializadas em tecnologia têm trabalhado, inclusive juntas, em projetos
específicos para aumentar o percentual de trabalhadoras também entre os cargos
de liderança e promover locais de trabalho com mais diversidade, equidade e
respeito irrestrito às diferenças. As propostas também incluem redes de apoio,
mentorias, aconselhamento e atenção individualizada à saúde das mulheres nas
empresas A ThoughtWorks, consultoria global de software, presente em 17 países
e com mais de 8 mil funcionárias e funcionários, é uma delas. A empresa tem
hoje, no Brasil, 46% do seu corpo de colaboradores formado por mulheres e
conta com algumas iniciativas para ampliar esse número, com foco, também, em
aumentar o percentual de profissionais negras, cuja inclusão segue sendo uma
meta a ser alcançada.
Um outro dado
interessante da ThoughtWorks é que a empresa possui 44% de mulheres em
cargos de gestão. Nesse contexto, a empresa vem trabalhando para apoiar
suas gestoras a superar outros desafios que se impõem às mulheres que assumem
postos de liderança. A síndrome da impostora, termo psicológico que
descreve um padrão de comportamento no qual a pessoa duvida das próprias realizações,
é um dos principais a serem superados, dentro e fora da indústria de
tecnologia.
O termo foi criado
pelas psicólogas americanas Pauline Rose Clance e Suzanne Imes, na Universidade
da Georgia, em 1978. Inicialmente, as pesquisadoras classificaram o evento como
um autoboicote denominado "fenômeno impostor". "Apesar das
notáveis realizações acadêmicas e profissionais,
as mulheres que vivenciam o fenômeno impostor persistem em acreditar que realmente não são brilhantes e enganam
quem pensa o contrário", pontuam Clance e Imes no artigo The Imposter
Phenomenon in High Achieving Women: Dynamics and Therapeutic Intervention .
De acordo com pesquisa
realizada e divulgada pela consultoria KPMG, ano passado, 75% das executivas
experimentaram a síndrome da impostora em suas carreiras. O estudo aponta que
quase metade (47%) das profissionais questionam o próprio potencial ou as
conquistas alcançadas, por nunca terem imaginado chegar a este nível de sucesso
na própria trajetória profissional. A investigação também descobriu que a falta
de suporte para avançar a outros cargos e desafios, somada à desvalorização do
trabalho, inclusive com as disparidades salariais entre gêneros - comumente
apontadas, no Brasil, pelo próprio Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged), do Ministério do Trabalho, ou pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) - contribuem para agravar o quadro de autossabotagem.
Nos cargos mais altos,
as mulheres enfrentam também a solidão, os questionamentos constantes em
relação às decisões tomadas e ficam ainda mais pressionadas a corresponderem às
expectativas gerais ou com receio de que um grupo de trabalho, e a própria
empresa, não acreditem no seu potencial. Em equipes formadas majoritariamente
por homens, como ocorre com frequência nas empresas de tecnologia e/ou nas
grupos de líderes das diversas organizações, o estigma de que eles são melhores
em determinados tipos de trabalho - trabalhado no imaginário popular desde a
infância - também influencia para que as mulheres sintam a constante
necessidade de provar a sua competência em um perfeccionismo extremo, um
dos sintomas mais claros da síndrome da impostora, de acordo com estudo de Gail
Matthews e Pauline Rose Clance, em 1980, na Universidade Dominicana da
Califórnia.
Os outros são o
comportamento de estar sempre tentando agradar, aprovando até opiniões com as
quais elas não concordam, o carisma exacerbado, utilizado para conquistar todos
os colegas e superiores e reduzir as chances de críticas, e a procrastinação,
que a profissional utiliza para demorar a chegar em um momento de avaliação do
próprio trabalho.
A situação fica ainda
mais complexa porque a síndrome da impostora também é usualmente provocada por
rotineiros episódios de racismo, xenofobia e outras violências contra grupos
politicamente minoritários. A própria convivência em ambientes com menos
diversidade, onde elas não consigam se identificar nos colegas de trabalho,
torna-se um motor de constrangimentos que afetam a autoestima e minam o
psicológico, influenciando a ocorrência deste fenômeno em graus ainda maiores -
uma vez que está atrelado a outras problemáticas densas.
Caroline Carbonell Cintra - bacharel e mestre em
Ciência da Computação pela UFRGS. Há 20 anos é consultora de tecnologia, tendo
trabalhado com clientes de indústrias como Oracle, DBServer e HP. Nos últimos
seis anos atua como executiva na ThoughtWorks Brasil.
Marta Saft Valli - formada em
direito, pós-graduada em direito empresarial e tem MBA em Gestão de Business
Law. Começou a carreira como advogada empresarial e foi consultora nessa área
até 2012, quando iniciou sua trajetória na ThoughtWorks. Foi a responsável por
implementar o departamento jurídico da empresa no Brasil.
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