Maior nível
de glicose no sangue é captado por células de defesa e serve como fonte de
energia que permite ao vírus se replicar mais, desencadeando resposta
imunológica que mata células pulmonares e desregula sistema imune (imagem:
Wikimedia Commons)
Um grupo brasileiro de pesquisadores desvendou uma das causas da maior
gravidade da COVID-19 em pacientes diabéticos. Como mostraram os experimentos
feitos em laboratório, o teor mais alto de glicose no sangue é captado por um
tipo de célula de defesa conhecido como monócito e serve como uma fonte de
energia extra, que permite ao novo coronavírus se replicar mais do que em um
organismo saudável. Em resposta à crescente carga viral, os monócitos passam a
liberar uma grande quantidade de citocinas [proteínas com ação inflamatória],
que causam uma série de efeitos, como a morte de células pulmonares.
O estudo, apoiado pela FAPESP, é liderado por Pedro
Moraes-Vieira, professor do Instituto de Biologia da Universidade
Estadual de Campinas (IB-Unicamp), e por pesquisadores que integram a
força-tarefa contra a COVID-19 da universidade, coordenada por Marcelo Mori, também professor do IB-Unicamp e coautor
do trabalho.
O artigo encontra-se em revisão na Cell Metabolism, mas já está
disponível em versão preprint, ainda não revisada por pares.
“O trabalho mostra uma relação causal entre níveis aumentados de glicose
com o que tem sido visto na clínica: maior gravidade da COVID-19 em pacientes
com diabetes”, diz Moraes-Vieira, pesquisador do Experimental Medicine Research
Cluster (EMRC) e do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC), um Centro de
Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP, com sede na Unicamp.
Por meio de ferramentas de bioinformática, os pesquisadores analisaram
inicialmente dados públicos de células pulmonares de pacientes com quadros
médios e severos de COVID-19. Foi observada uma superexpressão de genes
envolvidos na chamada via de sinalização de interferon alfa e beta, que está
ligada à resposta antiviral.
Os pesquisadores observaram ainda no pulmão de pacientes graves com
COVID-19 uma grande quantidade de monócitos e macrófagos, duas células de
defesa e de controle da homeostase do organismo.
Monócitos e macrófagos eram as células mais abundantes nas amostras e as
análises mostraram que a chamada via glicolítica, que metaboliza a glicose,
estava bastante aumentada.
As análises por bioinformática foram realizadas pelos pesquisadores Helder Nakaya,
professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo
(FCF-USP), e Robson Carvalho, professor do Instituto de Biociências
de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (IBB-Unesp).
Glicose e vírus
O grupo da Unicamp realizou, então, uma série de ensaios com monócitos
infectados com o novo coronavírus, em que eles eram cultivados em diferentes
concentrações de glicose. Os experimentos foram feitos no Laboratório de
Estudos de Vírus Emergentes (Leve), que tem nível 3 de biossegurança – um dos
mais altos –, e é coordenados por José Luiz
Proença Módena, professor do IB-Unicamp apoiado pela
FAPESP e coautor do trabalho.
“Quanto maior a concentração de glicose no monócito, mais o vírus se
replicava e mais as células de defesa produziam moléculas como as interleucinas
6 [IL-6] e 1 beta [IL-1β)] e o fator de necrose tumoral alfa, que estão
associadas ao fenômeno conhecido como tempestade de citocinas, em que não só o
pulmão, como todo o organismo, é exposto a essa resposta imunológica
descontrolada, desencadeando várias alterações sistêmicas observadas em
pacientes graves e que pode levar à morte”, diz Moraes-Vieira.
Os pesquisadores usaram então, nas células infectadas, uma droga
conhecida como 2-DG, utilizada para inibir o fluxo de glicose. Eles
observaram que o tratamento bloqueou completamente a replicação do vírus, assim
como o aumento da expressão das citocinas observadas anteriormente e da
proteína ACE-2, aquela pela qual o coronavírus invade as células humanas.
Além disso, usaram uma droga que está sendo testada em pacientes com
alguns tipos de câncer. Assim como alguns análogos, a 3-PO inibe a ação de um
gene envolvido no aumento do fluxo de glicose nas células. O resultado da sua
aplicação foi o mesmo da 2-DG: menos replicação viral e menos expressão de
citocinas inflamatórias.
Os resultados que indicaram maior atividade da via glicolítica frente à
infecção foram obtidos por meio de análises proteômicas dos monócitos
infectados, realizadas em colaboração com Daniel
Martins-de-Souza, professor do IB-Unicamp apoiado
pela FAPESP.
Por fim, as análises mostraram que o mecanismo era mediado pelo fator
induzido por hipóxia 1 alfa. Como é estudada em diversas doenças, é sabido
que essa via é mantida estável, em parte pela a presença de espécies reativas
de oxigênio na mitocôndria, a usina de energia das células.
Os pesquisadores usaram então antioxidantes nas células infectadas e
viram que a hipóxia 1 alfa diminuía a sua atividade e, assim,
deixava de influenciar o metabolismo da glicose. Como consequência, fazia com
que o vírus parasse de se replicar nos monócitos, as células de defesa
infectadas, que não mais produziam citocinas tóxicas para o organismo.
“Quando intervimos no monócito com antioxidantes ou com drogas que
inibem o metabolismo da glicose, nós revertemos a replicação do vírus e também
a disfunção em outras células de defesa, os linfócitos T. Com isso,
evitamos ainda morte das células pulmonares”, diz Moraes-Vieira.
Os estudos com linfócitos T e a análise da expressão de hipóxia 1
alfa em pacientes foram realizados em colaboração com Alessandro Farias, professor do IB-Unicamp e coautor do
trabalho.
Como as drogas usadas nos experimentos com células estão atualmente em
testes clínicos para alguns tipos de câncer, poderiam futuramente ser testadas
em pacientes com COVID-19.
O trabalho tem como primeiros autores Ana Campos
Codo, bolsista de mestrado da FAPESP; Gustavo
Gastão Davanzo, que tem bolsa de
doutorado da FAPESP e Lauar de
Brito Monteiro, também bolsista de
doutorado, todos no IB-Unicamp sob orientação de Moraes-Vieira.
“Esse trabalho só foi possível devido às colaborações, ao empenho dos
alunos de pós-graduação, que tem trabalhado noite e dia nesse projeto, e ao
financiamento rápido do FAEPEX [Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à
Extensão] da Unicamp e da FAPESP”, diz Moraes-Vieira.
O artigo Elevated glucose levels favor SARS-CoV-2 infection and
monocyte response through a HIF-1α/glycolysis dependent axis pode ser
lido em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3606770
André Julião
Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/pesquisadores-desvendam-mecanismo-que-torna-covid-19-mais-grave-em-diabeticos/33237/
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