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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Sobe para 875 mil o número de pessoas que fugiram do noroeste da Síria nos últimos meses


Ataques aéreos na região vêm elevando o número de pessoas deslocadas desde 1º de dezembro de 2019, segundo levantamento das Nações Unidas


Ataques aéreos combinados com uma ofensiva terrestre conduzida por forças do governo sírio e seus aliados russos provocaram uma enorme onda de deslocamento na única área ainda controlada pela oposição no país, localizada no noroeste da Síria. Com cidades e acampamentos a oeste de Aleppo atingidos por bombardeios nos últimos dias, as estradas engarrafaram com a fuga de pessoas para zonas de segurança, cada vez mais em menor número no país.

"As pessoas estão enfrentando uma situação desesperadora", diz Julien Delozanne, coordenador-geral na Síria da organização de ajuda humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF). “Regiões que antes eram consideradas relativamente seguras agora estão sob ataque. As pessoas que fogem para o norte estão sendo encurraladas em um território cada vez menor, entre a frente de batalha a leste e a fronteira turca a oeste, que está fechada. As condições de vida dos deslocados que estão em acampamentos já são críticas. Se a operação militar continuar, um novo afluxo de pessoas para a área tornará a situação ainda pior.”
                                
As forças do governo sírio assumiram o controle da rodovia que liga as cidades de Damasco e Aleppo e agora avançam, ameaçando áreas densamente povoadas no oeste da última cidade.

Nos dias 14 e 15 de fevereiro, bombardeios atingiram campos localizados ao redor da cidade de Sarmadah, onde dezenas de milhares de pessoas que fugiam dos combates no sul de Idlib haviam chegado recentemente. Várias pessoas ficaram feridas e algumas tendas foram destruídas. A cidade de Takad, a cerca de 20 km a leste, foi atingida várias vezes desde o dia 13 de fevereiro, fazendo com que a maioria dos moradores da cidade fugisse.

"A maioria das pessoas está fugindo de Takad por causa dos recentes ataques de artilharia, mísseis e aviões de guerra", diz Mustafa Ajaj, diretor do centro de saúde apoiado por MSF em Takad. “As únicas pessoas que ficaram são as que não podem comprar um veículo ou não sabem para onde ir. Estamos transferindo nossos suprimentos médicos para outro local e estou procurando um local seguro, em uma área onde as necessidades médicas estão se tornando cada vez mais urgentes, para retomar nossas atividades. Mas deixamos alguns suprimentos médicos básicos para as pessoas que ainda estão em Takad.

O hospital na cidade de Al Atareb, que recebeu kits de emergência de Médicos Sem Fronteiras, teve que fechar no dia 16 de fevereiro após ataques à cidade. O hospital em Darat-Izaa também fechou no dia 17 de fevereiro por medo de ser bombardeado. Como resultado, agora não há hospitais em funcionamento na província rural de Aleppo.

Diante da situação instável e imprevisível, a população na província de Idlib (norte) e na província de Aleppo (oeste) – já deslocadas inúmeras vezes anteriormente –, vivenciam grande incerteza. "Ninguém sabe como será o dia de amanhã. Só sabemos que há bombardeios e que as forças do governo estão avançando", diz um médico de MSF que trabalha no campo de Deir Hassan, 30 km a oeste de Aleppo. "Vivemos com medo e estressados."

Mais de 875 mil pessoas foram deslocadas dentro do noroeste da Síria desde o dia 1º de dezembro de 2019, segundo a ONU. Os campos de deslocados internos estão sobrecarregados e as pessoas contam que conseguir alugar um quarto nas cidades é impossível, independentemente da distância em que acontecem os bombardeios. Sem ter para onde ir, a população monta tendas em encostas, beiras de estrada e muitos dormem ao relento.

"Há as mortes geradas pelos bombardeios e existem as mortes que acontecem nos acampamentos – as últimas não são instantâneas, mas, sim, a longo prazo", disse um deslocado que chegou recentemente com sua família a um dos campos onde MSF trabalha.

"Sempre que os bombardeios se intensificam, novas pessoas chegam", diz o médico de MSF no campo de Deir Hassan. “A maioria das pessoas não conseguem encontrar abrigo nas cidades para onde fogem, então, são forçadas a armar suas tendas onde podem. Essas áreas estão tomadas por tendas e, quanto mais perto você chega da fronteira com a Turquia, mais tendas existem. Quem não tem condições de comprar uma tenda, divide com outras famílias. Você também vê pessoas sentadas na beira da estrada e embaixo de oliveiras, com cobertores. Algumas fugiram sem nada, apenas com as roupas que estavam vestindo."

Em Idlib e Aleppo há inúmeros assentamentos informais, onde a população deslocada vive em condições adversas, com pouca proteção contra o frio durante o inverno. Na última semana, as temperaturas caíram abaixo de zero e a neve intensa bloqueou estradas. Uma família de quatro pessoas morreu de asfixia depois de usar combustível de baixa qualidade para manter a tenda aquecida. "Nossa situação humanitária é péssima", disse um pai à equipe de MSF durante uma distribuição em um campo. “Não há aquecimento. Nem pão. Nem água. Estamos usando folhas de oliveiras para fazer uma fogueira e nos aquecer. Nós precisamos de ajuda."

Não é nenhuma surpresa que a equipe médica da clínica móvel de MSF tenha tratado muitos pacientes com infecções respiratórias, por causa das condições de vida e do clima de inverno. As equipes de Médicos Sem Fronteiras também prestaram assistência médica a um número significativo de mulheres grávidas e crianças nas últimas semanas.

MSF também tem respondido às necessidades de recém-chegados com distribuição de itens de primeira necessidade em diferentes locais da província rural de Idlib. Desde o dia 1º de dezembro, equipes de MSF distribuíram cobertores, roupas de inverno e kits de higiene para mais de 13 mil pessoas, em mais de 20 campos e assentamentos informais em Harim, Salqin, Sarmadah, Killi e Maarat Misrin, além de fornecer materiais para ajudar as pessoas a se aquecerem. MSF também está distribuindo água potável para dezenas de milhares de pessoas nos campos. As necessidades da população deslocada são enormes e, mesmo com as atividades de ajuda, MSF enfrenta dificuldades para fornecer assistência de que necessitam.

Com a continuidade da ofensiva terrestre e dos ataques aéreos, as pessoas estão constantemente em movimento. Alguns campos a oeste de Aleppo foram evacuados entre os dias 15 e 16 de fevereiro. Alguns em condições de pagar transporte seguem para o norte, em direção a Afrin e Azaz, perto da fronteira com a Turquia; outros viajam distâncias menores. No entanto não há certeza de assistência médica ou de outros serviços.

"A guerra já ocorre há quase nove anos", diz o médico de MSF. "Mas, só neste ano, já enfrentamos o equivalente aos nove últimos anos, se considerarmos todas as dificuldades que estamos vivendo.





Sobre Médicos Sem Fronteiras
Médicos Sem Fronteiras é uma organização humanitária internacional que leva cuidados de saúde a pessoas afetadas por conflitos armados, desastres naturais, epidemias, desnutrição ou sem nenhum acesso à assistência médica. Oferece ajuda exclusivamente com base na necessidade das populações atendidas, sem discriminação de raça, religião ou convicção política e de forma independente de poderes políticos e econômicos. Também é missão da MSF chamar a atenção para as dificuldades enfrentadas pelas pessoas atendidas em seus projetos.


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