A febre das startpus milionárias criou uma geração
de empreendedores aficionados por grandes aportes financeiros advindos de
poderosos investidores. Na ânsia de ver suas contas bancárias dispararem,
muitos acabam criando produtos ou serviços rasos, sem raízes sólidas, além de
modelos de negócios totalmente imaturos. A pressa, como diriam nossos pais e
avós, é inimiga da perfeição.
Ok. No mantra do Vale do Silício cabe a máxima de
que, se você não tiver vergonha da primeira versão do seu produto, é porque
lançou tarde demais. Entendo que em um mundo dinâmico, a rápida execução faz a
diferença entre o sucesso e o fracasso. Mas, a agilidade não pode ser sinônimo
de um negócio incapaz de caminhar com as próprias pernas.
Costumo dizer que uma boa empresa precisa ser
brilhante em três aspectos. Primeiro, ela precisa criar um produto ou serviço
desejável. Não adianta desenvolver “tipo um Uber disso” ou “tipo Netflix
daquilo outro”, se a ideia só encantar o próprio autor. Aliás, empreendedores
precisam começar a se apaixonar muito mais pela “dor” dos seus clientes, do que
pelos produtos ou serviços que ele mesmo criou com a expectativa de encher os
próprios bolsos. Negócios de sucesso resolvem um problema. As pessoas só te
pagam para fazer aquilo que elas não querem, não gostam ou não conseguem fazer
sozinhas. Sendo assim, elas tem que desejar profundamente aquilo que você faz
melhor que qualquer outro.
O segundo aspecto muito importante é a
possibilidade técnica. Muitos negócios que prometiam um sucesso estrondoso,
acabaram com as portas fechadas porque era impossível executar o que
empreendedor almejava. Leis da física precisariam ser revistas apenas para que
ideias mirabolantes se tornassem realidade. Então, não adianta as pessoas
quererem, desejarem profundamente o que você quer entregar a elas, se não
houver capacidade técnica, tecnologia viável e acessível para atendê-las. Seria
como criar o Youtube na década de 60 e querer ficar rico com ele.
O terceiro aspecto desse tripé do sucesso é a
viabilidade econômica. Não adianta as pessoas quererem, eu conseguir entregar,
mas o modelo de negócios não ser auto sustentável. Nesse sentido, é importante
ressaltarmos que nem sempre o consumidor é o cliente. Ou seja, nem sempre quem
te paga é a mesma pessoa que consome os seus serviços ou produtos. A TV é um
bom exemplo disso. Somos todos consumidores/ telespectadores, mas não somos nós
que financiamos as emissoras, e sim os anunciantes. Os clientes são eles.
Nós somos consumidores. E, isso quer dizer que a empresa vai precisar agradar
os dois lados se quiser ter sucesso.
De um modo geral, tenho visto boas ideias, com
capacidade técnica, mas cada vez mais empresas incapazes de se provarem
eficazes no aspecto financeiro. Boa parte disso porque nos acostumamos a ver
rodadas de aportes milionárias, financiando startups que ainda não se mostram
capazes de sobreviver por si mesmas. Estamos criando empreendedores filhos de
pais ricos, com dinheiro abundante para testar e errar. A diferença é que os investidores
não são como nossos pais, que são incapazes de nos cobrar dívidas. Eles colocam
dinheiro nas startups esperando lucros altos. E, se falharmos?
Não sou contra os aportes, em absoluto. Tenho plena
convicção de que eles são necessários para escalar e causar a disrupção em
mercados em que há décadas gigantes ficaram deitados eternamente em berços
esplêndidos. Eles desafiam o status quo e obrigam quem estava
tranquilo a buscar novas formas de encantar e surpreender seus clientes e
consumidores. O problema é quando o empreendedor só consegue pensar nisso e,
acha que só uma boa ideia e a capacidade técnica de entregá-la é suficiente.
Por isso, caro empreendedor, sempre se pergunte se
um aporte é mesmo necessário e, principalmente, se esse é o momento. Acredito
que os aportes são fundamentais para fazer uma empresa crescer, mas jamais para
fechar as contas de uma operação deficitária. E, é melhor entender desde cedo
que a realidade dos aportes é para poucos. Estima-se que o Brasil tenha cerca
de 12 mil startups. No entanto, em 2018, apenas 721 delas foram beneficiadas
pelos R$ 5,1 bilhões investidos no país.
A todas as outras, resta as aventuras e desventuras
do empreendedorismo solitário. Mas, nem só de amarguras vivem as chamadas bootstrapping -
startups que usam apenas recursos próprios para sobreviver. No caso delas, o
negócio só funciona com um pequeno aporte inicial dos próprios sócios e com o
capital advindo dos primeiros clientes. Um bom exemplo de empresa que nunca
recorreu a aportes financeiros é a Microsoft, uma das mais valiosas do mundo,
que prova que a desejabilidade, a capacidade técnica e viabilidade financeira
são os aspectos mais importantes para o sucesso.
Não por acaso, assim como filhos de famílias mais
modestas, que aprendem logo cedo o valor de cada centavo, as adeptas do bootstrapping tendem
a ser chefiadas por empreendedores mais maduros e preparados para lidar com as
adversidades. Eles levam esse espírito para suas equipes, que acabam
compartilhando desse pensamento e colaborando para uma gestão mais eficiente e
com foco para a geração de valor - e não para a riqueza súbita! Essas empresas
também tendem a ser mais sólidas, sendo capazes de gerenciar o próprio sucesso
e fracasso com muito mais maturidade. E aí, a sua startup vai se tornar uma
empresa sustentável ou está só surfando na onda dos aportes?
Marília
Cardoso - sócia-fundadora da PALAS,
consultoria pioneira na implementação da ISO 56.002, de gestão da inovação.
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