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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Startups: é possível prosperar sem aportes financeiros?


A febre das startpus milionárias criou uma geração de empreendedores aficionados por grandes aportes financeiros advindos de poderosos investidores. Na ânsia de ver suas contas bancárias dispararem, muitos acabam criando produtos ou serviços rasos, sem raízes sólidas, além de modelos de negócios totalmente imaturos. A pressa, como diriam nossos pais e avós, é inimiga da perfeição.

Ok. No mantra do Vale do Silício cabe a máxima de que, se você não tiver vergonha da primeira versão do seu produto, é porque lançou tarde demais. Entendo que em um mundo dinâmico, a rápida execução faz a diferença entre o sucesso e o fracasso. Mas, a agilidade não pode ser sinônimo de um negócio incapaz de caminhar com as próprias pernas.

Costumo dizer que uma boa empresa precisa ser brilhante em três aspectos. Primeiro, ela precisa criar um produto ou serviço desejável. Não adianta desenvolver “tipo um Uber disso” ou “tipo Netflix daquilo outro”, se a ideia só encantar o próprio autor. Aliás, empreendedores precisam começar a se apaixonar muito mais pela “dor” dos seus clientes, do que pelos produtos ou serviços que ele mesmo criou com a expectativa de encher os próprios bolsos. Negócios de sucesso resolvem um problema. As pessoas só te pagam para fazer aquilo que elas não querem, não gostam ou não conseguem fazer sozinhas. Sendo assim, elas tem que desejar profundamente aquilo que você faz melhor que qualquer outro.

O segundo aspecto muito importante é a possibilidade técnica. Muitos negócios que prometiam um sucesso estrondoso, acabaram com as portas fechadas porque era impossível executar o que empreendedor almejava. Leis da física precisariam ser revistas apenas para que ideias mirabolantes se tornassem realidade. Então, não adianta as pessoas quererem, desejarem profundamente o que você quer entregar a elas, se não houver capacidade técnica, tecnologia viável e acessível para atendê-las. Seria como criar o Youtube na década de 60 e querer ficar rico com ele.

O terceiro aspecto desse tripé do sucesso é a viabilidade econômica. Não adianta as pessoas quererem, eu conseguir entregar, mas o modelo de negócios não ser auto sustentável. Nesse sentido, é importante ressaltarmos que nem sempre o consumidor é o cliente. Ou seja, nem sempre quem te paga é a mesma pessoa que consome os seus serviços ou produtos. A TV é um bom exemplo disso. Somos todos consumidores/ telespectadores, mas não somos nós que financiamos as emissoras, e sim os anunciantes. Os clientes são eles. Nós somos consumidores. E, isso quer dizer que a empresa vai precisar agradar os dois lados se quiser ter sucesso.

De um modo geral, tenho visto boas ideias, com capacidade técnica, mas cada vez mais empresas incapazes de se provarem eficazes no aspecto financeiro. Boa parte disso porque nos acostumamos a ver rodadas de aportes milionárias, financiando startups que ainda não se mostram capazes de sobreviver por si mesmas. Estamos criando empreendedores filhos de pais ricos, com dinheiro abundante para testar e errar. A diferença é que os investidores não são como nossos pais, que são incapazes de nos cobrar dívidas. Eles colocam dinheiro nas startups esperando lucros altos. E, se falharmos?

Não sou contra os aportes, em absoluto. Tenho plena convicção de que eles são necessários para escalar e causar a disrupção em mercados em que há décadas gigantes ficaram deitados eternamente em berços esplêndidos. Eles desafiam o status quo e obrigam quem estava tranquilo a buscar novas formas de encantar e surpreender seus clientes e consumidores. O problema é quando o empreendedor só consegue pensar nisso e, acha que só uma boa ideia e a capacidade técnica de entregá-la é suficiente.

Por isso, caro empreendedor, sempre se pergunte se um aporte é mesmo necessário e, principalmente, se esse é o momento. Acredito que os aportes são fundamentais para fazer uma empresa crescer, mas jamais para fechar as contas de uma operação deficitária. E, é melhor entender desde cedo que a realidade dos aportes é para poucos. Estima-se que o Brasil tenha cerca de 12 mil startups. No entanto, em 2018, apenas 721 delas foram beneficiadas pelos R$ 5,1 bilhões investidos no país.

A todas as outras, resta as aventuras e desventuras do empreendedorismo solitário. Mas, nem só de amarguras vivem as chamadas bootstrapping - startups que usam apenas recursos próprios para sobreviver. No caso delas, o negócio só funciona com um pequeno aporte inicial dos próprios sócios e com o capital advindo dos primeiros clientes. Um bom exemplo de empresa que nunca recorreu a aportes financeiros é a Microsoft, uma das mais valiosas do mundo, que prova que a desejabilidade, a capacidade técnica e viabilidade financeira são os aspectos mais importantes para o sucesso.

Não por acaso, assim como filhos de famílias mais modestas, que aprendem logo cedo o valor de cada centavo, as adeptas do bootstrapping tendem a ser chefiadas por empreendedores mais maduros e preparados para lidar com as adversidades. Eles levam esse espírito para suas equipes, que acabam compartilhando desse pensamento e colaborando para uma gestão mais eficiente e com foco para a geração de valor - e não para a riqueza súbita! Essas empresas também tendem a ser mais sólidas, sendo capazes de gerenciar o próprio sucesso e fracasso com muito mais maturidade. E aí, a sua startup vai se tornar uma empresa sustentável ou está só surfando na onda dos aportes?





Marília Cardoso - sócia-fundadora da PALAS, consultoria pioneira na implementação da ISO 56.002, de gestão da inovação.

 

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