Vivemos em um país em
que há leis até em excesso mas no qual, para utilizar uma linguagem popular,
muitos desses textos “não pegam”, ou seja, as regras estabelecidas não são
cumpridas. Felizmente, no entanto, há pelo menos uma exceção digna de nota: a
Lei da Aprendizagem, do ano 2000, que nesses quase 20 anos possibilitou a
inserção de milhares de jovens no mercado de trabalho e que, além disso,
colaborou na formação deles também como cidadãos.
Os números confirmam que
a Lei da Aprendizagem deu certo. No CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola),
por exemplo, 500 mil jovens já participaram do programa Aprendiz Legal, e
tiveram qualificação profissional e práticas de responsabilidade social
corporativa que lhes abriram as portas do mercado e os ajudaram a exercer a
cidadania. No 1º. trimestre deste ano, o CIEE encaminhou 247 mil aprendizes
para processos de triagem em empresas e entidades de vários portes e ingressou
37.426 jovensem programas de aprendizagem.
Do lado das empresas, as
vantagens da legislação incluem a oportunidade de contar com mão de obra jovem
e desejosa de crescer profissionalmente e de contar com o “oxigênio” trazido
pelos aprendizes, tão necessário para o crescimento dos negócios – sem falar na
contribuição para a sociedade pelo apoio na formação de pessoas com
responsabilidade social e pelo combate à evasão escolar e ao trabalho infantil.
Jovens e empresários
reconhecem a importância dessa legislação. Recente pesquisa do Datafolha
mostrou que 3 em cada 4 aprendizes cumprem um dos principais objetivos do
programa: 76% estudam e/ou trabalham. Além disso, 53% acreditam que o programa
Aprendiz Legal, do CIEE, contribuiu para o crescimento profissional.
Outros dados mostram a
relevância desse programa: estudo da Fipe revelou que a remuneração média
mensal dos aprendizes saltou de R$ 395 para R$ 634 entre 2010 e 2017 e,
segundo, o Datafolha 81% deles contribuíram com as despesas da casa enquanto
participaram do programa. Levando em conta esses números chega-se à conclusão
de que a massa de renda dos aprendizes é de R$ 3,26 bilhões.
Mais ainda, em um país
em que o fantasma do desemprego assusta principalmente os jovens, 53% dos que
participaram do Aprendiz Legal continuam no mundo do trabalho e 37% deles são
assalariados registrados.
Pelo lado empresarial,
são frequentes as referências positivas em relação à qualidade e aos resultados
positivos do programa de aprendizes do CIEE. Diversos setores da economia
procuram pelos jovens do Aprendiz Legal, entre os quais bancos de grande porte,
siderúrgicas, governos federal, estadual e municipal, apenas para ficar em
alguns exemplos.
A lei tanto deu certo
que 53% das empresas ouvidas na pesquisa da Fipe abrem as portas aos jovens
aprendizes. Marca expressiva num país em que, como é conhecimento geral, parte
das organizações deixa de cumprir suas obrigações legais, seja por quais
motivos forem. O estudo mostra, ainda, que essa receptividade vai além do
simples cumprimento de cotas, pois resulta na oferta de oportunidades efetivas
de inserção dos jovens no mundo do trabalho. Primeiro, porque 90% das empresas
avaliam positivamente a presença dos aprendizes em seus quadros, que consideram
“fundamental”, “muito importante” e “importante”. Segundo, 73% delas informam
que há grande possibilidade de efetivar o jovem após a conclusão do programa de
capacitação.
Diante dessas
constatações, causou estranheza a informação de que está sendo construída uma
nova legislação para regular esse assunto. A iniciativa, segundo se informa,
pleiteia principalmente a redução das porcentagens de aprendizes estabelecidas
pela lei atual.
Sejam quais forem as
possíveis justificativas para a proposta, não há nada que as sustente. Os
parâmetros estabelecidos pela lei são consistentes com os objetivos do programa
de aprendiz: as vagas são destinadas a jovens entre 14 e 24 anos incompletos que
estão cursando ou já concluíram ensino fundamental e ensino médio. São estabelecidas
cotas de contratação de aprendizes para estabelecimentos de médio e grande
porte. A cota compulsória é de no mínimo 5% e no máximo 15% da força de
trabalho de referência, que inclui todos os empregados cujas funções exijam
formação profissionalizante – excluindo cargos de direção, gerência, ensino
técnico ou superior.
Cabe ressaltar que o
cenário atual não satisfaz plenamente o volume de vagas exigido pela lei. De
acordo com dados do Ministério do Trabalho, em 2017, o número de aprendizes
contratados (386 mil) correspondia a uma cota efetiva de 2% da força de
trabalho de referência, quando o mínimo seria de 964 mil (para cota mínima de
5%) e 2,9 milhões (para cota máxima de 15%).
Importante lembrar
também que existem vantagens para as empresas na contratação dos aprendizes,
feita em regime CLT especial que estabelece isenção de verba rescisória,
dispensa de aviso prévio remunerado e taxa de apenas 2% do FGTS. Mas não é só
isso: ao contratar um aprendiz o empresário contribui para a formação de
adolescentes e jovens que sonham em fazer novas leituras do mundo à sua volta e
ingressar no ambiente do trabalho.
Trata-se da única
política pública que combate à evasão escolar e o trabalho infantil, ao exigir
a participação apenas de estudantes regularmente matriculados em instituições
de ensino, e que possibilita a entrada regulamentada de menores de idade ao
mundo do trabalho.
São fatos como esses e
muitos outros que levam à conclusão de que a Lei do Aprendiz “pegou” e produz
resultados positivos. Como acontece com todas as legislações, é passível de
ajustes, mas nada que justifique a necessidade de novo texto, ainda mais
quando, como está acontecendo, as propostas de alterações estejam sendo
desenhadas sem o necessário debate sobre um assunto tão fundamental para a
construção de uma realidade melhor e mais justa para o nosso país.
Humberto Casagrande Neto – Superintendente-Geral do Centro de Integração Empresa-Escola – CIEE e
Ruy Martins Altenfelder Silva, Presidente Emérito do
Centro de Integração Empresa-Escola – CIEE
*artigo
originalmente publicado no Estado de S. Paulo
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