Notícias recentes que ganharam a
mídia nacional e internacional dão conta de que o médium João de Deus teria
abusado sexualmente de mulheres que o procuraram para tratamento espiritual. Chama
a atenção a quantidade divulgada destas mulheres, que até o momento já seriam
mais de quinhentas, relatando abusos antigos e recentes.
Pelo sistema penal brasileiro, a
conduta de quem abusa sexualmente de outrem, iludindo ou enganando a vítima -
desde que não haja violência ou grave ameaça e a vítima não seja menor ou
vulnerável - caracteriza o crime de violência sexual mediante fraude, previsto
no artigo 215 do Código Penal, o que, em tese, aplica-se ao caso noticiado.
Atualmente, a Ação Penal aplicável a
este crime sexual é pública incondicionada, isto significa que a iniciativa
para processar o autor deste delito é exclusiva do Estado (Ministério Público),
dispensando a autorização da vítima.
Esta situação processual decorre de
alteração recente, trazida pela nova Lei nº 13.718/18 (Lei de Importunação
Sexual), que entrou em vigor em 24 de setembro de 2018. Antes dela, havia
obrigatoriedade da autorização da vítima, pois a lei que estava anteriormente em
vigor, estabelecia que a Ação Penal, embora pública, era condicionada à
representação nos casos de crimes sexuais.
O prazo para a vítima representar
(autorizar), é de 6 meses, a partir do conhecimento da autoria. Esse prazo
denomina-se decadencial, vale dizer,
se não houver a representação em 6 meses, o Estado não poderá mais processar
criminalmente o autor do crime.
Nos casos relacionados ao João de
Deus, todas as vítimas de fatos anteriores a 24 de setembro de 2018, que o
acusaram e não representaram contra ele dentro do prazo de 6 meses, decaíram do
direito de representação e, por esta razão, João de Deus não poderá ser
processado pelo Estado, por estes fatos.
Já com relação a fatos ocorridos após
24 de setembro de 2018, devido à alteração legislativa citada acima, poderá
ocorrer o eventual processo criminal, sem a necessidade de autorização da
vítima.
Diante disso, todos os fatos
anteriores à nova Lei nº 13.718/18, não existindo representação da vítima,
serão sepultados e não terão efeito jurídico criminal algum. Tal situação é
prejudicial tanto às vítimas, como ao acusado, pois não haverá investigação,
tampouco processo, resultando em prejuízo mútuo, para acusado que não poderá se
defender das imputações e para as vítimas que ficarão sem amparo legal.
Pela lei brasileira, reitera-se que,
para os fatos posteriores a 24 de setembro de 2018, haverá a competente
investigação e eventual processo criminal, já com relação aos fatos anteriores
a esta data, a investigação e eventual processo criminal só ocorrerão se
existir a representação.
Por fim, o que esperam as vítimas, o
acusado e a toda sociedade, é simplesmente Justiça!
Prof. Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso - Advogado Criminalista,
Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP,
Ex-Presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil – Secção de São Paulo e Presidente de Honra da Academia Brasileira de
Direito Criminal (ABDCRIM).
Dr. Luiz Augusto Filizzola D’Urso - Advogado
Criminalista, Pós-Graduado pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha) e
pela Faculdade de Direito de Coimbra (Portugal), integra o Conselho de Política
Criminal e Penitenciária do Estado de São Paulo, Coordenador e Professor do
Curso de Direito Digital e Cibercrimes da FMU.
Nenhum comentário:
Postar um comentário