O Brasil vive uma crise fiscal sem
precedentes. No âmbito federal o déficit primário foi de cerca de R$ 170
bilhões em 2016 e deve chegar a R$ 139 bilhões em 2017. Nos estados também há
muita dificuldade e dois deles, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, chegaram a
decretar estado de calamidade financeira.
A situação de dificuldade orçamentária
do setor público deve-se em parte à recessão econômica, mas parte dela também
se deve às renúncias de arrecadação. Tanto na esfera federal como nos estados
os valores são expressivos.
No âmbito federal cabe citar a enxurrada
de desonerações de tributos concedidas em anos recentes. Entre 2011 e 2015 o
governo federal zerou alíquotas de impostos para setores específicos e R$ 327,2
bilhões deixaram de entrar nos cofres da União. Entre 2016 e 2018 a previsão é
que essas desonerações somem mais R$ 130,8 bilhões.
Outra situação diz respeito à guerra
fiscal nos estados. Uma estimativa da Febrafite, federação que reúne as associações
de fiscais estaduais, revela que para o ano de 2012 o total da renúncia fiscal envolvendo
o ICMS foi equivalente a 16,6% da arrecadação desse imposto. No referido ano a
receita do principal tributo estadual foi de R$ 326 bilhões, o que significa
que os estados abriram mão de mais de R$ 54 bilhões. Para 2015, ano em que a arrecadação
chegou a R$ 396,5 bilhões, a renúncia seria de quase R$ 66 bilhões.
No Brasil há uma visão distorcida a
respeito da função dos tributos e ela cria malefícios para o país. A questão
das renúncias de receita é um exemplo muito claro dos estragos que isso causa
para as finanças públicas.
Muitos políticos, economistas,
urbanistas, ambientalistas, entre outros costumam relegar a segundo plano a
função primordial dos impostos e contribuições que é a de gerar arrecadação
para o poder público. Para esse grupo os tributos servem em primeiro lugar para
resolver problemas através de renúncias fiscais que os governos devem conceder
aos agentes da produção.
Visões românticas enxergam nos tributos a expressão
do espírito cívico do cidadão. Humanitários passaram a acreditar que a única
forma de distribuir renda e riqueza é através da tributação punitiva dos mais
eficientes. Economistas e líderes políticos buscam nos impostos, ou na isenção
deles, o caminho principal para estimular o desenvolvimento. Ecologistas e
sanitaristas usam o sistema como forma de proteção ao meio ambiente e de
punição aos infratores.
A ênfase na extra-fiscalidade dos tributos, ainda
que legítima, vem se sobrepondo aos objetivos fiscais, tornando o sistema
tributário brasileiro pouco funcional em sua função essencial que é a de
arrecadar recursos para financiar o poder público.
É necessário resgatar a função arrecadatória dos
impostos. É um ponto de partida para a necessária simplificação do sistema e
que poderia ajudar a destravar o processo de reforma tributária no país. Os
demais objetivos do poder público podem ser atingidos através de outros meios à
disposição dos formuladores de política econômica, tais como subsídios,
transferências diretas, punições pecuniárias, compras governamentais, regulação
e até mesmo intervenções diretas.
Marcos
Cintra - doutor em Economia pela
Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação
Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e é autor do projeto do
Imposto Único. É presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).
Nenhum comentário:
Postar um comentário