Doenças associadas à água contaminada
são uma das maiores causas de morbidade e mortalidade em escala global. E o
acesso à água potável vem diminuindo, devido ao progressivo descarte de
poluentes domésticos, agrícolas, industriais e hospitalares no meio ambiente.
Microrganismos nocivos, nitratos, fosfatos, fluoretos, hidrocarbonetos
policíclicos aromáticos e metais pesados – como cádmio, mercúrio e chumbo –
estão entre os principais contaminantes.
Segundo estimativa da
Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 2 bilhões de pessoas bebem água
contaminada por fezes. Pior ainda é a contaminação da água por cepas de
bactérias resistentes a múltiplas drogas e metais, selecionadas pelo descarte
indiscriminado de antibióticos no meio ambiente.
Neste
contexto, a pesquisa por formas seguras e baratas de descontaminação da água
tornou-se uma necessidade urgente, principalmente nos países subdesenvolvidos
ou em desenvolvimento. Um estudo conduzido no Laboratório de Espectroscopia de
Materiais Funcionais (Lemaf), do Instituto de Física de São Carlos da
Universidade de São Paulo (IFSC-USP), em parceria com o African Centre of
Excellence for Water and Environmental Research (Acewater), da Nigéria, obteve
resultados promissores nesse sentido.
O trabalho foi coordenado por Andréa de Camargo e Hellmut Eckert,
professores do IFSC-USP, bem como por Emmanuel Unuabonah, diretor do Acewater e
professor da Redeemer's University, da Nigéria. O grupo contou com apoio da
FAPESP por meio de Auxílio a Pesquisador Visitante,
que possibilitou uma visita científica de três meses do professor Unuabonah ao
IFSC-USP. Auxílios obtidos de outras instituições permitiram que dois alunos do
professor Unuabonah também viessem estagiar na USP, em São Carlos.
“A fotocatálise é a forma mais
eficiente de descontaminação da água. Nós desenvolvemos um método que utiliza
nanocompósitos fotocatalíticos baseados em precursores de baixo custo,
abundantes nos países da África subsaariana e também no Brasil, e radiação
solar, o que proporciona uma solução sustentável para regiões nas quais o
abastecimento de energia elétrica estável constitui um problema a mais. Ao
interagir com a radiação solar, o material libera espécies reativas de
oxigênio, como o oxigênio singleto, que destrói microrganismos e degrada
resíduos de antibióticos e efluentes agrícolas”, diz De Camargo à Agência FAPESP.
Para
produzir os nanocompósitos, os pesquisadores utilizaram como precursores argila
(caulinita), semente de mamão papaia ou casca de banana (como fontes de
carbono) e sais de metais (cloreto de cobre ou cloreto de zinco). A proporção
em peso foi de um para um para dois (1:1:2) para os híbridos dopados com cobre
ou zinco individualmente. E de um para um para um para dois (1:1:1:2) para os
híbridos dopados com cobre e zinco simultaneamente.
“Nanocompósitos formados por
caulinita, sementes de papaia, cobre e zinco mostraram-se eficientes para a
purificação de água contaminada por Escherichia coli resistente
a múltiplas drogas e metais”, afirma De Camargo.
A produção
dos nanocompósitos combinou várias técnicas laboratoriais: solução, agitação
contínua, secagem, calcinação, esterilização, lavagem e segunda secagem. “O
material resultante foi empacotado em colunas de vidro previamente
esterilizadas. A água contaminada entra por uma extremidade da coluna,
atravessa o material em presença da luz solar e sai descontaminada na outra
extremidade”, resume a pesquisadora.
O estudo
identificou três mecanismos de desinfecção, dependendo do compósito estudado: a
interação eletrostática, identificada para o compósito dopado com zinco, em que
cargas superficiais positivas interagem fortemente com grupos carboxílicos das
paredes celulares das bactérias, levando-as a aderir às superfícies do
compósito; a toxicidade metálica, identificada, em menor ou maior escala, para
os três compósitos testados; e a fotocatálise, com a geração de oxigênio
singleto a partir do oxigênio molecular em presença da luz solar e a oxidação
de lipídeos e proteínas em torno das membranas celulares das bactérias, levando
à sua destruição.
“Apesar de
os três mecanismos terem sido identificados, ainda não está claro se ocorrem
simultânea ou sequencialmente. Em todo caso, a prova do conceito está dada:
materiais híbridos nanocompósitos baseados em precursores de baixo custo foram
eficientemente utilizados para a desinfecção de água contaminada com bactérias
multirresistentes”, sublinha De Camargo.
A
pesquisadora chama a atenção para o fato de que os resíduos de cobre e zinco
presentes na água tratada não são prejudiciais para o consumo humano. “Considerando
o consumo diário médio por adultos saudáveis, que é de três litros e meio, os
resíduos de cobre e zinco presentes na água tratada, respectivamente de 0,8
miligrama e de 0,51 miligrama por litro, estão abaixo do máximo
recomendado pela Organização Mundial de Saúde [OMS]”, diz.
Além da
composição mencionada, o grupo analisou também outras composições possíveis.
“Nanocompósitos de caulinita, casca de banana, tungstato de sódio e dióxido de
titânio foram efetivos para a fotodegradação dos antibióticos ampicilina e
sulfametoxazol e da droga antimalárica artemeter. Compósitos
heteroestruturados, do tipo ZnO/grafeno ou F2O3/grafeno, suportados em argila
com camadas de carbono proveniente de sementes de papaia, promoveram a remoção
de esteroides estrogênicos”, informa De Camargo.
O estudo já motivou a publicação de
quatro artigos em revistas especializadas: “Visible-Light-Mediated Photodynamic Water Disinfection @
Bimetallic-Doped Hybrid Clay Nanocomposites”; “Solar-active clay-TiO2 nanocomposites prepared via
biomass assisted synthesis: Efficient removal of ampicillin, sulfamethoxazole
and artemether from water”; “Tuning ZnO/GO p-n heterostructure with carbon interlayer
supported on clay for visible-light catalysis: Removal of steroid estrogens
from water”; “Carbon-mediated visible-light clay-Fe2O3–graphene oxide
catalytic nanocomposites for the removal of steroid estrogens from water”.
José Tadeu
Arantes
Agência FAPESP
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